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Acordo coletivo como instrumento de proteção legal para cargos de confiança

Negociações com sindicatos podem evitar problemas com descaracterização judicial de funções e pagamento de horas extras.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Atualizado em 13 de setembro de 2024 15:27

A estruturação de cargos e a classificação de empregados como detentores de cargo de confiança, para além dos cargos típicos de gerência, tem se mostrado um desafio para muitas empresas. Um dos pontos mais críticos é saber como reduzir o risco de descaracterização judicial do cargo de confiança, que levaria, consequentemente, ao pagamento de horas extras.

De acordo com o artigo 62, II, da CLT, são detentores de cargos de confiança empregados que exercem cargos de gestão e recebem gratificação de função equivalente a, no mínimo, o salário efetivo mais 40%.

No caso dos cargos típicos de gestão, com alto padrão de remuneração, as empresas não enfrentam grandes desafios para classificar e comprovar judicialmente o cargo de confiança.

Da mesma forma, em relação a cargos mais baixos na estrutura empresarial, as empresas não costumam correr maiores riscos, já que controlam a jornada desses empregados.

Mas, e para cargos em que a identificação de poderes de gestão não é tão fácil? Em muitos casos, por exemplo, mesmo com salários elevados (empregados hipersuficientes), o empregado pode não ter plenos poderes de gestão e supervisão. Isso evidencia a sutileza das características que definem um cargo de confiança. Empregados que ocupam cargos de especialista em carreiras em Y também se encontram em zonas cinzentas.

Nesse cenário, a negociação coletiva pode servir como importante instrumento para dar segurança jurídica à classificação de cargos de confiança feita pelas empresas, considerando suas especificidades e sua estrutura organizacional de cargos e salários.

Isso ocorre porque o artigo 611-A da CLT é direto ao dispor que o acordo coletivo de trabalho tem prevalência sobre a lei quando trata da identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança. Em outras palavras, o acordo coletivo pode estabelecer quais funções/cargos da empresa são consideradas de confiança e, portanto, não têm direito a horas extras.

Vale ressaltar que a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado na Constituição foi até mesmo validada pelo STF no julgamento do Tema 1.046.

Essa possibilidade também já foi objeto de análise pela Justiça do Trabalho. Em recente decisão, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) validou a identificação de cargos de confiança em acordo coletivo de trabalho. Na ocasião, o empregado alegava não deter poderes de gestão, mas a norma coletiva determinava expressamente a caracterização do cargo desempenhado pelo empregado como de confiança.

O TST, ao determinar que a norma coletiva deve ser respeitada, validou o cargo de confiança, mantendo a decisão do Tribunal Regional do Trabalho:

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.467/2017. CARGO DE GESTÃO. ENQUADRAMENTO NO ARTIGO 62, II, DA CLT. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. TEMA 1.046 DO EMENTÁRIO DE REPERCUSSÃO GERAL. JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO ARE 1121633. DIREITO DISPONÍVEL. PREVALÊNCIA DA NORMA COLETIVA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. 1. Caso em que o Tribunal Regional entendeu ser válida a cláusula de Acordo Coletivo de Trabalho que prevê o enquadramento de determinados cargos, como os de gerente, chefe de produção e máster, como sendo de confiança, incluindo-os na exceção do artigo 62, II, da CLT. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 02/06/2022, apreciou o Tema 1.046 do ementário de repercussão geral e deu provimento ao recurso extraordinário (ARE 1121633) para fixar a seguinte tese: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". Portanto, segundo o entendimento consagrado pelo STF, as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho, nas quais previsto o afastamento ou limitação de direitos, devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria da adequação setorial negociada, afrontem direitos gravados com a nota da indisponibilidade absoluta. 3. No caso dos autos, não se discute direito absolutamente indisponível do trabalhador. O enquadramento de determinados cargos como sendo de confiança e consequente exclusão do controle de jornada de trabalho pode ser transacionada pelos atores coletivos pactuantes, na linha da mais recente jurisprudência do STF. 4. Constata-se que a decisão agravada foi proferida em consonância com o entendimento firmado pelo STF no julgamento do recurso extraordinário (ARE 1121633). Nesse contexto, não afastados os fundamentos da decisão agravada, nenhum reparo merece. Agravo não provido, com acréscimo de fundamentação.1 (grifo nosso)

Tratar a negociação coletiva como um instrumento capaz de definir cargos de confiança dá mais segurança jurídica às empresas. Esse procedimento garante que, em eventual discussão judicial, a empresa tenha respaldo no artigo 611-A da CLT e na decisão do STF, que reconhecem a prevalência do negociado sobre o legislado. Dessa forma, poderá utilizar esses elementos para justificar o cargo de confiança para além das características do cargo.

Nossa experiência indica que essa solução jurídica ainda é pouco explorada. As empresas podem avançar nessa direção e começar a utilizar negociações coletivas para aumentar a segurança jurídica de sua estrutura de cargos de confiança. Com isso, elas poderão reduzir passivos trabalhistas decorrentes de horas extras.

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1 TST: 00000397620225090122. Relator: Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma. Data de publicação: 23 de agosto de 2024

Rodrigo Takano

Rodrigo Takano

Sócio da área trabalhista do Machado Meyer Advogados.

Ana Júlia Sales Aragão Bunduki

Ana Júlia Sales Aragão Bunduki

Advogada no escritório Machado Meyer Advogados.

Murilo Caldeira Germiniani

Murilo Caldeira Germiniani

Advogado previdenciário e trabalhista na Machado Meyer Advogados.

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