REsp 2.148.566/RS: STJ reafirma o papel da ação rescisória como instrumento de garantia da uniformidade da aplicação do direito
STJ garantiu a isonomia jurisdicional pela via da ação rescisória.
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
Atualizado às 14:14
A ação rescisória, prevista no art. 966 do CPC, é uma ferramenta processual essencial no sistema jurídico brasileiro, voltada, principalmente, para a desconstituição de decisões transitadas em julgado. Seu principal objetivo é corrigir erros graves que afrontem a justiça, especialmente nos casos de violação manifesta de normas jurídicas. Contudo, mais do que um remédio excepcional contra decisões transitadas, a ação rescisória desempenha um papel fundamental na busca pela uniformidade da aplicação do direito, garantindo a isonomia jurisprudencial.
A ação rescisória pode e deve ser utilizada como mecanismo corretor de aplicações distintas da mesma norma ou precedente jurídico, em prol da uniformidade da atividade jurisdicional e isonomia entre os jurisdicionados.
No julgamento do REsp 2.148.566/RS, a 3ª turma do STJ, sob a relatoria do ministro Moura Ribeiro, abordou precisamente essa questão ao analisar uma ação rescisória proposta com fundamento na alegada violação da norma jurídica e na pretensa existência de coisa julgada. Nesse caso, foi discutido se uma decisão que condenava o credor ao pagamento de honorários advocatícios, mesmo após o reconhecimento da prescrição intercorrente, deveria ser rescindida.
A rescisão de julgados deve ser excepcional, uma vez que as decisões transitadas em julgado representam a consolidação da certeza jurídica. No entanto, quando há decisões que violam de maneira evidente a norma jurídica ou se distanciam da interpretação consolidada pelos Tribunais Superiores, como o STJ e o STF, a ação rescisória se apresenta como caminho possível para evitar a manutenção de decisões contraditórias.
No caso em análise, a divergência tratava sobre a fixação de honorários advocatícios em favor do advogado da parte que opôs exceção de pré-executividade para alegar a prescrição intercorrente, o que resultou na extinção da execução. A parte exequente, condenada ao pagamento de honorários, sustentou que tal decisão violava os preceitos normativos, uma vez que a prescrição, por si só, não caracterizaria a existência de vencedor ou vencido na causa, o que tornaria indevida a imposição de ônus sucumbenciais.
O princípio da uniformidade da aplicação do direito está expressamente previsto no art. 926 do CPC, que impõe aos tribunais o dever de manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente. Tal diretriz visa garantir que decisões judiciais semelhantes, envolvendo fatos e normas idênticos, recebam o mesmo tratamento pelos diversos órgãos do Poder Judiciário.
A falta de uniformidade jurisprudencial não apenas compromete a previsibilidade das decisões judiciais, como também viola o princípio da isonomia, assegurado pelo art. 5º da CF, ao criar um cenário onde partes em situações similares recebem respostas jurídicas diferentes. No caso discutido, ao reconhecer a necessidade de uniformizar o entendimento acerca dos honorários advocatícios em casos de prescrição intercorrente, o STJ não só garantiu a correta aplicação da lei, mas também preservou o princípio da isonomia, evitando que o credor fosse penalizado por um fato que não deu causa.
Um dos pontos mais interessantes desse debate diz respeito à aplicação da súmula 343 do STF, que estabelece que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". Em casos como o do REsp 2.148.566/RS, a aplicação automática da súmula 343 pode ser problemática, pois, ao admitir interpretações divergentes de um mesmo preceito legal, corre-se o risco de perpetuar tratamentos desiguais.
O STJ tem afirmado, em decisões anteriores, que a ação rescisória deve ser admitida em situações onde a interpretação dada pelo tribunal rescindendo é contrária àquela pacificada pelo STJ, mesmo que, à época da decisão, a jurisprudência ainda fosse controvertida. Tal postura se justifica pela necessidade de garantir a uniformidade na aplicação do direito e evitar a cristalização de desigualdades que perpetuariam a incerteza jurídica.
A ação rescisória, além de ser um remédio processual extraordinário, é um mecanismo que contribui para a estabilidade e previsibilidade do ordenamento jurídico. Sua correta utilização garante que erros graves e decisões injustas sejam corrigidos, e que a aplicação do direito seja realizada de maneira uniforme e equânime. No julgamento do REsp 2.148.566/RS, o STJ reafirmou o compromisso com a isonomia jurisprudencial, demonstrando que o sistema processual brasileiro, embora valorize a coisa julgada, não pode ignorar situações em que a manutenção de decisões contraditórias compromete a integridade do sistema jurídico.
A uniformidade jurisprudencial, mais do que um ideal, é uma necessidade para que o direito seja aplicado de maneira justa e previsível, assegurando a confiança da sociedade no poder Judiciário. O julgamento do STJ no caso mencionado reforça esse compromisso, utilizando a ação rescisória como instrumento de correção de desvios interpretativos e de promoção da igualdade perante a lei.