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O branqueamento de capitais e a prova indiciária

É válido o uso da prova indiciária como único standard probatório no crime de lavagem de capitais?

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Atualizado às 14:05

No âmbito do crime de lavagem de dinheiro, é usual a construção e utilização em especial relevo probatório da prova indiciária. Toda prova é, antes, indício. A prova indiciária consiste em uma prova indireta, segundo a qual, partindo-se de um fato base comprovado, chega-se, por via de um raciocínio dedutivo ou indutivo, a um fato conseqüência, que se quer provar. Nesse sentido, a prova indiciária decorre da presunção humana (pelo juiz), em contraponto à presunção legal, que vem da lei.

Desse modo, a prova indiciária pode ser compreendida como um meio probatório que visa demonstrar ou provar um indício, enquanto que o indício, também denominado fato indiciário, constitui elemento que o juiz se utiliza para chegar a uma presunção, em decorrência do raciocínio presuntivo (MARINONI, 2020, p. 347). A construção da prova indiciária ganha destaque no tocante a crimes econômicos, em especial ao crime de lavagem de capitais, pois, trata-se de crime complexo e de difícil elaboração de um standard probatório elevado capaz de se substanciar, unicamente, pela prova direta. Refere-se provas diretas aquelas ligadas imediatamente ao fato a ser provado.

Na jurisprudência do STJ, o uso de provas indiciárias é frequentemente aceito, desde que os indícios sejam robustos e capazes de formar um conjunto probatório consistente. A edição 167 da jurisprudência em Teses destaca que, mesmo com a extinção da punibilidade pelo crime antecedente, o delito de lavagem de capitais pode subsistir, reforçando a importância das provas indiretas. Isso evidencia que, em casos de lavagem de dinheiro, onde a conexão direta entre o ato ilícito e o dinheiro é muitas vezes oculta, os indícios podem ser suficientes para fundamentar uma condenação (STJ, 2021).

As dificuldades na investigação da lavagem de capitais são grandes, em decorrência, principalmente, da própria estrutura do delito. É comum que este tipo de crime envolva concurso de agentes, anteparo de empresas fantasmas ou de fachada, além de transnacionalidade que rodeiam, inclusive, a extraterritorialidade da competência nacional. Em virtude disso, a persecução criminal neste tipo de delito envolve a necessidade de integração de vários órgãos envolvidos, como a Receita Federal, o BACEN, a CVM, o COAF, entre outros.

É sabido que o crime de lavagem é independente de processo e julgamento da infração penal antecedente, ainda que praticada em outro país (art. 2º, inc. II da lei 12.683/12; STF, RHC 105791, CARMEN LÚCIA, 2ª T., u., 11/12/2012; STF, HC 93368, FUX, 1ª T., u., 09/08/11). Ou seja, a autonomia do crime de lavagem significa que pode haver inclusive condenação por crime de lavagem independentemente de condenação ou mesmo da existência de processo pelo crime antecedente. A prova do crime antecedente pode ser, na esteira do § 1º do art. 2º, meramente indiciária. Nessa perspectiva, se a denúncia pode ser instruída apenas com indícios do crime antecedente, qual é a exigência probatória em relação ao próprio crime de lavagem?

Em verdade, o dispositivo finaliza em uma armadilha interpretativa no que diz respeito ao escopo probatório. Doutrinadores como Andrey Borges de Mendonça enfatizam a complexidade de lidar com a prova indiciária em crimes financeiros. Mendonça cita autores internacionais, como Luis Manuel Expósito Lombardero, que consideram a prova indiciária como a "rainha das provas" na lavagem de capitais, dado que, na maioria dos casos, a evidência direta é rara. No entanto, essa abordagem traz o risco de condenações baseadas em interpretações subjetivas dos indícios, o que pode enfraquecer a segurança jurídica (Mendonça, 2018).

Um dos problemas centrais com a prova indiciária é que ela exige uma análise cuidadosa dos fatos circunstanciais, sem a garantia de uma evidência material direta. Isso gera debates acalorados na doutrina sobre a legalidade e a moralidade de condenar com base em indícios, especialmente quando o resultado é a privação de liberdade. No caso de lavagem de dinheiro, a dificuldade de rastrear o dinheiro ilícito ao seu crime antecedente torna essa modalidade probatória ainda mais crítica.

Os tribunais, como o STJ, adotam uma postura pragmática diante desse dilema. Em diversos julgados, como o AgInt no AREsp 1.198.334/RS, o tribunal destacou que a denúncia por lavagem de dinheiro pode ser sustentada com base em indícios suficientes que indiquem a prática do delito antecedente, mesmo quando esses indícios não são acompanhados de provas materiais diretas (STJ, 2017).

Contudo, a doutrina brasileira permanece dividida. Autores como Pierpaolo Bottini e Juarez Tavares argumentam que a prova indiciária, por si só, não deveria ser suficiente para uma condenação, pois o direito penal exige uma comprovação além de qualquer dúvida razoável. Para eles, confiar exclusivamente em indícios enfraquece o princípio da presunção de inocência, consagrado na Constituição Federal (Bottini, 2020; Tavares, 2020).

Nos termos da jurisprudência do STJ, não há como reconhecer a inépcia da denúncia se a descrição da pretensa conduta delituosa foi feita de forma suficiente ao exercício do direito de defesa, com a narrativa de todas as circunstâncias relevantes, permitindo a leitura da peça acusatória a compreensão da acusação, com base no art. 41 do CPP (RHC 46.570/SP, rel. ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6ª turma, julgado em 20/11/14, Dje 12/12/14). Ademais, a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos e suficientes de autoria. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate. (HC 433.299/TO, rel. ministro FELIX FISCHER, 5ª turma, julgado em 19/04/2018, Dje 26/4/18).

Dessa forma, a jurisprudência brasileira aceita a prova indiciária na lavagem de capitais, mas a crítica doutrinária alerta para os perigos de sua utilização indiscriminada. O desafio reside em equilibrar a necessidade de combater crimes financeiros complexos com a proteção dos direitos fundamentais dos acusados.

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REFERÊNCIAS:

Bottini, P. (2020). Lavagem de Dinheiro e Prova Indiciária: Limites e Possibilidades. São Paulo: Revista dos Tribunais.

LOPES JR., AURY. Direito Processual penal. São Paulo: Saraiva, 2013.

Mendonça, A. B. (2018). Prova indiciária no crime de lavagem de capitais. Revista de Direito Penal.

Superior Tribunal de Justiça (STJ). Jurisprudência em Teses: Lavagem de Capitais. Edição 167. https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13042021-Jurisprudencia-em-Teses-traz-segunda-parte-sobre-lavagem-de-capitais-.aspx

Tavares, J. (2020). Fundamentos e Controvérsias no Crime de Lavagem de Capitais. Rio de Janeiro: Lumen Juris.

Fábio Franklin Jr

VIP Fábio Franklin Jr

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico - PUC/MG. Especialista em Jurisprudência Penal - CEI. Atuação em Crimes Financeiros e Lavagem de Capitais.

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