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A elisão fiscal e o uso dos direitos creditórios na extinção de obrigações tributárias

No Brasil, impostos podem ser extintos por 11 modalidades legais. A elisão fiscal usa direitos creditórios, seguindo o CTN e a Constituição Federal.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Atualizado às 13:57

A grande quantidade de impostos Federais, estaduais, distrital e municipais que são cobrados de todas as pessoas sejam físicas ou jurídicas em nosso país - (92 tributos vigentes), faz com que o Brasil esteja qualificado entre os países com maior taxa tributária do mundo. Um montante de 38% (trinta e oito por cento) da economia nacional está destinada ao pagamento de impostos. 

Todos os contribuintes estão sujeitos a diversos impostos, os quais podem ser cobrados direta ou indiretamente, contudo, um fato totalmente desconhecido e de certa forma até mesmo difícil de se acreditar é que a nossa lei, a lei brasileira, possibilita buscarmos a extinção desses impostos através de 11 modalidades e procedimentos distintos (não apenas através do pagamento). Tal afirmação é respaldada pelo art. 156 do CTN (lei 5.172/66), onde elenca como modalidades de extinção de um crédito tributário (obrigação tributária) os seguintes procedimentos: o pagamento, a compensação, a transação, a remissão, a prescrição e a decadência, a conversão de depósito em renda, o pagamento antecipado e a homologação do lançamento, a consignação em pagamento, a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória, a decisão judicial passada em julgado, e a dação em pagamento em bens imóveis.

Dentre as modalidades da extinção do crédito tributário, a que se destaca aqui é a compensação, prevista no art. 156, inciso II, e art. 170, ambos do CTN. Na definição do legislador, "a compensação ocorre quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor de obrigações, uma com a outra, operando-se a extinção até onde se compensarem" . O CTN acolheu o instituto da compensação, com algumas particularidades, dando ao seu art. 170, o seguinte sentido: "A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública".

Assim, na busca de uma economia financeira, nos deparamos com uma matéria do direito tributário bem específica descrita como sendo "elisão fiscal". A elisão fiscal nada mais é do que um planejamento financeiro e tributário que visa reduzir a carga tributária a ser paga por uma empresa, valendo-se de meios legais ou de procedimentos contábeis, sem o cometimento de qualquer ilícito .

Ao aprofundarmos no estudo da elisão fiscal, nos deparamos com a possibilidade do uso de direitos creditórios transitado em julgado (que são dividas declaradas devidas pelo governo e apurado através de ação ordinária), em fase de execução de sentença, e com cálculos de valores homologados pelo juiz da causa, para a extinção de obrigações tributárias pela compensação. Uma vez definidos na justiça de última instância, e determinados, portanto, os valores finais e irrevogáveis, referidos Direitos Creditórios viram normalmente precatórios. Tal concessão de uso é amparada pelo que determina o art.100 da CF/88, em seus §§ 9º e seguintes, instituídos pela EC 62/09, e EC 113/21. 

Lembramos que a CF/88 é a lei fundamental e suprema do nosso país, servindo de parâmetro de validade a todas as demais normas, situando-se no topo do ordenamento jurídico.

O art. 100 da Constituição Federal do Brasil e as emendas constitucionais 62/09 e 113/21

A aplicação do direito creditório federal como "matéria-prima" para o uso na extinção da obrigação tributária Federal através da compensação, está previsto no art. 100 da CF/88, mais precisamente através das modificações trazidas pela EC 62/09 e pela EC 113/21, e deverá seguir o seguinte raciocínio lógico: 

O uso do direito creditório Federal (no caso específico, se refere a créditos que uma pessoa natural ou empresa têm a receber da União, estados, distrito Federal ou municípios, sendo que, todo e qualquer crédito tem origem em alguma dívida, seja de pessoas físicas, seja de pessoas jurídicas. Por esse motivo, o direito a receber é considerado o direito creditório), está amparado pela nossa lei magna, em seu art. 100, que assim prescreve que: "Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim." (Redação dada pela EC 62/09).

Tal artigo da nossa carta mãe teve, em dois momentos, mudanças em sua estrutura. A primeira se deu através da EC 62/09 onde incluiu-se, dentre outros parágrafos, o parágrafo 9º que assim estabelecia: "§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial." Em um segundo momento, já em 8 /10/21, o mesmo parágrafo, através da EC 113, foi alterado, passando a vigorar com o seguinte enunciado: "§ 9º Sem que haja interrupção no pagamento do precatório e mediante comunicação da Fazenda Pública ao Tribunal, o valor correspondente aos eventuais débitos inscritos em dívida ativa contra o credor do requisitório e seus substituídos deverá ser depositado à conta do juízo responsável pela ação de cobrança, que decidirá pelo seu destino definitivo."

Nota-se que a inclusão do §9º ao art. 100 da CF/88, tanto através da EC 62/09 e, posteriormente através da EC 113/21, se deu com o único objetivo de facultar ao detentor do direito ao crédito Federal, a forma com que o mesmo seria ressarcido dos prejuízos causados pelo ente público, ressarcimento esse reconhecido pelo Poder Judiciário por uma sentença com trânsito em julgado - ou recebe seu direito a indenização através de um precatório requisitório ou através da quitação de débitos pelo mesmo indicado.

A mudança em referido artigo (§9º do art. 100 da CF através da EC 113/21), teve como interpelação legal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 7047, cujo teor do seu julgamento é o seguinte: "Decisão: O Tribunal, por maioria, converteu o julgamento da medida cautelar em julgamento de mérito e conheceu da ação direta para julgá-la parcialmente procedente e declarar a inconstitucionalidade dos arts. 100, § 9º, da Constituição Federal, e 101, § 5º, do ADCT, com redação estabelecida pelo art. 1º da EC 113/21, bem como dar interpretação conforme a Constituição ao art. 100, § 11, da Constituição, com redação da EC 113/21, para excluir a expressão "com auto aplicabilidade para a União" de seu texto, nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Ministro André Mendonça. Plenário, Sessão Virtual Extraordinária de 30.11.2023 (00h00) a 30.11.2023 (23h59)." Logo, em suma, a ADI aqui referida tratou tão somente do tema interpretativo, questionando o limite para pagamento dos precatórios de 2022 a 2026,  excluindo pelo seu julgamento, a expressão "com auto aplicabilidade para a União", em outras palavras, "a União não poderá, por conta própria, salvo através de lei regulamentadora, auto aplicar a compensação dos débitos do titular do direito creditório, junto ao direito creditório propriamente dito", convalidando as demais normas, estando, assim, o §9º do art. 100 da CF/88, égide em seus demais termos e direito.

Assim, através da EC 113/21, o §9º, do art. 100 da CF/88, outrora instituído pela EC 62/09, se modificou para assim determinar: "§9º - Sem que haja interrupção no pagamento do precatório e mediante comunicação da Fazenda Pública ao Tribunal, o valor correspondente aos eventuais débitos inscritos em dívida ativa contra o credor do requisitório e seus substituídos deverá ser depositado à conta do juízo responsável pela ação de cobrança, que decidirá pelo seu destino definitivo."

Quanto ao limite do uso do direito creditório, ou seja, em quais obrigações ele poderá ser utilizado, o §11 do art. 100 da CF/88 assim estabelece: 

"§11 - É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para:  (Redação dada pela EC 113/21) (Vide ADIn 7.047) (Vide ADIn 7.064)

I - quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente."  (Incluído pela EC 113/21)..."

Sobre o § 11 supra, pairaram duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ADIn 7.047 e ADIn 7.064. Em ambas o julgamento se deu para que fossem excluídas tão somente a expressão "com auto aplicabilidade para a União" de seu texto, permanecendo incólume os demais termos do parágrafo referido.

Através da interpretação deste parágrafo nos resta claro que é facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor (ex: lei 12.431/11), a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para promover a quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente.

Para que não seja alegada ignorância por parte do ente federativo devedor (no caso em tela a Receita Federal do Brasil), quanto ao uso do direito creditório, o §14, do art. 100 da CF, nos moldes como determinado pela EC 113/21, assim estabelece: "A cessão de precatórios, observado o disposto no § 9º deste artigo, somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao Tribunal de origem e ao ente federativo devedor." 

Aqui nos resta claro que, quando da venda de um direito de crédito, o legislador nos doutrina tão somente que, referida cessão do crédito somente produzirá seus efeitos após a comunicação por petição protocolizada ao tribunal e ao ente federativo devedor do direito creditório, da cessão realizada. Em momento algum o legislador se refere a um outro ato processual, como por exemplo a "homologação por sentença" da cessão de crédito por parte do juízo da causa, para que o direito ao seu uso seja autorizado.

É livre a venda (cessão) de direitos creditórios por terceiros. Estabelece assim o §13 do art. 100 da CF/88: "O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º." (Incluído pela EC 62, de 2009).

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Rafael Roveri Molina

VIP Rafael Roveri Molina

Advogado especializado em Direito Tributário, com extenso conhecimento em processos administrativos de revisão fiscal e recuperação de crédito.

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