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Do cabimento (ou não) das ações rescisórias originadas da "Tese do século"

O STJ admitiu ação rescisória para aplicar a modulação de efeitos do Tema 69 do STF, mas o tema ainda pode ser revisado pela Suprema Corte.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Atualizado em 12 de setembro de 2024 13:53

O STJ no julgamento do Tema Repetitivo 1245 reconheceu ser admissível o ajuizamento de Ação Rescisória para aplicação da modulação de efeitos, mas o tema ainda pode ser revertido no STF

Em março de 2017, STF, no julgamento do Tema de Repercussão Geral 69, definiu a tese: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins ".

Quatro anos após a definição da referida tese, dentro dos autos do processo Tema de Repercussão Geral, foram julgados os Embargos de Declaração opostos pela Fazenda Nacional, ocasião na qual restou consignado que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins seria aquele destacado na Nota Fiscal, bem como que os efeitos da decisão seriam modulados para se dar a partir de 15/3/17, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocolizadas até a data da sessão de julgamento.

Em outras palavras, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins se aplicaria a todos os contribuintes a partir de 15/3/17, ressalvados aqueles que já possuíam ações judiciais ou administrativas protocoladas antes de tal data, aos quais seria garantido o direito de reaver os valores pagos indevidamente a este título a partir dos 5 (cinco) anos que antecederam a propositura da medida judicial ou administrativa.

Ocorre que, em data posterior ao dia 15/3/17, diversos contribuintes ajuizaram medidas judiciais - nas quais foi reconhecido o direito de reaver os valores pagos indevidamente -, cujo deslinde definitivo se deu em momento anterior ao do julgamento dos Embargos Declaratórios no Tema de Repercussão Geral 69, que decidiu, em 13/5/21, sobre a modulação dos efeitos da tese ali firmada.

Ante a este cenário, surgiram incertezas e inseguranças quanto ao direito reconhecido a estes contribuintes que propuseram medida judicial após 15/3/17, mas que já possuíam decisões transitadas em julgado autorizando-os a reaver os valores pagos indevidamente a partir de 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento do feito.

A referida insegurança tornou-se de fato palpável quando a Fazenda Nacional passou a promover o ajuizamento de Ações Rescisórias em face de tais contribuintes, buscando desconstituir os Acórdãos rescindendos, a fim de que se aplicasse a modulação de efeitos a estes casos, restringindo o direito a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins apenas para os fatos geradores posteriores a 15/3/17.

Ocorre que a própria aplicação da modulação de efeitos firmada no Tema de Repercussão Geral 69 pelo STF aos casos em análise ainda é controvertida, não havendo, até o momento, um posicionamento pacificado sobre o tema.

Por um lado, a Fazenda Nacional alega que devem ser desconstituídos os Acórdãos rescindendos sobre o fundamento de que, com base no art. 966 do CPC, teria ocorrido uma violação à norma jurídica decorrente do Acórdão proferido no RE 574.706/PR, uma vez que os Acórdãos rescindendos estariam em desconformidade com o Tema de Repercussão Geral.

Neste ponto, vale mencionar que o órgão fazendário entende que a decisão proferida nos Embargos de Declaração opostos no âmbito do RE nº 574.706/PR, seria meramente integrativa da decisão anterior, ou seja, a decisão proferida em Embargos de Declaração se aderiria em seus fundamentos à decisão embargada, tornando-os um único julgado.

Com base nesta lógica, o julgamento dos Embargos Declaratórios não teria trazido uma mudança de entendimento, mas apenas uma complementação ao Acórdão proferido no RE nº 574.706/PR e, com isso, os Acórdãos rescindendos estariam em desconformidade com o precedente do STF, por não terem abrangido a modulação de efeitos ali prevista, o que possibilitaria o ajuizamento de Ações Rescisórias pela Fazenda Nacional.

Por sua vez, os contribuintes afirmam que as Ações Rescisórias não seriam cabíveis no cenário em análise, pelos seguintes argumentos:

  • as Ações Rescisórias, no caso concreto, não se amoldariam a nenhuma das hipóteses legais que autorizam a sua apresentação, uma vez que os Acórdãos rescindendos não teriam incorrido em quaisquer das violações previstas no art. 966 do CPC, eis que a modulação de efeitos não teria alterado o mérito da tese fixada pelo STF, bem como não trouxe qualquer modificação na orientação jurisprudencial;
  • tendo sido publicado o Acórdão do RE nº 574.706/PR, sob o regime de repercussão geral, os processos que versaram sobre a mesma matéria deveriam ser julgados em conformidade com a tese firmada pela Corte Suprema, nos termos do art. 1.040 do CPC, havendo, inclusive, diversas decisões à época, entendendo pela aplicação imediata da tese do Tema de Repercussão Geral nº 69, sem que se aguardasse o julgamento dos Embargos de Declaração fazendários;
  • no Tema de Repercussão Geral nº 136 do STF foi firmada a tese de que "Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente", o que se amoldaria ao caso em tela;
  • decisões de mérito favoráveis nas Ações Rescisórias implicariam a violação aos princípios da coisa julgada e da segurança jurídica, previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, do art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942) e do art. 502 do CPC.

No julgamento, finalizado em 11/09/2024, dos Recursos Especiais nºs 2.066.696 e 2.054.759, afetado pela sistemática dos Recursos Repetitivos pelo STJ1 (Tema Repetitivo nº 1245), os Ministros, por maioria, fixaram a seguinte tese: "Nos termos do art. 535, §8º do CPC, é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/05/2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69 da repercussão geral do STF".

Em outras palavras, neste julgamento prevaleceu, por maioria, o entendimento fazendário, no sentido de ser cabível a ação rescisória que busca aplicar a modulação de efeitos adotada no Tema de Repercussão Geral nº 69 aos casos que transitaram em julgado antes de 13/05/2021.

A despeito dos argumentos adotados pelos Ministros, não mostra razoável que o contribuinte seja lesado na situação analisada - devendo, eventualmente, ter de ressarcir a Fazenda Nacional em relação aos valores que já tenha compensado com base em crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado -, sendo que, à época em que foi julgado o seu respectivo processo judicial, o entendimento jurisprudencial, frise-se, emanado pela Suprema Corte em sede de repercussão geral, lhe era favorável e não havia qualquer impeditivo (ex. suspensão pelo STF dos processos que tratavam sobre o tema) ao direito que lhe fora concedido, tornando-o um fato jurídico perfeito.

Apesar de o julgamento do tema ter sido realizado pelo STJ pela sistemática dos recursos repetitivos, que seria vinculante a todos os contribuintes, provavelmente o tema ainda será revisto pelo STF, conforme sinalizado pela Corte Suprema.

Nessa seara, cumpre mencionar que nas poucas decisões proferidas sobre o tema pelo STF, o assunto foi decidido de forma favorável ao contribuinte, entendendo pelo descabimento das Ações Rescisórias fazendárias2, o que traz um pouco de esperança de reversão do entendimento adotado pelo STJ.

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1 PROPOSTA DE AFETAÇÃO COMO REPETITIVO. RECURSOS ESPECIAIS. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ADMISSIBILIDADE PARA ADEQUAÇÃO DE JULGADOS À MODULAÇÃO ESTABELECIDA NO TEMA N. 69 DA REPERCUSSÃO GERAL DO STF. CONTRIBUIÇÕES AO PIS/PASEP E Cofins . ICMS NA BASE DE CÁLCULO.

2 STF, RE 1.468.946/RS, Relator: Ministro Luiz Fux, Decisão Monocrática, Publicação 29/02/2024. Destaco a seguir trecho da decisão proferida pelo Ministro Relator: "(...) ocorre que o acórdão rescindendo transitou em julgado em 25/2/2021, antes, portanto, do julgamento dos embargos de declaração no RE 574.059, que fixou a modulação temporal de efeitos relativa à aplicação da tese do Tema 69 de Repercussão Geral. É dizer, o acórdão rescindendo, à época de sua formalização, estava em harmonia com o entendimento do Plenário desta Corte relativo ao referido tema de repercussão geral, o que inviabiliza sua rescisão (...)".

STJ, AgInt no REsp 2060442, Relator: Ministro Herman Benjamin, Decisão Monocrática, Publicação 21/09/2023. Destaco a seguir trecho da decisão proferida pelo Ministro Relator: "(...) a questão acerca da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins somente restou pacificada com o julgamento do RE 574.706/PR, pelo Supremo Tribunal Federal, sob o regime da Repercussão Geral (controle difuso de constitucionalidade, e não concentrado), não se enquadrando na exceção prevista pelo STF a justificar o cabimento da Ação Rescisória, porquanto, ressalta-se, não submetida ao controle concentrado de constitucionalidade (...)".

3 Delimitação da questão de direito controvertida como sendo:"admissibilidade de ação rescisória para adequar julgado à modulação de efeitos estabelecida no Tema n. 69 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal".

4 Multiplicidade efetiva ou potencial de processos com idêntica questão de direito demonstrada pelo despacho do Ministro Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e demais informações constantes dos autos dos processos repetitivos.

5 Determinação ad cautelam para a suspensão do julgamento de todos os processos em primeira e segunda instâncias envolvendo a matéria, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (art. 1.037, II, do CPC/2015).

6 Recurso especial submetido à sistemática dos recursos repetitivos, estando em afetação conjunta os recursos REsp. n. 2.054.759/RS e REsp. n. 2.066.696/RS. (ProAfR no REsp n. 2.054.759/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 19/3/2024, DJe de 10/4/2024.)

Thais Ribeiro Bernardes Casado

Thais Ribeiro Bernardes Casado

Advogada Tributarista do escritório L.O. Baptista Advogados, atuante na área tributária (contencioso e consultivo) a mais de 6 anos, formada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e pós-graduanda em Direito Empresarial pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

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