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Assédio sexual à vista

O assédio sexual é uma grave violação da dignidade humana e dos direitos fundamentais, exigindo ações imediatas de prevenção e combate, especialmente contra mulheres.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Atualizado às 14:16

O assédio sexual é um soco na alma! É devastador! É uma violência e sofrimento no cotidiano do trabalho. As mulheres são as maiores vítimas. Já são notórias as suas dificuldades. O caminho é palmilhado de espinhos.

O assédio sexual fragiliza ainda mais.   

Essa conduta perversa deve ser combatida por todos. O assunto é muito relevante. Está, sim, na ordem do dia.

Não pode predominar a lei do mais forte.  O machismo estrutural. Senão, o perverso será rei. Os fins não justificam os meios. Precisamos abrir os olhos e denunciar o evidente abuso de poder.

 O assédio sexual está muito próximo do assédio moral, entretanto, ele revela uma finalidade que o assédio moral não tem, ou seja, o caráter libidinoso de obter favores sexuais. O ponto em comum é que ambos violam a dignidade humana.

Porém, não se confundem: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

O assédio vem do latim ad sedere, que significa "sentar-se em frente de". Há o sentimento de ser constrangido, ofendido, menosprezado, rebaixado e humilhado. Dessa maneira, assediar, significa perseguir com insistência, que é o mesmo que molestar, perturbar, aborrecer, incomodar, importunar.

Mas o que é o assédio sexual?

O CP trata, no art 216-A, do assédio sexual:

"Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função".

 Em consequência, o legislador tutelou a liberdade sexual do homem e da mulher, bem como a dignidade da pessoa humana em seu aspecto sexual, a liberdade de trabalho e a não discriminação.

São elementos do tipo:

  1.  Constrangimento de alguém;
  2. Fim de obtenção de vantagem ou favorecimento sexual;
  3.  Condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pelo direito da lei, o sujeito ativo do crime de assédio sexual somente pode ser aquele que seja superior hierárquico ou tenha ascendência sobre a vítima em relação a emprego, cargo ou função. Aliás, por isso, é crime próprio.  O sujeito passivo, isto é, a vítima, é o subordinado.

 Ou seja, a ação típica consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência, ou seja, condição de mando, inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Por outras palavras, o agente prevalecendo da sua superioridade hierárquica ou ascendência constrange alguém com o dolo de obter vantagem ou favorecimento sexual.

Por exemplo: pedidos de favores sexuais com promessa de promoção e tratamento diferenciado em caso de aceitação. Ameaças de represália no caso de recusa da vítima de fazer o "teste do sofá", como a perda do emprego ou de um benefício.

Esta espécie de assédio sexual por chantagem (qui pro quo) - isto por aquilo - ou seja, a oferta de vantagens no ambiente de trabalho por atitudes de cunho sexual é consequência direta do abuso poder da qual o superior hierárquico é detentor.

O assédio sexual é uma conduta abusiva. Na nossa formação social trazemos essa marca do abuso de poder. É comum a frase:

"- Você sabe com quem está falando?"

"- Manda quem pode e obedece quem tem juízo"

Aliás, somos campeões de abuso de poder...

O tipo penal do art. 216- A, fala em constranger alguém.  Logo, o homem pode sofrer assédio sexual. Pode, então, ocorrer assédio entre pessoas de sexos diferentes ou entre pessoas do mesmo sexo.

Porém, pelo machismo estrutural, por óbvio, o assédio sexual atinge, mais frequentemente, as mulheres e constitui, infelizmente, uma das muitas violências sofridas em seu dia a dia. 

Assédio sexual horizontal por intimidação ou ambiental 

Além disso, é importante destacar que, doutrinariamente, o assédio sexual laboral não se restringe às situações hierárquicas, podendo ocorrer assédio sexual horizontal por intimidação ou assédio sexual ambiental, que se aproxima do assédio moral horizontal, porém, diferenciando pela conotação sexual. 

Nessa espécie, a condição de superioridade hierárquica não é imprescindível, podendo ser praticado por colega de trabalho da vítima, estando ambos na mesma posição hierárquica.

Pense-se, por exemplo, em solicitações sexuais ou outras manifestações da mesma índole, no ambiente de trabalho, por palavras, gestos ou outros meios verbais contra a vontade da pessoa, causando-lhe constrangimento e violando a sua sagrada liberdade sexual.

De outro modo, são provocações e intimidações sexuais inoportunas e constrangedoras tornando tóxico o ambiente de trabalho.

Uma observação importante se impõe: O assédio sexual ambiental não está tipificado como crime, pois não se aperfeiçoa os tipos objetivos e subjetivos do art. 216- A. Como foi dito, é uma construção doutrinária.

O que não impede, por exemplo, se o assediador for servidor público de ser punido administrativamente e gerar indenização, porque todos têm direito ao meio ambiente de trabalho psicologicamente saudável e isento de assédio.

Não é difícil, porém, perceber que nem tudo é assédio sexual. Por sinal: um flerte ou um elogio não podem ser considerados assédio sexual, já que a conduta não está adequada ao tipo, ou seja, individualizada como proibida pelo tipo penal do art.216-A, do CP

A propósito, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli ensinam que1:

"o tipo é a fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence à conduta. A tipicidade é a adequação da conduta a um tipo. O tipo é a fórmula legal que permite averiguar a tipicidade da conduta".

Porém, é de uma obviedade óbvia, de não há nada de flerte quando a mulher é constrangida, importunada e coagida, por abuso de poder, a aceitar investidas de cunho sexual.

Da importunação sexual

Uma pausa: há muita confusão na diferença entre assédio sexual e importunação sexual, apesar de topograficamente estarem em artigos diferentes no CP. O tipo importunação sexual está descrito no art. 215-A, CP, que prevê: 

"Praticar, na presença de alguém e sem a sua anuência, ato libidinoso (de caráter sexual), com o objetivo de satisfazer a própria lascívia (prazer sexual) ou a de terceiro"

Vale dizer, praticar na presença da vítima, sem sua anuência, ato libidinoso, por exemplo:  apalpar as pernas, genitália, nádegas, seios, tocar, abraçar, beijar ou passar a mão no corpo de alguém, lamber e ejacular, com o dolo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.

Em consequência, o superior hierárquico que apalpa as pernas da subordinada comete o crime de importunação sexual.  Não é o crime de assédio sexual, cuja pena é menor. 

Nota-se, porém, que na importunação sexual, não depende de hierarquia. Pode ocorrer entre pessoas na mesma posição hierárquica.

Existe assédio sexual entre professor e aluno? 

Há certa controvérsia doutrinaria e jurisprudencial, na hipótese de assédio sexual entre professor e aluno. Uma parte da doutrina afasta a incidência do tipo penal ponderando de que a relação docente - discente não implica relação de superioridade ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Para outra corrente, basta a relação de ascendência ou mesmo o simples "temor reverencial" existente em relação ao exercício de emprego, cargo ou função do sujeito ativo.

Não obstante, em 2019, a sexta turma do STJ decide que assédio sexual pode ser caracterizado entre professor e aluno2

 No voto seguido pela maioria, o ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que:  

"Ignorar a notória ascendência que o mestre exerce sobre os pupilos é, equivocadamente, desconsiderar a influência e, mormente, o poder exercido sobre os que admiram, obedecem e, não raro, temem aquele que detém e repassa o conhecimento", afirmou Schietti.

O que pode ocorrer com o assediador? 

O assediador sendo servidor público pode ser punido:penalmente, civilmente e administrativamente. O Estado (União, Estado ou Município) responde objetivamente (independe de prova de culpa) pelos danos materiais e morais sofridos pela vítima, nos termos do art. 37, §6º, da CF.

 Independente da esfera criminal, no caso de o assediador ser trabalhador celetista, a prática perversa de assédio sexual é considerada falta grave punível com demissão por justa causa, podendo a vítima obter a rescisão indireta do contrato de trabalho. Dessa maneira, terá o direito de receber todas as parcelas devidas na dispensa imotivada.

Caracterizado o dano e configurado o assédio sexual, a vítima tem direito à reparação (art. 927, CC).A competência é da Justiça do Trabalho. (art. 114, inciso VI, da CF)

Conclusão

Assédio sexual à vista. É devastador. A violência é dolorosa para as vítimas. As denúncias de assédio aumentam exponencialmente. Não são casos pontuais. É assustador. Para falar o mínimo. Não há democracia com a com a praga do assédio sexual. Não há cidadania. 

Urge ações concretas para prevenir e combater os graves casos de assédio sexual. Por quê? Porque - viola o princípio fundamental da República, isto é, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais.

Dessa forma, é necessário o imediato combate ao assédio sexual, ao abuso e à violência sexual contra as mulheres que são o principal "grupo de risco".  

________

1 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique Manual de Direito Penal Brasileiro, pág. 444/445, 2002, Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed

2 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2019/Sexta-Turma-decide-que-assedio-sexual-pode-ser-caracterizado-entre-professor-e-aluno.aspx

Renato Ferraz

VIP Renato Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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