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É possível haver contratação direta entre estatais?

Empresas estatais podem contratar diretamente entre si, sem licitação, com base na Lei nº 13.303/2016, desde que o preço seja compatível com o mercado.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Atualizado às 13:55

Imaginemos uma situação na qual uma estatal tenha por atividade-fim (descrita em seu objeto social e/ou na lei que autorizou sua criação) a prestação de diversos serviços gráficos, como, por exemplo a impressão do diário oficial.

Pois bem, caso uma outra empresa estatal quisesse contratar os serviços gráficos daquela primeira estatal mencionada, seria possível que tal contratação se desse sem a necessidade de uma licitação prévia?

Em outras palavras: as empresas estatais (sociedades de economia mista e empresas públicas) podem promover contratações diretas entre si?

Bom, de início, diga-se que na lei 8.666/1993, o art. 24, VIII, em tese, poder-se-ia, à época de sua vigência, cogitar que havia uma hipótese de contratação direta que permitia claramente que uma estatal contratasse uma outra estatal, desde que criada antes daquela lei, prestasse serviços e comercializasse produtos relacionados à sua atividade-fim sem a necessidade de prévio processo licitatório:

"Art. 24. É dispensável a licitação:

(...)

VIII - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;"

Sobre o revogado art. 24, VIII da Lei nº 8.666/1993, colham-se os seguintes entendimentos da doutrina:

"O intuito do inc. VIII é que a Administração Pública, tendo criado pessoa jurídica ou condições para que órgão produza os bens ou serviços de que necessite, possa contratar diretamente com estes, preservando-lhes as condições de funcionamento, além da presunção de que, tendo sua criação sido orientada por interesse público, persiste este quanto à manutenção da viabilidade de tais estruturas. Requer-se, no entanto, que a criação do órgão ou entidade com o qual se pretende contratar diretamente seja anterior à vigência da Lei nº 8.666/1993, ou seja, há de remontar a 20 de junho de 1993." (Oliveira, Antônio Flávio de, Comentários à Lei de Licitações e Contratações Públicas, Belo Horizonte: Fórum, 2021, pág. 206)

"Tem de reputar-se que a regra do inc. VIII apenas pode referir-se a contratações entre a Administração direta e entidades a ela vinculadas, prestadoras de serviço público (o que abrange tanto as prestadoras propriamente ditas como as que dão suporte à Administração Pública). A regra não dá guarida a contratações da Administração Pública com entidades administrativas que desempenhem atividade econômica em sentido estrito. Se o inc. VIII pretendesse autorizar contratação direta nesses termos, estaria caracterizada inconstitucionalidade. É que entidades exercentes de atividade econômica em sentido estrito estão disciplinadas pelo art. 173, § 1º, da CF/1988. Daí decorre a submissão ao mesmo regime reservado para os particulares. Não é permitido qualquer privilégio nas contratações dessas entidades. Logo, não poderiam ter a garanta de contratar direta e preferencialmente com as pessoas de direito público. Isso seria assegurar-lhes regime incompatível com o princípio da isonomia. Essa solução é indispensável para assegurar a livre concorrência. (...) não podem ser contratadas sem licitação as empresas estatais que atuam no mercado. Toda entidade estatal que prestar serviços ou comercializar bens atuando em competição com outras empresas privadas não poderá beneficiar-se de qualquer privilégio ou vantagem. Empresa estatal atuante na exploração de atividades econômicas sob regime de competição com outros agentes privados não pode ser investida no privilégio de contratação direta com a Administração Pública". (Justen Filho, Marçal, Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 16ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2014, págs. 424/425)

Como se vê, para Marçal Justen Filho, sociedades de economia mista e empresas públicas que exercessem atividades econômicas não podiam ser beneficiadas pela hipótese de dispensa de licitação prevista no art. 24, VIII da Lei nº 8.666/1993. 

O TCU, conforme se se deduz da leitura a seguir, adotava o mesmo entendimento:

"As empresas públicas e sociedades de economia mista que se dedicam à exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços não podem ser contratadas com dispensa de licitação fundamentada no art. 24, inciso VIII, da Lei 8.666/1993, em consonância com os princípios constitucionais da livre concorrência e da isonomia, uma vez que se sujeitam ao regime jurídico das empresas privadas (art. 173 da Constituição Federal)" (Acórdão 6931/2009 - Primeira Câmara, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues) 

"(...) o Tribunal se manifestou no sentido de que as empresas integrantes da Administração Pública que possam prestar serviços também a particulares, como é o caso da Cobra Tecnologia S.A., não podem ser beneficiadas com a dispensa de licitação prevista no inciso VIII do art. 24 da Lei 8.666/1993, à semelhança do entendimento já firmado quanto ao inciso XVI. Exceção apenas ao Banco do Brasil S.A., empresa controladora da Cobra, que pode contratá-la com fundamento no inciso XXIII do art. 24 daquela Lei, desde que o preço seja compatível com o praticado no mercado e que haja relação de pertinência entre o serviço a ser prestado ou os bens a serem adquiridos e o objetivo institucional ou social da entidade subsidiária e controlada" (Acórdão 1.591/2011 - Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti)

Em razão de como o TCU entendia o tema, a AGU expediu a seguinte orientação normativa:

"Orientação Normativa/AGU n° 13/2009 - Empresa pública ou sociedade de economia mista que exerça atividade econômica não se enquadra como órgão ou entidade que integra a administração pública, para os fins de dispensa de licitação com fundamento no inc. VIII do art. 24 da Lei n° 8.666, de 1993."

Todavia, conforme já mencionado, é de notório conhecimento que a Lei nº 8.666/1993 foi revogada.

Por seu turno, no diploma revogador - qual seja: a Nova Lei Geral de Licitações e Contratos - NLGLC (Lei nº 14.133/2021) - o dispositivo que corresponde ao art. 24, VIII da Lei nº 8.666/1993 é o seguinte:

 "Art. 75. É dispensável a licitação:

(...)

IX - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integrem a Administração Pública e que tenham sido criados para esse fim específico, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;"

Confira a íntegra do artigo. 

Aldem Johnston Barbosa Araújo

VIP Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Especialista em Direito Público.

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