Salário-maternidade durante a pandemia
A TNU reconhece que o pagamento a gestantes afastadas pela lei 14.151/21 deve ser tratado como salário-maternidade, permitindo recuperação tributária para empresas.
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Atualizado em 11 de setembro de 2024 10:57
O Governo Federal publicou a lei 14.151/21 que em síntese determinou o afastamento de empregadas gestantes do ambiente de trabalho presencial, sem prejuízo à remuneração, enquanto perdurasse o estado de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Importa notar que o legislador ressalva a necessidade de a empregada afastada permanecer à disposição do empregador para exercer de forma remota as suas atividades profissionais corriqueiras durante todo o período de afastamento.
Ocorre que, a despeito de seu inegável caráter protetivo, referida lei era omissa com relação ao tratamento a ser atribuído às empregadas gestantes afastadas impossibilitadas de exercer suas atividades à distância e sobre o responsável pelo pagamento da remuneração dessas empregadas gestantes.
Desse modo, o dever de proteção à maternidade que deveria ser suportado pelo Estado foi repentinamente transferido ao empregador, que se viu duplamente encarregado a arcar com os custos dessa contração. Isso porque, as empresas foram compelidas ao pagamento da remuneração das gestantes afastadas por força da lei 14.151/21, sem que houvesse efetiva contraprestação de serviço.
Com efeito, o artigo 394-A da CLT endereça situação análoga à presente ao determinar que empregadas gestantes devem ser afastadas das atividades quando estas forem insalubres. Ainda, determina o pagamento do benefício do salário-maternidade, durante todo o período de afastamento, nos termos da lei 8.213/91, quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada exerça suas atividades em local salubre na empresa:
Sobre o tema, cabe, ainda, pontuar que a Câmara dos Deputados aprovou no dia 16.2.2022 o PL 2.058/21, convertido na ei 14.311/22, que determina o retorno das gestantes ao trabalho presencial após a vacinação contra o coronavírus.
Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização da Justiça Federal (TNU) no julgamento do Tema 335 trouxe uma nova perspectiva sobre o enquadramento do salário-maternidade para trabalhadoras gestantes afastadas em decorrência da Lei 14.151/21. Esta decisão, que contraria o posicionamento atual do STJ1, abre caminho para a recuperação de contribuições previdenciárias indevidamente recolhidas e a dedução integral dos valores pagos.
A TNU ao julgar o Tema 335 definiu que a remuneração paga às gestantes afastadas pela lei 14.151/21 deve ser enquadrada como salário-maternidade, desde que comprovada a inviabilidade do trabalho à distância e a impossibilidade de alteração das funções. Este entendimento alinha-se com a proteção constitucional à maternidade e à saúde da gestante, conforme previsto nos artigos 196, 201, inciso II, e 227 da Constituição Federal.
Esta recente decisão traz implicações significativas para os empregadores, ao transferir o ônus da remuneração da empregada gestante impossibilitada de realizar suas atividades presenciais ao Estado. Primeiramente, garante a possibilidade de recuperação das contribuições previdenciárias recolhidas sobre os valores pagos às gestantes afastadas durante a pandemia. Além disso, permite a dedução integral desses valores na apuração das contribuições previdenciárias devidas, o que pode representar uma economia substancial para as empresas. A recuperação desses valores pode ser realizada por meio de compensação ou restituição, conforme a legislação vigente.
Diante deste novo precedente, as empresas devem considerar a propositura de medidas judiciais para a recuperação do indébito tributário. Todavia, é essencial que sejam revistos os procedimentos internos e as documentações sobre os afastamentos e os pagamentos realizados, a fim de comprovar a incompatibilidade com o trabalho remoto e a inviabilidade de alteração das funções. A documentação adequada e a comprovação da impossibilidade de trabalho remoto são fundamentais para o sucesso das ações judiciais.
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1 STJ; Recurso Especial REsp 2072501 / SC; Relator(a): Paulo Sérgio Domingues; Órgão Julgador: 1ª Turma; Data da Decisão: 06/08/2024; Data de Publicação: 09/08/2024; STJ; Agravo Interno no Recurso Especial AgInt no REsp 2099021 / PR; Relator(a): Herman Benjamin; Órgão Julgador: 2ª Turma; Data da Decisão: 18/06/2024; Data de Publicação: 08/07/2024
Cristiane Ianagui Matsumoto
Sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Yuri Forsthuber Alandia
Advogado no Pinheiro Neto Advogados.