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Presunções

O texto aborda as implicações do racismo estrutural, destacando críticas à generalização de culpa.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Atualizado às 12:03

O livro "Racismo Estrutural", de autoria de Silvio de Almeida, Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, sustenta que a estrutura do país é racista. Esse raciocínio junta-se a outros que, no final do dia, defendem que "todo branco é racista". A ideia chega ao ponto de dizer que qualquer branco que não se confesse e se declare racista é, na verdade, vítima de um racismo tão enraizado que sequer consegue se perceber como tal.

Obviamente, a tese em si, e seus corolários, traz equívocos, inclusive por ligar o racismo ao capitalismo, como se não houvesse racismo antes dele. Também é irrazoável sustentar que o país tem uma estrutura racista quando toda a legislação, assim como a ação dos três Poderes da República e também muitas empresas (leia-se, ESG) repudiam e enfrentam o racismo que, de fato, existe. Porém, feita essa observação, resta na mesa a conclusão de que "todo branco é racista". Esse pensamento julga e condena muitas pessoas (na prática, quase metade do país) aprioristicamente, e estimula que pessoas sejam julgadas assim: não pelo que dizem ou falam, mas por sua cor da pele.

Noutro giro, assim como no país há racismo, há também o machismo e o assédio, outros cânceres a serem coibidos. Movimentos como o Me too e outros similares trabalham com uma lógica semelhante, a de presumir culpas. A partir do famoso " todo o homem é um estuprador em potencial", a palavra da vítima alcança, para muitos, um valor quase sacrossanto e intransponível. Em verdade, por ser um crime em geral praticado na clandestinidade e longe de testemunhas, coibi-lo e obter provas não é uma tarefa simples. O problema é que, sabe-se, ao lado de muitos casos reais ocorrem denúncias falsas. Um exemplo é o do jogador Neymar, acusado de estupro. Por força de ser o homem na história, por ser alguém bem-sucedido e por ter suas posições políticas claras, tivemos feministas, invejosos e esquerdistas partindo para uma campanha de linchamento que só não se consumou por milagre. Ele foi salvo por um vídeo. Penso que o Jesus que ele coloca na faixa em sua testa o tenha protegido. Outro exemplo é o do ator Johnny Depp, massacrado de imediato e depois inocentado. Apesar de tantos casos, ainda há intelectuais, artistas e feministas que presumem a culpa do homem antes mesmo de qualquer investigação.

Curioso, portanto, que alguém que presuma a culpa de todos os brancos seja apresentado com uma ideia semelhante: a culpa presumida de todos os machos. Não estou aqui para fazer juízos sobre o homem em questão, isso sei, por dever de ofícios (magistratura e magistério), só se estabelece após ampla defesa, contraditório e devido processo legal. Meu ponto é outro. John Kennedy alertou que "no passado, aqueles que loucamente procuraram o poder cavalgando no lombo de um tigre acabaram dentro dele". O tigre de hoje é o direito penal do autor e não do fato, é presumir culpas, ou gritar, ou ficar em silêncio, a depender de quem está do lado de cá ou de lá de uma acusação grave. Até mesmo a postagem de uma foto com um dos envolvidos pode ser exemplo desses julgamentos sumários e, portanto, temerários e potencialmente injustos.

Espero que o caso seja apurado na forma da lei, que o(s) culpado(s) de assédio ou de denunciação caluniosa sejam punidos. A sabedoria aqui é o país aprender que é errado presumir culpas em lugar de analisar os fatos, caso a caso. Não importa se estamos diante de um branco, um preto, indígena ou pardo, de um hétero ou de um LGBTQIA+, de um pastor ou de um muçulmano, se falamos de um Presidente de esquerda, ou de direita, ou de seus respectivos apoiadores: ninguém deve tirar conclusões imediatas, apressadas e baseadas na pessoa do autor ou da vítima. O caminho correto é a análise serena e honesta dos fatos.  O caso do Ministro trouxe à tona nossos problemas de sempre: pessoas saíram defendendo imediatamente um ou outro, racializou-se um assunto que nada tem de racial, detratores alegraram-se pela chance de tripudiar sobre um oponente político, teorias da conspiração foram reveladas. Surgiram notícias antigas sobre o acusado e o MDH publicou nota mencionando tentativa de interferência do Me Too em licitação do Disque 100 (pub. MDH em 5/9/2024). Para cada acusação, um ou mais escândalos; para cada suspeita, liberta-se um Kraken.

Presunção boa mesmo é aquela que está no art 5, LVII, da Constituição Federal: a de inocência. Ela serve para brancos e pretos, machos e fêmeas, ricos e pobres, de direita e de esquerda. Então, nesse momento, vale insistir na força e na beleza de um texto cada vez mais esquecido. A Carta Magna.

William Douglas

William Douglas

Professor de Direito Constitucional e escritor.

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