Não, o processo penal não existe para condenar
As peculiaridades do processo penal, que impõe a repetição de elementos informativos em fase judicial para sua valoração como prova, justificam a dilação da instrução em busca da garantia da paridade de armas e do contraditório e ampla defesa, que não podem ser negligenciados sob qualquer pretexto.
quinta-feira, 5 de setembro de 2024
Atualizado às 15:17
O processo penal, por tutelar um dos principais direitos do ser humano - a liberdade - exige a repetição dos atos praticados na fase policial, quando possível.
Dessa forma, na fase administrativa - inquérito policial, termo circunstanciado e procedimentos de investigação em geral - há a produção de elementos indiciários e atos informativos que deverão ser repetidos judicialmente, na presença da defesa.
A investigação policial geralmente tem como objetivo produzir elementos indiciários suficientes para iniciar uma ação penal. Nesta fase investigativa, não será necessário obter certeza; basta a comprovação do crime e um possível autor. O standard probatório é menor, bastando significativa probabilidade de autoria.
Importante ressaltar que, embora nesta fase não se exija certeza, deveriam haver elementos consistentes de probabilidade, pois ao receber a denúncia o investigado é elevado à condição de processado. Apesar disso, na prática, notamos que os processos são iniciados com despachos coringas e genéricos, que são replicados na maioria dos casos.
Contudo, reunidos os elementos e os pressupostos da ação penal, o processo será iniciado. Caso contrário, a acusação deve ser rejeitada de plano, o que é uma figura rara no mundo real.
Iniciado o processo, em tese, estaria confirmada a presença desses elementos mínimos de prova, que não são suficientes para fundamentar uma condenação neste momento processual.
Isto porque, no curso da ação penal, todos os elementos indiciários serão reproduzidos na justiça, diante do contraditório e da ampla defesa, assegurando todos os direitos e garantias.
Não é à toa que o Código de Processo Penal, em seu art. 155, prevê que "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas."
É justamente por esse motivo que, com fundamento no ordenamento jurídico brasileiro, todos os elementos indiciários produzidos na fase administrativa devem ser reproduzidos na fase judicial.
Tal medida busca garantir a participação do defensor constituído nos autos, em busca da preservação dos direitos do acusado, tentando estabelecer uma igualdade entre as partes.
Dessa forma, com exceção dos elementos indiciários irrepetíveis - que são aqueles que não podem ser novamente coletados - todos os atos produzidos na fase administrativa deverão ser reproduzidos em juízo.
Assim, sempre que possível, serão novamente ouvidas as vítimas, testemunhas, informantes, acusados e peritos. Também serão refeitos reconhecimentos, devendo ser respeitadas as formalidades descritas no Código de Processo Penal, em que a testemunha deve descrever as características da pessoa a ser reconhecida e, posteriormente, deve ser exposta a pelo menos três pessoas com características próximas, assegurando, assim, a legitimidade do ato nos exatos termos do art. 266 do Código de Processo Penal.
Por óbvio, as críticas ao sistema são esperadas. O imediatismo das redes sociais e da internet faz com que a repetição dos atos investigativos seja recebida como desnecessária. Para muitos, a realização da investigação policial já seria suficiente para condenar e cancelar o investigado.
Na vida real, ao contrário, mesmo com este sistema complexo, ainda enfrentamos muitos erros judiciais e divergências entre os julgadores. Não é raro os Tribunais reformarem as decisões dos juízos de piso ou os Tribunais Superiores reformarem as decisões dos magistrados de instâncias inferiores, o que não necessariamente significa a prolação de decisão correta e justa, sendo que muitas vezes essas Cortes Superiores erram por último.
O tema é complexo e a única certeza que se tem é que quanto mais aprofundadas e especializadas forem as investigações e, da mesma forma, a produção da prova no curso do processo, melhor será para todos os sujeitos processuais, principalmente para o acusado.
Na realidade, infelizmente, a experiência demonstra automatismo na aplicação da justiça, por meio de decisões e manifestações genéricas, o que preocupa diante das recorrentes e reiteradas injustiças.
É por isso que, neste complexo sistema processual, a reprodução de elementos informativos produzidos na fase de investigação se revela indispensável para a produção de prova, sempre em busca da justiça e da garantia de direitos.
Felipe Mello de Almeida
Advogado criminalista, especialista em Processo Penal. Sócio do FM Almeida Advogados