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Afinal de contas, quem é esse tal de representante legal?

O Brasil é o 2º principal destino de investimento estrangeiro entre os países-membros da OCDE e o 3º entre os membros do G20. A situação entre X e o STF pode afetar a atração de capital internacional?

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Atualizado às 10:49

Um frequentador assíduo dos trending topics das últimas semanas no Brasil é a queda de braço travada entre o ministro Alexandre de Moraes, do STF e o dono da rede social X (antigo Twitter), Elon Musk. Pode-se dizer que esse foi o derradeiro trending topic, já que a rede social saiu do ar no último final de semana, por ordem do Ministro.

A polêmica medida, que coloca o Brasil ao lado de países como Coreia do Norte, China e Turcomenistão, foi tomada depois que a empresa se negou a nomear um novo administrador, em substituição à antiga administradora, que renunciou na esteira desses acontecimentos.

A contenda jogou luz em uma figura talvez pouco conhecida do grande público: o representante legal.  Mas afinal, quem é esse tal representante legal? O que faz e quando é necessário?

O termo é genérico e tem diferentes significados, de acordo com a legislação brasileira. O imbróglio com o X envolve especificamente o representante enquanto pessoa responsável pela administração de uma empresa brasileira. Todas as empresas brasileiras devem ter, pelo menos, um representante legal, responsável pela sua administração. Portanto, sem entrar na polêmica quanto à legalidade da decisão de sua Excelência, o fato é que quando o Ministro Moraes determinou que a empresa nomeasse novo representante legal, o fez porque a antiga administradora havia renunciado ao cargo, deixando a empresa acéfala - o que não é admitido nos termos da lei.

Essa é a primeira acepção do termo representante legal. Outro significado é o dos procuradores, representantes legais de terceiros no Brasil. A lei brasileira exige a constituição de procuradores em algumas situações.

O primeiro caso é quando o sócio ou acionista de uma empresa brasileira seja domiciliado no exterior. Nesse caso, o sócio estrangeiro deve constituir um procurador residente no Brasil, com poderes para receber citação em ações judiciais movidas contra o estrangeiro. É o que reza o art. 119 da lei das S/A (lei 6.404/76), aplicável por analogia também às Limitadas por força do art. 1.053 do Código Civil.

Outra situação é quando o Administrador ou Diretor reside no exterior - situação admitida pela lei brasileira a partir de 2021. Nesse caso, o administrador estrangeiro deverá constituir um procurador residente no Brasil, com poderes para receber citações em ações judiciais e em processos administrativos. Detalhe importante é que essa procuração deve ter validade de, no mínimo, 3 anos após o término do mandato do administrador estrangeiro (art. 146, § 2º da lei das S/A).

Há também o caso das empresas estrangeiras que desejam se estabelecer no Brasil por intermédio de filial, sucursal, agência ou estabelecimento. Nesses casos, a sociedade estrangeira deverá requerer autorização prévia do Governo Federal. Caso concedida a autorização, a sociedade estrangeira deve manter, permanentemente, representante no Brasil, "com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade" (art. 1.138 do Código Civil). Não por acaso, devido à burocracia envolvida, essa modalidade é muito pouco utilizada na prática.

Finalmente, é importante lembrar que, até mesmo para encerrar uma empresa, é necessário ter uma pessoa responsável por esse processo. Essa figura é o liquidante ou guarda-livros, conforme estabelecido no art. 1.036 do Código Civil e nos arts. 208 e seguintes da lei S.A. O liquidante assume as mesmas responsabilidades que o administrador, sendo responsável pelo pagamento do passivo, registro dos atos perante as autoridades competentes e pela guarda dos livros empresariais durante os prazos prescricionais.

O assunto ganha ainda mais relevância devido ao momento de grande atração de investimentos estrangeiros vivido pelo Brasil atualmente. Relatório da OCDE divulgado no primeiro semestre deste ano coloca o Brasil como 2º principal destino de investimento estrangeiro dentre os países-membros em 2023, atrás apenas dos EUA. Dados da ONU confirmam essa tendência, colocando o Brasil como 3º maior destino de recursos dentre os membros do G20 e o 5º maior no geral no ano passado.

A expectativa do governo é de que a tendência se intensifique ainda mais. Números do Banco Central mostram que a atração de investimentos estrangeiros diretos está melhorando. O País teve em março de 2024 o melhor resultado dos últimos 12 anos para o mês, com total de US$ 9,6 bilhões recebidos, de acordo com o Banco Central.

O otimismo dos investidores estrangeiros com o Brasil se reflete também no Índice de Confiança para Investimento Direto Estrangeiro, elaborado anualmente pela consultoria Kearney. Após ter ficado de fora do índice no ano passado, o Brasil agora assume a 19ª colocação. Considerando apenas os mercados emergentes, o Brasil fica na 5ª colocação.

A lista é definida com base nas respostas de executivos das 500 maiores empresas do mundo. Esse bom momento do Brasil perante investidores internacionais pode ser afetado pela briga envolvendo Musk e Moraes. Ao menos é essa a avaliação do bilionário norte-americano Bill Ackman, da Pershing Square Capital. "A suspensão ilegal do X e o congelamento das contas da Starlink no Brasil coloca o país no rápido caminho de se tornar um mercado impossível de investir. A China fez atos similares que levaram a fuga de capitais e ao colapso de suas avaliações. O mesmo vai acontecer com o Brasil exceto caso o país recue rapidamente desses atos ilegais", afirmou Ackman.

À primeira vista, a figura do representante legal pode parecer uma mera formalidade burocrática, mas a realidade é que, quando atua profissionalmente, o representante legal é um aliado fundamental em termos de governança corporativa e compliance com as leis e autoridades locais. 

Com efeito, se não ter um representante legal não é uma opção - como deixou claro o ministro Moraes -, ter um representante meramente formal, sem compromisso com a obediência estrita das normas pode ser ainda mais devastador para a empresa.

Sobretudo em um cenário globalizado, em que empresas transnacionais podem responder localmente por atos cometidos em outras jurisdições - a chamada extraterritorialidade da lei, presente em diversos ramos do Direito, desde leis anticorrupção (FCPA e UK Bribery Act), até o combate ao terrorismo e à lavagem de dinheiro (AML Act) - ter um representante legal profissional é um ativo fundamental para o bom andamento de uma empresa.

A polêmica Musk x Moraes não deixa margem a dúvidas.

Marco Antônio Junqueira de Arantes

Marco Antônio Junqueira de Arantes

Sócio da Mourão Campos, Fernandez, Cargnin e Zanatta Sociedade de Advogados é formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e especializado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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