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Tributação no setor de tecnologia: Impactos na implementação da reforma tributária

A reforma tributária brasileira é um dos temas mais discutidos atualmente, e com razão: a necessidade de simplificação e modernização do sistema tributário é evidente. Ao analisarmos o impacto das mudanças propostas sobre o setor de tecnologia, é possível identificar potenciais contrassensos, no que tange à carga tributária aplicada aos serviços de tecnologia e à importação desses serviços.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Atualizado às 11:13

Carga tributária no setor de tecnologia: Desafios atuais

O Brasil possui uma das cargas tributárias mais complexas e onerosas do mundo, especialmente no setor de tecnologia. Empresas de tecnologia enfrentam uma combinação de tributos que inclui impostos sobre consumo, renda e folha de pagamento, que, em conjunto, criam um ambiente de alta carga tributária. A seguir, destacam-se os principais tributos que incidem sobre o setor:

ISS - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza: Aplica-se sobre a prestação de serviços, incluindo desenvolvimento de software e serviços de TI, com alíquotas que variam de 2% a 5%, dependendo do município.

PIS/Cofins: Tributos federais aplicados sobre o faturamento das empresas. No regime não cumulativo, as alíquotas combinadas podem chegar a 9,25%, com possibilidade de compensação dos créditos pelas entradas, contudo, empresas de tecnologia possuem poucos insumos, o que reduz significativamente a tomada de créditos, levando a grande maioria para o regime não cumulativo, com uma carga de 3,65%.

IRPJ e CSLL: Tributos sobre o lucro, que não foram alterados pela Emenda Constitucional 132.

Importação de serviços de tecnologia: Tributação adicional

Com a globalização e a crescente necessidade de tecnologias avançadas, a importação de serviços de tecnologia tornou-se uma prática comum entre empresas brasileiras. Entretanto, a tributação sobre a importação desses serviços é igualmente complexa e onerosa:

IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte: Incide sobre remessas ao exterior, com alíquotas que variam entre 15% e 25%, dependendo da existência de acordos internacionais.

CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico: Alíquota de 10% aplicada sobre remessas para o exterior relativas a contratos que envolvem transferência de tecnologia.

PIS/Cofins -Importação: Alíquotas combinadas de 11,75% sobre o valor da operação de importação de serviços.

ISS: poderá incidir sobre a importação, dependendo da legislação municipal.

Esses tributos aumentam significativamente o custo de aquisição de serviços tecnológicos no exterior, desestimulando a importação de tecnologias que poderiam alavancar a competitividade das empresas brasileiras.

Reforma tributária: Promessas e contrassensos

A reforma tributária, consolidada pela Emenda Constitucional 132/23, tem como um de seus principais pilares a simplificação do sistema tributário. A criação do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços, que unifica tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS, visa reduzir a complexidade e eliminar os resíduos tributários. No entanto, ao analisar os impactos dessas mudanças no setor de tecnologia, surgem preocupações significativas que precisam ser cuidadosamente consideradas.

Comparativos de carga tributária: Antes e depois da reforma

No modelo atual, as empresas de tecnologia enfrentam uma carga tributária complexa e elevada, especialmente na importação de software e serviços tecnológicos. A tributação envolve diversos tributos, como IRRF, CIDE, PIS/Cofins-Importação, e ISS, que, em conjunto, impõem um peso significativo sobre as operações dessas empresas.

Com a reforma tributária, consolidada pela Emenda Constitucional 132/23, a unificação de tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS no IBS, e a criação da CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, prometem simplificar o sistema. No entanto, essa unificação pode não resultar em uma redução efetiva da carga tributária, particularmente para empresas que dependem da importação de software.

A CBS, que substituirá o PIS/Cofins, e o IBS, que incidirá no destino, são desenhados para ampliar a base de incidência, o que pode aumentar a carga tributária sobre a importação de software e serviços de tecnologia. Sob o novo regime, a tributação na importação pode se tornar ainda mais onerosa, já que esses tributos unificados são aplicados de forma abrangente e com menos isenções.

Por exemplo, enquanto hoje a importação de software está sujeita a PIS/COFINS-Importação com alíquotas combinadas de 11,75%, além de IRRF e, eventualmente, CIDE, no novo sistema, as alíquotas do IBS e da CBS podem resultar em uma carga ainda maior, dependendo das definições e alíquotas finais estabelecidas. Essa mudança pode, portanto, representar um aumento da carga tributária total, elevando os custos operacionais das empresas de tecnologia que dependem de softwares e serviços adquiridos no exterior.

A reforma e a dependência de tecnologia: Um contrassenso?

A reforma tributária propõe modernizar o sistema fiscal brasileiro, e a implementação eficaz dessas mudanças dependerá fortemente de sistemas tecnológicos avançados para gestão e controle tributário. No entanto, se a tributação sobre serviços de tecnologia e sua importação se tornar ainda mais onerosa, poderemos nos deparar com um contrassenso.

Empresas que fornecem as ferramentas tecnológicas necessárias para essa transição fiscal enfrentarão uma carga tributária elevada, o que pode desestimular investimentos e inovações no setor. Isso só poderia retardar o processo de implementação da reforma.

Por exemplo, o split payment, que é o cerne da reforma tributária, não existirá sem um extraordinário desenvolvimento tecnológico tanto do fisco quanto das empresas. Esse mecanismo exigirá sistemas avançados de monitoramento e controle em tempo real, permitindo que os tributos sejam automaticamente divididos e recolhidos conforme as transações ocorrem. As empresas precisarão não apenas investir pesadamente em tecnologia para integrar seus sistemas ao novo modelo, mas também garantir total conformidade com as novas regras.

Além disso, a necessidade de tecnologia de ponta para a administração do IBS, que exige sistemas sofisticados para rastreamento e atribuição de tributos por destino, pode ser comprometida se as empresas responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção desses sistemas forem sufocadas por uma carga tributária crescente. Isso criaria um ciclo onde a reforma, que depende de tecnologia para sua execução, encarece os próprios serviços de que necessita, gerando um impacto negativo em todo o ecossistema econômico.

Essa possível elevação dos custos tributários na tecnologia pode desestimular a aquisição de soluções tecnológicas avançadas e gerar um custo elevado na implementação da reforma. Portanto, enquanto a reforma busca simplificar o sistema tributário, ela também pode, paradoxalmente, tornar mais onerosa a própria tecnologia necessária para a sua implementação e para o avanço digital do país.

Considerações finais

Embora a reforma tributária prometa simplificação e modernização, seus efeitos sobre o setor de tecnologia precisam ser reconhecidos e gerenciados com cuidado. A tributação elevada sobre tecnologia, como prevista com a nova estrutura do IBS e CBS, pode aumentar significativamente os custos para as empresas que precisam investir em sistemas avançados para cumprir as novas exigências fiscais.

Dado que a reforma já foi aprovada, as empresas devem se concentrar em planejamento de longo prazo e na implementação de estratégias que lhes permitam absorver esses custos adicionais sem comprometer suas operações. Isso inclui a adoção de tecnologias mais eficientes e a capacitação contínua de profissionais para garantir que os sistemas fiscais e operacionais estejam alinhados às novas exigências.

Além disso, é fundamental que as empresas invistam em planejamento tributário e na integração de suas operações com as plataformas fiscais do governo para evitar problemas de conformidade. A reforma não pode ser revertida, mas seu impacto pode ser mitigado com uma abordagem estratégica, garantindo que a tecnologia funcione como uma aliada no cumprimento das novas normas fiscais e na continuidade dos negócios.

Bruna Kanning

Bruna Kanning

Consultora e Advogada Tributarista com mais de 3 anos de experiência, atuando na Taxes Brasil. Especialista em direito tributário. Cocriadora do projeto Reformatributaria360.

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