MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Poder, violência e controle

Poder, violência e controle

Campanhas de conscientização são importantes, mas devem vir alinhadas a esforços mais amplos, que envolvem mudanças legais, apoio às vítimas, reabilitação dos agressores e transformações culturais mais profundas.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Atualizado às 13:26

Nesse final de semana estava discutindo com uma mulher, sobre a campanha "Feminicídio Zero", lançada pelo Ministério da Mulher, durante o Projeto do Agosto Lilás.

Ela descrente, considera essas campanhas infrutíferas. Eu, menos cética, considero que ao olharmos os inúmeros fatos históricos dos últimos 100 anos, podemos considerar uma enorme evolução, principalmente quanto a conscientização.

Mas, não consegui esquecer o assunto e passei a pensar como esse período tão brutal para o Brasil ainda pode ter alguma ligação conceitual com o uso do estupro como arma de guerra, no contexto histórico global. Talvez, nada mesmo!!!

Mas, o estupro sempre foi usado como arma de guerra e tem como objetivo o controle social, a dominação cultural e a demonstração de poder. Nunca foi apenas uma forma de violência física, mas uma ferramenta simbólica para consolidar o poder dos conquistadores.

O ato simboliza a vitória completa sobre o inimigo, demonstrando o poder sobre a população e aniquilando psicologicamente seus líderes.

Na antiguidade era usada como forma de humilhar o "inimigo", até porque em uma sociedade patriarcal, onde a honra e o status familiar e comunidades estavam intimamente ligados às mulheres, violentá-las significa manchar sua honra e desmoralizar seus homens.

Não era só isso, o estupro tinha intenção de "contaminar" a linhagem de um grupo étnico e cultural. Os filhos nascidos dos estupros são vistos como mestiços indesejados, diluindo a pureza racial e a identidade coletiva da comunidade.

O uso dessa violência, claro, é uma forma eficiente de intimidar futuras resistências. Mas, o pior mesmo é verificar que a prática, historicamente, é usada como recompensa, onde os soldados recebem permissão para violar as mulheres, como parte do saque.

Além de serem objeto de prazer, essas mulheres são vendidas ou trocadas, adicionando valor econômico à prática do estupro, tudo como parte do saque e da conquista.

Voltando ao Brasil, e ao comprovado aumento de violência doméstica e feminicídio, resta claro que, de fato, há uma forte conexão com a dinâmica de poder, controle e submissão, embora ocorram em um contexto diferente das práticas de guerra. Só que continuo achando que os elementos de dominação e violência simbólica, como a destruição moral e a supremacia masculina, continuam refletindo em uma estrutura cultural e social que perpetua a desigualdade de gênero.

A violência doméstica, muitas vezes, visa minar a autoestima da mulher, destruindo sua capacidade de resistência e autonomia.

O machismo sempre foi profundamente enraizado na cultura brasileira, e a violência é uma maneira de reafirmar a supremacia, principalmente quando este homem sente que perdeu o controle sobre sua parceira. Os homens veem a violência como uma maneira de controlar suas relações, e esse ciclo contínuo gera mais abuso e feminicídios.

Quebrar esse ciclo contínuo exige uma abordagem multifacetada, mas eu ainda sou esperançosa!

Continuo achando que campanhas de conscientização são importantes, mas devem vir alinhadas a esforços mais amplos, que envolvem mudanças legais, apoio às vítimas, reabilitação dos agressores e transformações culturais mais profundas. Uma abordagem integrada que envolva toda a sociedade.

Não há como parar de difundir valores de igualdade e respeito. Campanhas de empoderamento feminino que incentivem as mulheres a conhecerem seus direitos. Trazer os homens para a discussão, com programas que abordem a masculinidade tóxica e encorajem os homens a desconstruírem as ideias machistas que sustentam a violência.

Eu, como mãe de dois meninos (agora homens), desde cedo abordei questões como igualdade de gênero, respeito pelos direitos humanos e a rejeição da violência como meio de controle. Ensinar meninos e meninas sobre relacionamentos saudáveis e respeito mútuo é fundamental.

Como conclusão eu poderia dizer que, o aumento dos estupros no Brasil não tem suas raízes plantadas no uso de estupros durante as guerras, mas que o fenômeno revela como o corpo feminino pode ser instrumentalizado como campo de batalha em nossa sociedade civil, onde impera a violência e a desigualdade estrutural.

Nossas pequenas vitórias diárias são fruto de centenas de campanhas de conscientização. O mundo seria muito pior para as mulheres se não divulgássemos diariamente nossas conquistas e nossos direitos, para conhecimento de todas, inclusive das mais vulneráveis.

Antes a violência doméstica era tratada como "ASSUNTO PRIVADO" e era invisível aos olhos da sociedade e autoridades. As campanhas mostraram que este sempre foi um problema social que deveria ser encarado. Além disso, busca reduzir o estigma em torno das vítimas, encorajando mais mulheres a denunciar.

O importante é continuar pressionando os governos, a justiça e os serviços de atendimento a implementarem políticas que protejam as vítimas e punam os agressores. Sem pressão o processo seria ainda mais lento.

Lucinete Cardoso

VIP Lucinete Cardoso

Mestre em Direito. Prof. Universitária. Advogada com experiência em assessoria empresarial, Contratos, personificação jurídica, estrutura societária, governança, mercado de capitais, novas tecnologias

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca