Licitação, registro de preços e reajuste
A jurisprudência do TCE/SP considera inviável o reequilíbrio contratual no registro de preços, e não há previsão legal para reajustes. Inovações no sistema, como "carona" e prorrogação, não eliminam o caráter pontual do registro de preços, que tende a ser mais alto devido ao custo de manutenção de estoque.
quinta-feira, 22 de agosto de 2024
Atualizado às 14:31
Já nos manifestamos sobre a questão do registro de preços e o "reequilíbrio-contratual". Nossa opinião1 é a de que a jurisprudência do TCE/SP deve ser mantida no sentido de inviabilidade do reequilíbrio.
Os motivos que tornam juridicamente inviável o reequilíbrio, ajudam a elucidar se haveria (ou não viabilidade) do reajuste de preços.
Merece destaque o fato de que não há previsão legal expressa nesse sentido.
Inovações do registro de preços
Também merece destaque a lista de inovações do Registro de Preços a fim de que analisemos o tema.
Assim, já escrevemos2:
"As principais inovações sobre o registro de preços na nova lei referem-se à possibilidade de "carona", registro de mais de um licitante e a possibilidade de prorrogação por novo período de um ano. Também a possibilidade de oferta parcial pelo licitante é mudança digna de nota."
Nenhuma destas apontadas novidades é o suficiente para retirar do registro de preços o seu caráter de aquisição pontual para serviços e bens cujo planejamento seja mais dificultoso.
O registro de preços "força" o aumento do preço a ser oferecido pelo (s) licitante (s) já que obriga o particular a manter estoque para fornecimento imediato ao poder público.
É óbvio que o custo do preço da manutenção do "estoque" será repassado para o preço a ser oferecido no registro de preços.
Nenhuma das inovações do novo sistema registral são suficientes para transformar o preço da ata do registro de preços num valor idêntico às aquisições de mercado em que não há essa exigência indireta da manutenção de "estoques."
Em síntese, o preço da ata de um registro de preços é presumidamente acima do mercado. Assim como o leite comprado numa padaria é , presumidamente mais elevado, da mesma forma o preço do registro de preços tem a mesma presunção de preços elevados diante do custo de estoque sem garantia de venda efetiva.
Nesse sentido, o reajuste é incompatível com o registro de preços da mesma forma que o reequilíbrio diante da peculiaridade de "contrato preliminar" conforme mencionado por Marçal Justen Filho. Marçal Justen Filho3 afirma em sua reconhecida obra:
"A 'ata de registro de preços' não produz diretamente um contrato de fornecimento ou de serviço. Ela formaliza um contrato preliminar, que envolve a disciplina de futuras contratações entre as partes." (grifos nossos)
O presente texto de opinião ousa afirmar que a jurisprudência será mantida, mesmo com a nova lei de licitações e contratos tanto no aspecto do reequilíbrio quanto no aspecto do reajuste.
Uma análise precipitada poderia conduzir o intérprete à conclusão de que o art. 82, VI da nova lei conduziria à possibilidade de reequilíbrio e/ou ao reajuste, caso haja previsão no edital.
Assim, prevê referida regra:
"Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre:
(...)
VI - as condições para alteração de preços registrados;
Pensamos que a referida regra autoriza tal previsão apenas para hipóteses excepcionais em que haverá prejuízo na manutenção dos serviços públicos tal e qual já aponta a jurisprudência do TCE/SP.
A jurisprudência sumulada do TCE/SP já aponta que o registro de preços ñão é compatível com serviços continuados, onde a imprevisão contratual, o reequilíbrio e o reajuste tem mais sentido.
Nesse diapasão é a súmula 31 da Corte de Contas:
"Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços de natureza continuada"
No respeitado blog da Zenite há um texto de opinião no sentido de que havendo previsão no edital haverá possibilidade de reajuste e de reequilíbrio4.
Assim, a respeitada instituição escreveu;
"Fica claro, portanto, que a lei 14.133/21 assegura a previsão de cláusula determinando o reajuste do valor contratado."
Concordamos que não há previsão na lei. Discordamos, porém, do uso do termo "contratado", pois se trata de um contrato preliminar e não de um contrato propriamente dito. A provisoriedade intrínseca ao registro de preços torna o reajuste e o reequilíbrio incompatíveis com sua essência de aquisição fora do planejamento ordinário.
A ata de registro de preços sempre teve característica específica de contrato preliminar e como tal devem ser abordadas as consequências jurídicas.
Planejamento
Não faz o menor sentido, data maxima venia, que um contrato preliminar e pontual fruto de ausência (ou impossibilidade) de planejamento posse ser tratado como contrato definitivo.
Transformar o contrato preliminar como se definitivo fosse significa sepultar de morte o princípio do planejamento que é obrigatório para o Poder Público.
Nesse diapasão a lei 14.133/21 menciona o termo "planejamento" em 12 oportunidades. Além disso a Carta Federal estabelece:
"Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado."
Admitir-se que a ata de registro de preços seja um instrumento sujeito a reequilíbrio e a reajuste significa transformar o planejamento como um sofisma constitucional e legal que devesse ser ignorado.
Não podemos perder de vista que o preço do registro de preços é presumidamente mais elevado, conforme já discorrido acima.
O reajuste e/ou o reequilíbrio institucionalizaria o "jeitinho licitatório" de inflar preços já presumidamente inflados em flagrante ofensa ao interesse público.
Já tivemos oportunidade de receber pedidos de reequilíbrio dias ou semanas após o registro de preços de licitante de duvidosa honestidade, seja pela ausência de indicação de imprevisibilidades seja pela tentativa de "extorsão" quanto à fantasiosa impossibilidade de cumprimento. Tanto o reequilíbrio quanto o reajuste são figuras de um contrato típico e não de um contrato meramente preliminar tal como o registro de preços.
Como nas acanhadas urbes a "ergofobia" domina vastos setores da apodrecida máquina pública, é comum que tais setores prefiram aceitar o despropositado reequilíbrio pela simples falta de vontade de penalizar o fornecedor e/ou realizar nova licitação.
Conclusão
O reajuste da ata de registro de preços é juridicamente inviável tanto quanto o reequilíbrio contratual em razão da natureza de contrato preliminar, pontual e com preços presumidamente mais elevados. Além disso, o referido contrato meramente preliminar surge em razão da impossibilidade e/ou dificuldade de planejamento e a inclusão do reajuste mudaria sua natureza e fulminaria de morte o princípio constitucional do planejamento. O silêncio da lei 14.133/01 é um silêncio eloquente não prevendo aquilo que, tecnicamente, não deve ser previsto.
1 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-abr-15/laercio-santos-perspectiva-manutencao-jurisprudencia/
2 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-abr-15/laercio-santos-perspectiva-manutencao-jurisprudencia/
3 "Comentários à lei de licitações e contratos administrativos", EDITORA RT, 2.021,pág.1.159.
4 Disponível em: https://zenite.blog.br/o-reajuste-e-a-revisao-dos-precos-registrados-em-ata-e-possivel-na-nova-lei/.