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Da necessidade de tramitação em segredo de justiça dos processos que envolvem idosos

Processos judiciais são geralmente públicos, mas devem tramitar em segredo de justiça se envolvem interesse público, questões de família, dados protegidos ou confidencialidade na arbitragem. O acesso é restrito às partes e seus procuradores.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Atualizado às 14:41

Em regra, todos os processos judiciais são públicos, permitindo o acesso por qualquer pessoa, seja ela parte do processo ou não.

Há, entretanto, alguns processos que obrigatoriamente devem tramitar em segredo de justiça, conforme determinação expressa do art. 189 do CPC:

"Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

  1. em que o exija o interesse público ou social;
  2. que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;
  3. em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;
  4. que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.

§ 1º O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores.

§ 2º O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação".

Ainda é preciso acrescentar que tramitam sobre segredo de Justiça os processos que envolvam crianças e adolescentes, conforme proteção legal disposta no Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA.

E para os idosos? Há essa proteção legal também?

Infelizmente ainda não há.

Os idosos gozam apenas de prioridade na tramitação, ou seja, é tarjado o processo como sendo de idoso, e deverá ter um andamento mais célere (na prática não funciona em razão do número de processos que as varas judiciais acumulam).

O Estatuto do Idoso traz no art. 71 somente a prioridade da tramitação:

"Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, em qualquer instância". 

Mas, diante dos casos diários que envolvem os golpes de quadrilhas especializadas em engana, há necessidade urgente de um projeto de lei federal para que seja feita essa modificação e todos os processos judiciais que envolvam idosos tramitem sobre segredo de justiça.

Com o acesso ao sistema dos processos mediante a consulta pública informada no início deste texto, que todos os processos são públicos, bandidos se aproveitam disso e acessam os processos na íntegra, obtendo dados pessoais de idosos que tenham ações judiciais, muitas vezes ações contra o Estado, Prefeituras, órgão públicos e que possuem diferenças salariais a receber, e usam essas informações para aplicarem golpes, envolvendo inclusive o nome dos advogados que atuam nesses processos.

Eles mandam um texto como sendo do escritório de advocacia que foi contratado e está atuando no caso, passam as informações do processo, confirmam os dados pessoais do idoso e no final pedem que seja feito um pagamento de uma taxa judicial para liberação do valor que a pessoa tenha para receber.

Enganado e confiando ser do escritório de advocacia, o idoso faz o pagamento e depois é surpreendido com a informação de que essa taxa nunca existiu.

Outro golpe é se valer dos documentos pessoais do idoso nos processos judiciais para realizar empréstimos bancários e abertura de conta corrente.

Os criminosos abrem contas digitais em instituições financeiras privadas e depois realizam empréstimo no nome do idoso e indicam que o crédito seja feito nessa conta digital fraudulenta.

O idoso só fica sabendo quando tem o desconto no recebimento da aposentadoria e/ou pensão.

Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos. Mulheres são a maioria das vítimas.1

Há alguns projetos de lei tramitando que reforçam a assinatura física em contratos de empréstimos, mas que coloquem sob sigilo os processos que envolvam idosos ainda não sem tem notícias.

Os golpistas possuem informações privilegiadas até mesmo de órgãos públicos federais.

Muitas vezes o idoso fica sabendo que deu certo a aposentadoria pelo próprio golpista, que já liga e oferece empréstimo consignado para eles.

Nem mesmo as sanções previstas na LGPD inibe a atuação dos criminosos.

Fica a sugestão aos parlamentares que elaborem projeto de lei nesse sentido, de conferir aos processos judiciais que envolvam idosos o chamado "segredo de justiça" como é feito com crianças e adolescentes, permitindo o acesso somente das partes e advogados legalmente constituídos. 

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1 Disponível em: Agência Brasil - Publicado em 15/6/24 - 10:00 Por Carolina Pessoa, repórter da Rádio Nacional - Rio de Janeiro.

Marina Elaine

VIP Marina Elaine

ADVOGADA PÓS GRADUADA. Foi Ouvidora Geral do Munícipio e Secretária de Saúde de Sorocaba/SP. Membro da Comissão Estadual de Direito Médico e Saúde da OAB/SP. Membro da Comissão Estadual de Privacidade

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