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Poder de polícia da Justiça Eleitoral e por que não podemos compará-la às demais esferas do Judiciário?

Podem os indivíduos decidir por não serem mais uma democracia? O grande aporia da democracia é que as pessoas podem renuncia-la. Mas não existe na história ninguém que queira renunciar ao seu poder para dividi-lo com os demais. Não existe democracia que não seja conquistada.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Atualizado às 11:56

Funções da Justiça Eleitoral: O poder de polícia

A Justiça Eleitoral tem, assim, ao lado das funções jurisdicionais, a grande tarefa de administrar as eleições que vai desde o cadastramento eleitoral com biometria (único no mundo), preparação e testagem das urnas eletrônicas, registro de partidos e candidaturas, repartição dos recursos do Fundo partidário e de campanha, a realização das eleições em si, e concomitante o controle judicial da atuação dos atores sociais que fazem parte da disputa. Temos o poder de polícia na justiça eleitoral. E o que é isso? É justamente a possibilidade de que os juízes possam praticar atos de ofício para garantir a lisura do  processo eleitoral. E foi isso que o ministro Alexandre de Moraes fez na condução da tulmutada eleição de 2022.

A jurisprudência do TSE é vastíssima sobre o tema e pacífica como podemos ver:

"[...] O poder de polícia eleitoral, previsto no art. 41, §§ 1º e 2º, da lei 9.504/97, está relacionado à propaganda eleitoral e compreende a prática de atos preventivos ou inibitórios de irregularidades. As medidas que busquem aplicar sanções ou se  distanciem da finalidade preventiva devem ter caráter jurisdicional e obedecer ao devido processo legal. Dessa maneira, o poder de polícia não possibilita a realização direta de medida de busca e apreensão domiciliar pelo magistrado fora das hipóteses constitucionais". (Ac. de 14.11.2019 no AI 47.738, rel. min. Edson Fachin, redator designado min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto.)

Como ainda prevê que:

"[...] 4. Compete ao juiz Eleitoral, no regular exercício do poder de polícia, decretar medidas que visem coibir a prática de propaganda ilícita, conforme previsto nos arts. 35, XVII, e 242, parágrafo único, do Código Eleitoral. Precedentes [...]" (Ac. de 7.11.18 no RO 3.558, rel. min. Jorge Mussi.)

 E ainda mais :

"[...] 1. A decisão proferida pelo juízo eleitoral que, no exercício do poder de polícia, verificou a utilização de veículo da prefeitura municipal para transporte de material de propaganda eleitoral e determinou, ao final do procedimento administrativo, o oferecimento de vista dos autos ao Ministério Público Eleitoral para providências cabíveis, possui índole administrativa e não caráter judicial, razão pela qual não desafia recursos de natureza jurisdicional. [...]" (Ac. de 6.2.14 no AgR-AI 27.660, rel. min. Laurita Vaz.)

Celeridade e seus desafios

No mais, o conjunto de procedimentos que são abertos na Justiça Eleitoral tem prazos curtíssimos, muitos de apenas 1 dia, de forma que é uma justiça célere, comprando-a aos demais tribunais. Desta forma, , a atuação dessa justiça é muito diferente das demais. Se refere mesmo à condução do processo com a necessidade de informar, educar o eleitor e atuar preventivamente em vários campos. Por isso, a edição de resoluções previamente a realização das eleições para se fazer cumprir os princípios que informam a democracia e o jogo democrático ocorre a cada novos pleitos e ainda situações novas não conhecidas fazem de cada eleição um conjunto de eventos jurídicos únicos.

A Internet é desafiante

Nos últimos anos, o desafio de regulamentar as eleições ganhou novos contornos pela presença avassaladora da Internet na vida política. Essa pressão demasiadamente nova ocorreu nas eleições de 2018 com o uso das redes sociais, disparos de massa e outras facilidades de comunicação que a tecnologia trouxe. E nós estávamos preparados para isso? Claro que não. A balança da justiça ficou desgovernada e pouco ou nada sabíamos sobre o impacto das mídias nas decisões individuais dos eleitores e uma eventual manipulação da massa em decorrência do seu uso.

Lembramos que parte considerável dos operadores do direito são ainda analógicos, ou seja, foram socializados no mundo pré digital. No entanto, nós operamos o sistema jurídico no mundo hoje cada vez rápido, ou seja mais digital, ou ciber. A cibercultura (LEVY, 1999) tem enorme impacto sobre a vida coletiva e nós ainda tateamos suas formas de funcionamento.

Trocar as peças com o veículo em movimento

Assim, cabe aos profissionais do direito trocar as peças da engrenagem num veículo em movimento. E o sistema direito precisa de tempo para processar suas informações e se organizar. Denominamos de fechamento operacional e abertura cognitiva esse processo (NEVES, 2006). Mas isso é bem difícil de se realizar na dinâmica da sociedade de informação cujo sistema dobra de tamanho a cada dois anos, conforme a Lei de Moore. As resoluções que são editadas respondem aos problemas vividos a partir de uma eleição já finda. Entretanto, a eleição que se realizará nos dois anos seguintes já é diversa e inundada por novas tecnologias.

A participação dos atores nas eleições de 2024

Ciente da incapacidade de lidar com tantas informações, o TSE abriu o debate para os interessados fazerem análises e sugestões. Quer com isso minimizar o enorme impacto no jogo democrático que a tecnologia já tem. Abriu espaço para a mediação social para validar as  regras do procedimento eleitoral. Para a lei 9.504/97 (lei das eleições) prevê sua competência:

Art. 57-J. O TSE regulamentará o disposto nos arts. 57-A a 57-I desta lei de acordo com o cenário e as ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral e promoverá, para os veículos, partidos e demais entidades interessadas, a formulação e a ampla divulgação de regras de boas práticas relativas a campanhas eleitorais na internet. (Incluído pela lei 13.488/17)

Como regular a Internet? Não sabemos. Estamos todos aprendendo a viver no modo dialógico, saindo da vida analógica na qual fomos educados.

Conclusão:

Não sei se diante da efervescência dos fatos e das ameaças contra a ordem democrática tenha agido errado o ministro Alexandre de Moraes.

Cabia-lhe como responsável jurídico e administrativo, com poder de polícia, agir e fiscalizar os atos antidemocráticos que estavam se delineando e que culminaram com os eventos de 8/1/23.

Como defender a democracia nessas circunstâncias? Não sei. Mas só podemos debater esse tema dos limites da democracia porque vivemos num sistema democrático. Caso contrário, não seria possível a publicação desse artigo.

Gosto de um provérbio iorubá: "Exu matou um pássaro ontem com a pedra que jogou hoje".

É mais ou menos o que estamos vivendo esses novos tempos: criando normas para legislar sobre o passado. Com certeza em 2026 teremos questões que hoje nem imaginamos, quiçá saber como enfrentar.

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LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

NEGRI, Antonio. O poder constituinte. Ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

SALIBI NETO, José; MAGALDI, Sandro Gestão do Amanhã: Tudo o que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança para vencer na 4a Revolução Industrial. São Paulo: Gente, 2018.

Rosa Maria Freitas

VIP Rosa Maria Freitas

Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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