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Vícios de representação e procuração prévia: A urgência da afetação do tema como recurso repetitivo para a Corte Especial

Este artigo analisa a divergência jurisprudencial interna no STJ, sobre a interpretação e aplicação do art. 662 do Código Civil e dispositivos do CPC/15, no que tange à regularização da representação processual e à ratificação de atos praticados sem procuração.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Atualizado em 20 de agosto de 2024 10:44

A questão jurídica em debate

Com alguma frequência ocorre irregularidade de representação processual nos recursos interpostos ao STJ. Ou seja, a parte recorrente deixa de juntar o instrumento de mandato no ato da interposição do recurso. Detectada a irregularidade de representação, abre-se prazo para a regularização da representação.

Questiona-se:

Ao regularizar a representação, o advogado deve apresentar uma procuração com data atual, ratificando os atos anteriores, ou é necessário que o instrumento de mandato tenha data anterior à interposição do recurso?

Dito de outra forma: a juntada superveniente de instrumento de mandato, para fins de regularidade da representação processual, com expressa menção a ratificação dos atos anteriores praticados, supre a irregularidade de representação?

A divergência na jurisprudência do STJ: Necessidade de afetação do Tema Repetitivo para a Corte Especial

Parte da jurisprudência do STJ é no sentido de que para suprir eventual vício de representação processual não basta a juntada de procuração ou substabelecimento; é necessário que a outorga de poderes tenha sido efetuada em data anterior à da interposição do recurso. Ou seja, a procuração trazida aos autos, para fins de regularização da representação, deve conter data anterior a interposição do recurso1.

Por outro lado, outra parte da jurisprudência do STJ entende que, com base no art. 662 do Código Civil, a representação processual pode ser considerada válida mesmo que o mandato tenha sido outorgado após a interposição do recurso, desde que os atos praticados anteriormente sejam devidamente ratificados2.

Desta forma, percebe-se uma clara divergência jurisprudencial no STJ sobre o tema, que se repete em milhares de processos, em todas as turmas e seções do STJ. Desta forma, este Tema Repetitivo deve ser afetado à Corte Especial para julgamento pela sistemática do Recurso Especial Repetitivo. Ou, no mínimo, esta matéria deve ser apreciada por meio de embargos de divergência.

O dever do STJ de unificar a sua jurisprudência

No âmbito do processo civil, impõe-se aos tribunais, e com muito maior razão ao STJ, a obrigação de padronizar suas decisões, garantindo que sejam estáveis, íntegras e consistentes. A harmonização das decisões judiciais em casos fático-processuais semelhantes é uma característica que garante a coerência e previsibilidade do sistema jurídico, essenciais para a segurança jurídica. Deve o STJ uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável.

Dito de outra forma, o STJ deve submeter esta temática ao julgamento repetitivo, perante a Corte Especial, promovendo um debate institucional e extirpando divergências de interpretação entre Turmas e Seções, em respeito ao ideal da certeza e da segurança jurídicas, para fins de pacificação do entendimento prevalecente. A divergência de entendimento dentro das Cortes Superiores, as quais tem a função de pacificar a jurisprudência, deve ser combatida. Cabe ao STJ, diante da constatação acima, eliminar a dispersão jurisprudencial interna do STJ.

A interpretação do art. 662 do CC

O art. 662 do Código Civil estabelece que atos praticados por pessoa sem mandato são ineficazes, salvo se ratificados, sendo que a ratificação, quando realizada, retroage à data do ato. No contexto dos recursos especiais, essa previsão legal deve ser levada em consideração, pois permite que a regularização processual sane vícios preexistentes, conferindo validade a atos que, em princípio, seriam ineficazes.

O CPC/15, arts. 76, 104, 932, parágrafo único e 1.029, § 3º, do CPC/15, que expressamente permitem a regularização de vícios como os de representação processual, reforça a possibilidade de regularização de vícios processuais, incluindo aqueles referentes à representação processual, em qualquer fase do processo, inclusive nos tribunais superiores.

Conclusão

A correta aplicação do art. 662 do Código Civil, em conjunto com os dispositivos do CPC/15, é essencial para a preservação dos direitos processuais das partes e para a efetividade da justiça. A omissão em declarar e reconhecer os efeitos retroativos da ratificação de atos processuais compromete a segurança jurídica e a uniformidade das decisões judiciais.

Portanto, é imperativo que os tribunais superiores adotem uma interpretação que assegure a aplicação plena dos dispositivos legais, reconhecendo a validade e os efeitos sanatórios das regularizações processuais tempestivamente realizadas, ainda que seja por meio de apresentação de instrumento de mandato com data posterior a interposição do recurso. Tal posicionamento alinha-se ao princípio da instrumentalidade das formas e ao dever de proteção dos direitos fundamentais no processo civil.

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1 Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 2.451.346/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024; AgInt no AREsp n. 2.444.891/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 26/2/2024,DJe de 28/2/2024; AgInt no AREsp n. 2.426.293/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 28/2/2024; AgRg no AREsp n. 2.455.628/SP, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024; AgRg no AREsp n. 2.124.434/GO, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 24/3/2023; AgRg no REsp n. 2.073.540/AL, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 8/9/2023; AgInt no AREsp n. 1.934.163/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26/10/2021, DJe de 4/11/2021; AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.778.050/ES, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/9/2021, DJe de 22/9/2021; AgRg no AREsp n. 1.825.314/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 6/8/2021; AgRg no AREsp n. 1.751.925/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/3/2021, DJe de 11/3/2021; e, EDcl no AgRg no AREsp n. 150.976/GO, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 16/2/2017, DJe de 8/3/2017.

2 Veja os julgados: EDcl nos EDcl no AgInt no REsp n. 1.548.061/MG, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 19/10/2023; AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.530.549/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 29/5/2023, DJe de 1/6/2023; AgInt no REsp n. 1.783.171/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/6/2021, Dje de 1/7/2021; e AgInt no REsp n. 1.099.663/MG, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/9/2016, DJe de 4/10/2016.

Guilherme Veiga Chaves

Guilherme Veiga Chaves

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa/UNIPI, Itália. Advogado sócio do escritório Gamborgi, Bruno e Camisão Associados Advocacia.

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