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Os acordos de não competição no mercado de trabalho globalizado

A globalização exige proteção dos segredos comerciais e propriedade intelectual, mesmo após o término do contrato de trabalho. A cláusula de não concorrência é cada vez mais usada para evitar que ex-funcionários compartilhem informações sensíveis com concorrentes.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Atualizado em 16 de agosto de 2024 09:34

A globalização dos mercados de trabalho exige soluções cada vez mais criativas para a proteção dos segredos de negócios e da propriedade intelectual das empresas. Isso exige a implementação de medidas não apenas durante o curso da relação de emprego, mas, principalmente, após o encerramento do contrato de trabalho com empregados que tinham acesso a informações comercialmente sensíveis.

Não é raro que empregados que ocupavam posições relevantes numa determinada organização assumam cargos iguais ou semelhantes em concorrentes, gerando um possível compartilhamento de informações corporativas estratégicas. A alternativa que vem sendo cada vez mais adotada no Brasil - e no mundo - é a celebração de acordos com cláusula de não concorrência. Esse tipo de obrigação restritiva pode ser estipulada em cláusula específica inserida no contrato de trabalho, ou em instrumento separado.

As restrições impostas por acordos de não concorrência visam impedir que o trabalhador se vincule, durante um tempo determinado e dentre certos limites funcionais e/ou geográficos, às empresas que possuam atividade econômica igual ou similar da sua antiga empregadora, e que, por isso, possam representar um risco à violação de segredos do negócio. Apesar de ser objeto de inúmeras discussões no âmbito trabalhista, como não há previsão legal específica sobre esse tema, é necessário se valer da doutrina e jurisprudência em vigor.

Pelos precedentes da Justiça do Trabalho, para que uma cláusula de não competição seja exequível no caso de eventual questionamento judicial, devem estar presentes certos requisitos específicos, como o legítimo interesse do empregador em proteger seu negócio contra a concorrência desleal; a delimitação clara de onde, em qual tipo de atividade e por qual período o empregado está impedido de trabalhar com um concorrente; e a compensação adequada pela restrição imposta, garantindo que o trabalhador não seja prejudicado financeiramente.

Desde que respeitados os requisitos citados acima, o entendimento jurisprudencial majoritário tem sido pela validade da cláusula de não competição no contrato de trabalho, observando-se, como regra geral, os princípios e normas gerais de direito, os usos e costumes e o direito comparado (conforme ditam os termos dos arts. 8º e 444 da CLT).

Com o aumento de acordos buscando limitar a possibilidade de divulgação de informações empresariais sigilosas a novos empregadores, o volume de disputas sobre o tema também cresce. As decisões e os dados disponibilizados pela Justiça do Trabalho apontam que há, atualmente, cerca de 880 processos trabalhistas versando sobre acordos de não competição, concentrados majoritariamente na região sudeste, com aproximadamente 245 processos.   

No mérito, na maior parte dos casos, a disputa trata justamente da validade dos termos acordados para o acordo de não concorrência. Em resposta, havendo limites razoáveis e tendo sido o trabalhador financeiramente compensado pelas restrições acordadas, a tendência das decisões tem sido pela validade do acerto contratual.

E não é apenas no Brasil que esse tema tem gerado grande repercussão. Nos Estados Unidos, recentemente, a Comissão Federal de Comércio - conhecida como FTC - Federal Trade Commission - igualou as cláusulas de não competição a um método de concorrência injusto. Com isso, proibiu sua utilização no país, exceto para executivos seniores, com cargo de presidência ou diretoria em sociedade empresária, com salário maior de US$ 151.164, e que já possuam cláusula de não competição em seus contratos de trabalho.

O entendimento do FTC foi de que a restrição concorrencial é prejudicial aos trabalhadores, impondo dificuldades para que eles mudem de emprego ou iniciem um novo negócio, impactando negativamente na economia norte-americana. Segundo a presidente do FTC, sra. Lina M. Khan, com a proibição da cláusula de não competição, devem surgir, em média, 8.500 novas empresas por ano, os salários verão aumentar, os custos diminuir e haverá um grande "boost" de inovações nos Estados Unidos.

Considerando o quão conectados os mercados internacionais são atualmente, essa mudança de posição pelo FTC deve gerar impactos significativos às práticas corporativas não apenas nos Estados Unidos. Além de trazer à tona a discussão sobre os impactos negativos das cláusulas de não concorrência, empresas multinacionais podem decidir estender as novas práticas de não concorrência, mais restritivas, para outros locais, na busca de uma maior consistência na gestão global.

Seja pelo aumento de disputas sobre o tema no Brasil ou pelas novas tendências internacionais, as cláusulas de não competição devem continuar fomentando debates no mercado de trabalho. Até que a questão seja pacificada por regulamentação local, a melhor recomendação para mitigar riscos comerciais ainda é acordar, de forma específica e razoável, os limites a serem considerados após o término da relação de emprego entre as partes. Desde que os parâmetros utilizados observem o disposto na jurisprudência trabalhista, o prognóstico no curto prazo é positivo.

Leticia Ribeiro Crissiuma de Figueiredo

Leticia Ribeiro Crissiuma de Figueiredo

Sócia da área trabalhista de Trench Rossi Watanabe.

Leonardo Kaufman

Leonardo Kaufman

Associado da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe.

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