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Entendendo a substituição tributária e seus efeitos no varejo

A ST no varejo pode trazer uma aparente simplificação nas operações comerciais, mas isso esconde efeitos colaterais. Leia aqui os fundamentos da ST e os efeitos colaterais para o varejo.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Atualizado às 09:11

A tributação no Brasil é notoriamente complexa, especialmente para o setor varejista, que precisa lidar com uma vasta gama de produtos e obrigações fiscais. Entre os diversos regimes tributários existentes, a substituição tributária se destaca por impactar diretamente o fluxo de caixa e a precificação de produtos no varejo. Compreender esse mecanismo é essencial para que supermercados e seus colaboradores consigam otimizar a gestão tributária e reduzir custos desnecessários.

Ao longo de meus 20 anos de carreira como advogado, especialista em Tributação para Varejo, tendo atendido mais de 10.000 lojas de supermercados, constatei que muitos donos e profissionais da área ainda encontram dificuldades em entender os detalhes e o funcionamento da substituição tributária. Esse regime tributário, embora implementado para simplificar a arrecadação e evitar a sonegação fiscal, continua sendo um desafio para muitos.

Neste artigo, vamos descomplicar a substituição tributária, explicando como ela afeta o varejo de supermercados e fornecendo exemplos práticos para ajudar a entender melhor esse importante tema.

O que é substituição tributária?

A substituição tributária foi criada como uma estratégia para facilitar a fiscalização e controle da arrecadação de impostos, além de inibir a sonegação fiscal. Considere o seguinte: o que é mais fácil para o Fisco fiscalizar? Uma única indústria de refrigerantes ou todos os bares, restaurantes e lojas que vendem esses refrigerantes? De maneira semelhante, é mais simples monitorar uma fábrica de pneus do que todas as borracharias e lojas que vendem pneus espalhadas por inúmeras cidades.

Ao concentrar a tributação em uma única etapa da cadeia, a Administração Tributária dos Estados pode garantir uma arrecadação mais eficiente e reduzir a evasão fiscal. A substituição tributária, portanto, atribui a responsabilidade de recolher o imposto a um contribuinte específico na cadeia de produção ou distribuição, geralmente o fabricante ou importador.

Método normal de apuração de débito e crédito

No método normal de apuração de ICMS, cada etapa da cadeia de produção e comercialização é responsável por calcular o imposto devido sobre suas operações. Esse método funciona com base em débitos e créditos:

  • Débitos: São os impostos a serem pagos sobre as vendas realizadas. Cada vendedor calcula o ICMS a partir do valor das suas vendas.
  • Créditos: São os impostos que já foram pagos nas etapas anteriores da cadeia e podem ser deduzidos dos débitos. Cada comprador abate o ICMS pago na compra dos seus produtos.

Por exemplo, uma loja que compra produtos de um distribuidor paga ICMS sobre sua venda, mas pode descontar o ICMS já pago pelo distribuidor.

Exemplo prático com débito e crédito:

Imagine um produto de higiene, sobre o qual incide uma alíquota de 20% de ICMS, e uma Indústria decide vender esse produto por 10,00. Vai ter um débito de 2,00 de ICMS. O Distribuidor, compra por 10,00, toma os 2,00 de crédito de ICMS, e decide vender a mercadoria por 13,00. Haverá a incidência de 2,60 de débito de ICMS, que, descontado do crédito de 2,00, resultará num valor a pagar de 0,60 de ICMS. Por fim, o Supermercado compra do distribuidor por 13,00 e vende o mesmo produto por 18,00. Vai apurar 3,60 de débito de ICMS, e deduzir 2,60 de crédito de ICMS sobre a compra, resultando num pagamento de 1,00 de ICMS sobre a sua operação. Note, que nesse exemplo simplificado o Fisco recebeu 2,00+0,60+1,00=3,60 ao longo de toda a cadeia produtiva, sendo que cada empresa recolheu o ICMS proporcional ao seu acréscimo no valor de venda.

O que muda com a substituição tributária?

Com a substituição tributária, o pagamento do ICMS é antecipado por um único contribuinte, geralmente o fabricante ou importador, antes que os produtos cheguem ao consumidor final. Isso elimina a necessidade de cada elo da cadeia de calcular e pagar o imposto sobre suas vendas, pois o imposto já está embutido no preço do produto. Em tese, não há aumento nem diminuição da carga tributária, apenas um deslocamento do recolhimento para uma única etapa da cadeia, via de regra, a indústria ou importador, que é quem dá início à cadeia produtiva no Estado.

Exemplo prático com substituição tributária:

Imagine aquele mesmo produto de higiene, tributado a 20%, agora tributado por Substituição Tributária. A indústria vende pelos mesmos R$ 10,00 mas agora o Estado a obriga a, além de pagar o seu próprio ICMS normalmente (R$ 2,00), ainda tem que cobrar do seu cliente o ICMS sobre todo o restante da cadeia produtiva! Se o Fisco receberia R$ 3,60 no total, descontando o ICMS já pago pela Indústria (R$ 2,00) ainda restaria R$ 1,60 de tributo a ser retido pela Indústria pelo restante da cadeia produtiva.

Apenas para se entender o cálculo: 

  • Indústria:
    • Preço de Venda: R$ 10,00
    • ICMS Próprio (20%): R$ 2,00
    • ICMS ST a ser retido (sobre o preço final de R$ 18,00): R$ 3,60
    • ICMS ST Retido: ICMS ST Total - ICMS Próprio = R$3,60-R$2,00 = R$1,60
    • Valor cobrado do Distribuidor (Preço de Venda + ICMS ST Retido): R$ 10,00 + R$ 1,60 = R$ 11,60

Agora, o distribuidor pode comprar, não toma crédito, e vende, e não apura débito, e não recolhe mais nada de ICMS! Como isso simplifica a vida do Distribuidor, não? E o Supermercado, então? Compra do Distribuidor, vende para o Consumidor Final e não precisa pagar nada de ICMS! É uma maravilha, ou não é?

Ao longo da minha jornada profissional já ouvi inúmeras vezes o quanto os lojistas achavam ótimo quando um produto era Substituição Tributária porque isso simplificava tudo! Como era mais fácil assim!

Cuidado!!! Na verdade, por baixo dessa aparente simplificação há efeitos colaterais que podem ser bastante nocivos para a lucratividade da operação do varejo!

Como o Fisco cobra tributo sobre um valor que não conhece ainda?

As coisas começam a ficar complicadas quando, pela metodologia da Substituição Tributária, o Fisco precisa "adivinhar" o preço que o consumidor vai pagar pelo produto ao final da cadeia produtiva! Imagine que os preços são voláteis e hoje o produto é vendido a um preço, amanhã, entra em promoção, depois, pode voltar a outro patamar, e assim por diante. E isso acontece com a sua loja, com seu concorrente, com todo o mercado alterando diariamente e dinamicamente os preços de produtos semelhantes ou idênticos. E isso nos leva à pergunta: como o Fisco faz, então, para estimar o preço de venda ao consumidor?

Preço Médio Ponderado a Consumidor Final

PMPF - Preço Médio Ponderado a Consumidor Final é uma das metodologias mais comuns. O PMPF é definido com base em pesquisas de mercado realizadas pelo próprio Fisco ou por entidades autorizadas. Essas pesquisas coletam preços praticados por diversos estabelecimentos varejistas em diferentes regiões, ponderando-os conforme a representatividade do mercado.

Preço sugerido pelo fabricante

Em alguns casos, o Fisco pode utilizar o preço de venda sugerido pelo fabricante como base de cálculo. Isso geralmente ocorre em setores onde o fabricante estabelece um preço final de venda ao consumidor que é amplamente seguido pelo mercado.

 A partir dessas métricas, o Fisco estabelece uma Margem de Valor Agregado ao produto, ou estabelece uma pauta ou preço final sobre o qual vai incidir a tributação até o final da cadeia produtiva.

Margem de Valor Agregado

MVA - Margem de Valor Agregado é um percentual aplicado sobre o preço de venda da indústria ou do distribuidor para chegar ao preço estimado de venda ao consumidor final. Por exemplo, se a MVA para um determinado produto for de 50%, e o preço de venda da indústria for R$ 10,00, o Fisco estima que o preço final ao consumidor será de R$ 15,00 (R$ 10,00 + 50%). A base de cálculo do ICMS para a substituição tributária será, então, R$ 15,00.

Pauta fiscal ou preço de referência

A Pauta Fiscal é uma lista de preços estimados de venda ao consumidor final estabelecidos pelo Fisco para determinados produtos. Esses preços são utilizados como base de cálculo quando o Fisco quer evitar subfaturamento ou manipulação de preços para fins de redução de impostos. Não significa que a loja seja obrigada a vender por aquele preço da Pauta ou pelo Preço de Referência. Significa apenas que o Fisco usará aquele preço para aplicar a base de cálculo do ICMS sobre toda a cadeia produtiva. Essa Pauta ou os Preços de Referência são publicados periodicamente pelo Fisco especificando produto a produto, e o respectivo preço estimado de venda ao consumidor. Mesmo que o produto seja vendido a um preço inferior ao da pauta, o cálculo do ICMS será feito com base no preço da pauta, garantindo uma arrecadação mínima para o Estado.

Importância da estimativa correta

Note que é aqui que as coisas começam a se complicar. A precisão na estimativa do preço de venda ao consumidor é crucial para evitar distorções na arrecadação do ICMS. Se o preço estimado for muito alto, o varejista acaba pagando mais imposto do que deveria, o que pode prejudicar sua competitividade. Por outro lado, se o preço estimado for muito baixo, o Fisco pode não arrecadar o valor esperado, o que contraria os objetivos da substituição tributária e faria com que o contribuinte pagasse um imposto abaixo do que seria proporcional a quanto ele agregou de valor na operação.

Como a substituição tributária afeta o varejo?

Quando falamos sobre substituição tributária, a primeira coisa que vem à mente é: será que isso realmente simplifica a vida do varejista? Afinal, se o imposto já está recolhido na indústria, o supermercado não precisa mais se preocupar com o ICMS, certo? Parece perfeito, mas será que é mesmo?

Efeito no fluxo de caixa

Vamos começar com o que pode ser o maior impacto para o varejo: o fluxo de caixa. Imagine que você é dono de um supermercado e precisa comprar um lote de produtos tributados normalmente. Primeiro, você compra a mercadoria, coloca em estoque, precifica, e agora vende. Depois que vendeu, apura a diferença entre os débitos de ICMS sobre a sua venda, e os créditos de ICMS sobre a sua compra, e paga apenas a diferença entre esses valores. Agora, imagine que esse mesmo lote de produtos está sujeito à substituição tributária. O que acontece? Você paga o ICMS embutido no preço do produto, mas esse dinheiro sai do seu caixa antes de você sequer vender o produto. Já pensou nisso? Isso significa que o capital de giro da sua empresa precisa ser robusto o suficiente para absorver esse impacto, especialmente se o produto demorar a ser vendido ou se houver necessidade de reduções de preço para competir no mercado.

E se o produto entrar em promoção ou se houver uma queda inesperada no preço? O imposto já foi pago, mas a receita que você vai obter será menor do que o previsto. E aí, como você lida com essa situação? Esse é um desafio que muitos varejistas não preveem até que aconteça. 

Se, de um lado, o dono do supermercado vê a operação como muito mais simples, por não precisar calcular o ICMS devido depois da venda, a tal simplificação acaba tendo como efeito colateral o ônus para o fluxo de caixa da empresa, que já pagou o ICMS no momento da compra da mercadoria.

Do ponto de vista econômico, imagine-se lendo um DRE - Demonstrativo do Resultado do Exercício de uma loja que compre exclusivamente produtos tributados normalmente. Você veria um Custo da Mercadoria Vendida menor, e uma Dedução da Receita pelos Tributos sobre Venda maior do que em uma loja que compre exclusivamente produtos sujeitos à Substituição Tributária. Nesse cenário, você veria uma Dedução da Receita pelos Tributos sobre venda zerada (se considerássemos exclusivamente o ICMS) e um Custo da Mercadoria Vendida maior, porque o valor da aquisição da mercadoria seria maior!

Fabricio Tonegutti

VIP Fabricio Tonegutti

Advogado palestrante, autor, sócio fundador da Mix Fiscal Inteligência Tributária, especialista em Tributação para Varejo, tendo atendido mais de 10.000 lojas nos últimos 20 anos.

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