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Juros abusivos e a possibilidade de revisão judicial do contrato de empréstimo ou financiamento

Os juros de um contrato de empréstimo ou financiamento podem ser considerados abusivos quando excederem pelo menos uma vez e meia a taxa média praticada pelo mercado para o tipo de crédito que foi concedido ao consumidor, tomando-se como parâmetro a data em que o contrato foi assinado ou em que o crédito foi liberado.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Atualizado às 10:10

Segundo dados1 do BACEN - Banco Central do Brasil, o volume total de operações de crédito no âmbito do Sistema Financeiro Nacional alcançou o patamar de R$ 6 trilhões em junho de 2024, o que corresponde a 54,1% do PIB brasileiro, sendo que R$ 2,3 trilhões destas operações de crédito são destinadas às empresas e R$ 3,7 trilhões às famílias em geral.

O volume de crédito impressiona. Mas não é só. Ainda de acordo com o BACEN, no crédito livre concedido às famílias (considerando-se todas as modalidades disponíveis), a taxa média de juros atingiu estonteantes 51,7% a.a., o que representa quase cinco vezes a taxa básica de juros brasileira (SELIC2), atualmente em 10,5% a.a.

Neste contexto, é muito frequente que surjam dúvidas acerca das taxas de juros praticadas nestes empréstimos e financiamentos, especialmente quanto a uma possível abusividade.

No Brasil, o STJ fixou entendimento3 de que os juros de um contrato de empréstimo ou financiamento podem ser considerados abusivos quando excederem pelo menos uma vez e meia a taxa média praticada pelo mercado na data em que o contrato foi assinado ou em que o crédito foi concedido, levando-se em consideração o tipo de crédito contratado (p. ex., financiamento imobiliário, aquisição de veículos, crédito pessoal consignado, cartão de crédito rotativo, etc.).

Quando mencionamos que o tipo de crédito contratado deve ser levado em consideração, queremos dizer que, p. ex., os juros de um contrato de financiamento imobiliário devem ser comparados exclusivamente com a taxa média praticada pelo mercado nos contratos de financiamento imobiliário, isto é, não podemos comparar os juros do financiamento imobiliário com a taxa média para financiamento automotivo, crédito pessoal consignado e assim por diante, sob pena de desnaturar a análise da abusividade.

Neste cenário, segundo o STJ, admite-se a revisão das taxas de juros fixadas no contrato desde que no caso concreto fiquem demonstradas, cumulativamente: (i) a relação de consumo entre as partes; e (ii) que a abusividade da taxa de juros coloque o consumidor em situação de desvantagem exagerada, nos termos do art. 51, § 1º, do CDC4.

É sabido que as taxas de juros de empréstimos e financiamentos variam de acordo com a finalidade da operação (aquisição de imóveis, veículos, crédito pessoal, etc.), garantias eventualmente oferecidas, perfil de risco do tomador e condições macroeconômicas.

O BACEN, desde outubro/99, passou a divulgar5 as taxas médias praticadas pelas instituições financeiras nas operações de crédito, ponderadas segundo o volume de crédito concedido. Por conseguinte, a taxa média calculada pelo BACEN representa as forças do mercado em determinado recorte temporal.

Naturalmente, por se tratar de uma taxa média, não é obrigatório que todas as instituições financeiras concedam crédito tendo tal taxa como referência limite, pois, se assim fosse, a taxa média deixaria de ser uma média das condições praticadas pelo mercado em determinado período e passaria a ser um valor fixo, obrigatório para todas as operações de crédito, o que certamente causaria distorções na economia.

Dessarte, conforme adiantado acima, o STJ fixou o entendimento de que os juros podem ser considerados abusivos quando forem ao menos uma vez e meia superiores à taxa média praticada pelo mercado. Não obstante, o próprio STJ também tem decisões que utilizaram como parâmetro para caracterização da abusividade o fato de os juros contratuais serem superiores ao dobro6, ou até mesmo ao triplo7 da taxa média praticada pelo mercado. O conceito de abusividade, portanto, não é estanque e pode variar de acordo com as peculiaridades de cada caso e do entendimento do órgão julgador.

Sopese-se que as regras consolidadas pelo STJ valem apenas para a taxa de juros remuneratórios pactuada no contrato e não contemplam a taxa conhecida como CET - Custo Efetivo Total. É importante não as confundir, vez que o CET, além dos juros remuneratórios, engloba tributos, encargos e seguros incidentes sobre a operação.

Nos casos em que o Poder Judiciário reconhece a abusividade dos juros pactuados, ocorre a revisão da cláusula contratual que os fixou, com redução da taxa contratual para a taxa média praticada pelo mercado naquela modalidade específica de crédito, na data em que o contrato foi assinado (ou em que o crédito foi concedido). Vale ressaltar que existem decisões judicias8 que, apesar de constatarem a abusividade dos juros, reduzem a taxa contratual para uma vez e meia a taxa média praticada pelo mercado, em vez de a reduzirem para a taxa média.

Ademais, registre-se que para contratos nos quais não há taxa de juros expressamente pactuada, é possível requerer judicialmente a redução dos juros efetivamente cobrados pelo banco para a taxa média praticada pelo mercado no momento da assinatura do contrato ou da concessão do crédito, levando-se em conta o tipo do crédito em questão.9

Tendo em mente os critérios explanados acima, é possível pleitear a revisão do contrato bancário em juízo, visando a redução da taxa de juros, mas, anteriormente, é preciso realizar uma análise minuciosa da avença para verificar as reais chances de êxito do processo, especialmente quando se leva em consideração a existência de custas judiciais e a potencial sucumbência10 em caso de derrota, para aqueles que não forem beneficiários da justiça gratuita11.

Em conclusão, recomenda-se que o interessado em rever os juros pactuados no contrato procure um advogado especialista em direito do consumidor para promover a análise da viabilidade da ação revisional, bem como os custos e riscos envolvidos.

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1 BACEN: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasmonetariascredito. Acesso em 14.08.2024.

2 BACEN: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/taxaselic. Acesso em 14.08.2024.

3 STJ. REsp 1.061.530/RS, Segunda Seção, Min. Rel. Nancy Andrighi, DJe de 10.03.2009.

4 CDC, Art. 51, § 1º: "Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso."

5 BACEN: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuroshistorico. Acesso em 14.08.2024.

6 STJ. REsp 1.036.818/RS, Terceira Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, DJe de 20.06.2008.

7 STJ. REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Rel. Pádua Ribeiro, DJe de 24.09.2007.

8 TJSP. Apelação Cível 1011790-10.2023.8.26.0405, Des. Rel. Marco Fábio Morsello, DJe 07.05.2024.

9 Tese fixada pelo STJ no julgamento dos Temas Repetitivos 233 e 234: "Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente. Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados".

10 Honorários advocatícios devidos pela parte perdedora ao advogado da parte ganhadora, geralmente fixados entre 10% a 20% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

11 Benefício previsto no inciso LXXIV, do art. 5º da Constituição Federal de 1988, regulamentado pelos arts. 98 a 102 da Lei nº 13.105/2015 c/c art. 1º da Lei nº 7.115/83.

Heitor José Fidelis Almeida de Souza

VIP Heitor José Fidelis Almeida de Souza

Advogado especialista em Fraudes Bancárias, sócio proprietário do Fidelis Sociedade Individual de Advocacia, bacharel em Direito pela USP e pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV-SP.

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