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Considerações sobre a previdência complementar no setor público

Desde o final da década de 1990, busca-se equiparar as aposentadorias do RGPS e RPPS no Brasil, criando previdência complementar para servidores. Atualmente, o teto do RGPS é R$7.786,02 e o teto do serviço público é R$46.366,19 a partir de 2025. Em 2019, o déficit previdenciário do RGPS era R$213 bilhões e dos RPPS.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Atualizado às 12:34

1. Introdução

A busca pela igualdade das aposentadorias dos trabalhadores do RGPS - Regime Geral de Previdência Social, em relação às aposentadorias dos servidores públicos, nas três esferas de governo no Brasil, custeadas pelos RPPS - Regimes Próprios de Previdência Social, teve início ao final da década de 1990. A justiça social entre os trabalhadores do setor público e do setor privado, associada a melhor forma de gestão da previdência social no Brasil, tem motivado a criação de formas alternativas de acumulação de renda para ser utilizada e gasta nas aposentadorias. 

A partir do exercício financeiro de 1998, diversos dispositivos legais foram elaborados, buscando criar para o serviço público uma previdência complementar e, dessa forma, aplicar ao trabalhador do setor governamental o teto do RGPS, pago aos trabalhadores do setor privado, por ocasião da aposentadoria.

Na atualidade, o teto do Regime Geral de Previdência Social é de R$7.786,02, enquanto o teto remuneratório no serviço público nacional corresponde ao subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal, no montante de R$ 44.008,52, valor que passará, a partir de 1º de fevereiro de 2025, para R$ 46.366,19.

Ao final de 2019 o déficit previdenciário no RGPS representava cerca de R$ 213 bilhões para o custeio de aproximadamente 31 milhões de aposentadorias. Já o déficit nos RPPS alcançava a cifra de R$ 100 bilhões, para o custeio de pouco mais de 4 milhões de aposentados no serviço público.

Verificava-se, portanto, um grande desequilíbrio em relação ao custeio e ao déficit de cada regime de previdência: no Regime Geral o déficit per capita era de aproximadamente R$ 6,8 mil, enquanto no serviço público, o déficit previdenciário per capita atingia R$ 22,2 mil ao final do exercício financeiro de 2019. As disparidades em relação ao custo per capita das aposentadorias na previdência geral em relação à previdência no setor público continuam a ser observadas em 2024, mesmo após a Reforma da Previdência de 2019. Já a busca pela redução do crescimento do déficit passa pela institucionalização e fortalecimento da previdência complementar no setor público, em especial nos Estados e municípios.

2. Histórico

O processo de instituição da previdência complementar começa no Brasil com a Emenda Constitucional 20, de 15/12/98, que acrescentou os seguintes dispositivos ao Texto Constitucional:

Art. 40, § 14. A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

A EC 20/98 trouxe a previsão da elaboração de uma lei complementar para regular o novo regime previdenciário, o que começou a ocorrer em 2001, quando foram publicadas as leis complementares 108 e 109.

Já a EC 41/03 estipula que o regime de previdência complementar do § 14 do, art. 40 da Constituição Federal passará a ser instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o art. 202 da lei maior (de caráter facultativo ao servidor).

Em 30/4/12, foi aprovada em nível federal a lei 12.618/12 que criou o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, fixando o limite máximo para aposentadorias e pensões pelo regime de previdência social e autorizando a criação de 3 entidades fechadas de previdência complementar, para cada Poder: a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), para os servidores do Poder Executivo; a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg), para os servidores do Poder Legislativo e servidores e membros do TCU; e a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud), para servidores e membros do Poder Judiciário. Atualmente existem apenas o Funpresp-Exe (que incorporou o Poder Legislativo) e o Funpresp-Jud.

Em novembro/19, a partir de uma longa discussão técnica e política, visando a Reforma da Previdência em nível nacional, foi sancionada a EC 103, tornando obrigatória a previdência complementar no setor público nacional para aqueles Entes que possuam Regime Próprio de Previdência. Essa exigência alcançava todos os Estados da Federação e cerca de 2000 municípios1 que até novembro de 2021 deveriam instituir a previdência complementar em nível local, prazo que foi prorrogado pela MP 1.119, de 2/5/22

3. Características gerais

Criadas na forma de fundação pública de direito privado, as entidades de previdência complementar deverão contar com quadro técnico especializado, em especial àqueles profissionais que irão realizar os investimentos dos recursos aportados nos planos de benefícios.

Além disso, é necessária a instituição de Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal. A entidade necessitará também de sistemas de informática, controle interno, departamento jurídico, atuarial, contábil e administrativo. Tudo isso para garantir a autonomia funcional da fundação de previdência complementar.

Com relação a autonomia financeira, exigência prevista na lei de criação de cada fundação, o Poder Executivo, depois de aprovada a norma que cria a previdência complementar junto à Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, deverá realizar um aporte financeiro inicial na entidade (Dotação Inicial), atendendo o disposto na Resolução CGPC 29, de 31/8/09.

Nesse sentido, a EC 103/19 passou a permitir que as entidades abertas de previdência possam realizar a gestão da previdência complementar no setor público, o que não era possível antes da Reforma da Previdência. Até o final do exercício financeiro de 2019, todas as entidades de previdência complementar existentes no setor público brasileiro eram entidades fechadas.

Cumpre ressaltar que a participação das entidades abertas na gestão da previdência complementar estadual e municipal ainda carece de regulamentação, na forma do art. 33 da EC 103/19, que estabelece in verbis:   

Art. 33. Até que seja disciplinada a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios e entidades abertas de previdência complementar na forma do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 202 da Constituição Federal, somente entidades fechadas de previdência complementar estão autorizadas a administrar planos de benefícios patrocinados pela União, Estados, Distrito Federal ou municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente.    

Essa necessidade de regulamentação, exigida pela nova redação da Constituição Federal, está relacionada às características dos entes públicos no Brasil. Em primeiro lugar deve-se observar a forma de governança que as entidades abertas deverão oferecer aos Estados e municípios, na medida que assumirem a gestão de recursos públicos, a partir de procedimento licitatório regular.

Resta ainda considerar que nas entidades fechadas os servidores participam da gestão da fundação de previdência, por meio de representantes no Conselho Deliberativo e no Conselho Fiscal, o que não deverá ocorrer na entidade aberta.

Sabemos que uma parte dos valores destinados à previdência complementar refere-se à contribuição patronal que o Poder ou Órgão deverá destinar ao plano de benefícios dos servidores. No modelo atual, onde a gestão é feita por entidades fechadas, sob a fiscalização e controle dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, a responsabilização dos dirigentes, conselheiros e gestores possui amparo em normativos e regras estabelecidas em nível local.

A PREVIC realiza uma fiscalização permanente da gestão das fundações de previdência complementar criadas em nível estadual e municipal. As fundações de previdência complementar deverão encaminhar à PREVIC seus balancetes, o balanço anual, solicitar o credenciamento e habilitação de diretores e atender os normativos da Superintendência Federal. Os planos de benefícios, os convênios de adesão, os estatutos das entidades fechadas deverão ser aprovados pela PREVIC.

Além disso, os Tribunais de Contas também realizam a fiscalização das atividades das fundações de previdência complementar em nível local, juntamente dos órgãos de controle interno do ente público.  

Já a SUSEP realiza o controle e a fiscalização dos mercados de seguro e previdência complementar aberta; fiscaliza a constituição, organização, funcionamento e operação das Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades de Previdência Privada Aberta e Resseguradores. Os planos de previdência das entidades abertas somente poderão ser comercializados após prévia aprovação pela SUSEP dos respectivos regulamentos e notas técnicas atuariais.  

Mantendo-se o modelo atual de gestão previdenciária, por meio de entidades fechadas para aqueles entes que já instituíram a previdência complementar e por entidades abertas, conforme autorizado pela Constituição Federal, teríamos um "híbrido" de fundações de previdência no Brasil: uma parte fiscalizada pela PREVIC e outra pela SUSEP.

4. Estados e municípios   

Recentemente, a PREVIC editou a Resolução 23/23, estabelecendo procedimentos para aplicação das normas relativas às atividades desenvolvidas por aquela Superintendência, bem como normas complementares às diretrizes do Conselho Nacional de Previdência Complementar e do Conselho Monetário Nacional.

A criação da previdência complementar estadual e municipal permitirá ao ente público utilizar como referência para pagamento de aposentadorias dos servidores públicos o teto do RGPS. Para equiparar seus ganhos na aposentadoria aos valores recebidos durante a atividade (sendo esses superiores ao teto do Regime Geral), os servidores poderão aderir ao novo regime, estabelecendo, de forma individualizada, seu plano de benefícios futuros.

Nesse caso, o servidor público que aderir ao novo regime de previdência terá dois valores que somarão o total dos proventos na aposentadoria: o valor do teto do RGPS, na forma de benefício definido, e o montante depositado em conta individual para a aposentadoria complementar (contribuição definida). O servidor ainda fará jus a um benefício especial, que terá como referência as remunerações anteriores à data de mudança do regime, utilizadas como base para as contribuições decorrentes de regimes próprios de previdência dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, atualizadas pelo IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo.

A aprovação de lei autorizativa é apenas o primeiro passo para funcionamento de uma Fundação de Previdência em nível estadual ou municipal. Já o teto do regime geral para a aposentadoria dos servidores, somente passará a valer no momento em que o Estado ou Município conseguir aprovar um plano de benefícios junto à PREVIC. Além disso, antes da aprovação do plano de benefícios, a PREVIC precisa aprovar o Estatuto da Entidade.

Os planos de benefícios aprovados pela PREVIC estabelecem as regras que deverão ser observadas pelos Entes Públicos em relação à previdência de seus servidores. O Órgão Federal fará a fiscalização dos planos de benefícios aprovados, em especial no que se refere às aplicações financeiras que deverão observar a Resolução 3.792, do Banco Central do Brasil, de 24/9/09, que dispõe sobre as diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar.

Em geral, os planos de benefícios aprovados possuem as mesmas características, incluindo o instituto do resgate, a portabilidade, o benefício diferido (interrupção momentânea por força de demissão etc), além da possibilidade do servidor que já estiver no regime próprio, migrar para o regime de previdência complementar. Também será oferecido pela Fundação de Previdência um plano complementar de seguro de vida e de invalidez, visto que a cobertura para esses casos também observará para os novos servidores o limite do regime geral.

As instituições deverão apresentar metas para a rentabilidade das aplicações que, em sua maioria (nos termos da Resolução BC 3.792/09), deverão ser direcionadas para títulos de renda fixa mais conservadores (títulos do Tesouro Nacional). No entanto, a Resolução do BC autoriza a utilização de parte dos recursos aportados nas fundações, no financiamento imobiliário e em empréstimos aos servidores vinculados à Fundação de Previdência, além de investimentos em imóveis (Fundos Imobiliários).

Considerando que os valores depositados nas fundações correspondem a aplicações de longo prazo no sistema financeiro, o rendimento dessas aplicações deverá estar acima da média de mercado em relação a outros investimentos financeiros. Em média, a rentabilidade anual dos fundos de previdência estadual supera o rendimento do CDI. Os patrocinadores (Poderes) que participam das Fundações de Previdência Complementar Fechadas, possuem assento nos Conselhos Deliberativo e Fiscal, garantindo a fiscalização permanente da Entidade no que se refere a melhor utilização dos recursos dos servidores.

5. Conclusões

O novo regime de previdência que começa a ser adotado pelo setor público em nível nacional apresenta-se como alternativa para a gestão equilibrada e justa da previdência social no Brasil. O desafio que se coloca ao novo modelo de previdência complementar é manter o controle público sobre o novo regime e, ao mesmo tempo, encontrar formas de financiamento para a implementação e manutenção de uma fundação pública. Ou seja, é necessário buscar um ponto de equilíbrio entre a maior governança, proporcionada pela entidade fechada e o menor custo aos cofres públicos, que deverá ocorrer quando a gestão for feita por meio de entidade aberta.

Já em relação aos resultados esperados da implementação da nova previdência social, espera-se que, em um período de 20 anos, e havendo uma substituição gradual do regime de repartição para um regime de capitalização, o déficit previdenciário junto ao setor público em nível nacional seja reduzido a patamares de uma gestão fiscal responsável.

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1 Dos 5.595 Entes Federativos, 2.151 possuíam RPPS e deveriam implantar o RPC. Até o final de 2020, apenas 19 Entes possuíam RPC em funcionamento no Brasil. Em cerca de 893 RPPS (40,5%) inexistiam servidores públicos com ganhos acima do teto do RPPS. Apenas em cerca de 178 RPPS (8,3%) havia mais de 100 servidores públicos com ganhos acima do teto do RGPS.

Edson Ronaldo Nascimento

VIP Edson Ronaldo Nascimento

Economista, Especialista em Administração Financeira e Mestre em Administração Pública. Consultor de Finanças Públicas: ERN Consultoria e Treinamentos S.A

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