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Notas comerciais e seu papel na promoção da acessibilidade ao mercado de capitais brasileiro

Notas Comerciais democratizaram o mercado de capitais brasileiro, com 60,81% das empresas emitentes novatas. A lei 14.195/21 permite emissão por diversos tipos de sociedades, oferecendo flexibilidade e simplicidade.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Atualizado às 11:51

As Notas Comerciais têm ganhado destaque significativo no cenário econômico brasileiro nos últimos anos, tornando-se um instrumento cada vez mais utilizado e relevante para o mercado de capitais do país. Entre o período de novembro/21 até fevereiro/24, esses instrumentos foram responsáveis por movimentar um volume correspondente a 7,5% das ofertas de renda fixa no mercado de capitais brasileiro.

As Notas Comerciais chamam a atenção do mercado de capitais por outro motivo. Ademais serem comumente utilizadas para gestão ordinária de capital e caixa em grupos societários (38,7% do volume das emissões), elas também desempenham papel de acessibilidade de novas empresas ao mercado de capitais. De acordo com dados da Anbima, 60,81% das emitentes de Notas Comerciais no período mencionado nunca haviam emitido debêntures ou notas promissórias anteriormente. Ou seja, as Notas Comerciais serviram como um instrumento de entrada para essas empresas no mercado de capitais, contribuindo para a diversidade e dinamicidade do mercado.

A acessibilidade promovida pelas Notas Comerciais se intensifica ainda mais quando analisamos especificamente as sociedades fechadas: (a) 100% das cooperativas que emitiram esses instrumentos estavam realizando sua primeira emissão no mercado de capitais; (b) no caso das sociedades limitadas, essa porcentagem corresponde a 94,1% das emitentes; e (c) entre as sociedades anônimas de capital fechado, 70,9% nunca haviam emitido debêntures ou notas promissórias anteriormente.

Nova possibilidade de emissores pela lei 14.195/21

Em 2021, entrou em vigor a lei 14.195/21 que introduziu um novo regime jurídico próprio para as Notas Comerciais, desvinculando-as das notas promissórias. Pelo art. 46, as sociedades anônimas, limitadas e cooperativas foram autorizadas a atuar como emitentes das Notas Comerciais.

Por décadas, o acesso ao mercado de capitais brasileiro era predominantemente restrito às sociedades anônimas, conforme interpretava-se da lei 6.385/76. Entendia-se que valores mobiliários eram, de forma geral, títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas. Desta forma, se limitava outras formas societárias, como sociedades limitadas e cooperativas, que tinham menores oportunidades para buscar capitalização.

Somente em 2009, com a edição da Instrução CVM 480/09, outras formas societárias foram incluídas como potenciais emitentes de valores mobiliários pela CVM. No entanto, essa inclusão era acompanhada por restrições específicas. Por exemplo, no caso das Notas Comerciais, foi estabelecido que poderiam se organizar sob a forma de sociedade anônima ou limitada os emitentes que realizassem emissões exclusivamente de Notas Comerciais e cédulas de crédito bancário, para distribuição ou negociação pública. As cooperativas, por sua vez, eram brevemente mencionadas, sendo autorizadas apenas nos casos de cooperativas agrícolas que emitissem, exclusivamente, Notas Comerciais do Agronegócio, para distribuição ou negociação pública.

Além disso, tanto as sociedades limitadas quanto as cooperativas não foram incluídas no rol de emitentes das debêntures, um dos valores mobiliários mais consolidados no mercado de capitais brasileiro até hoje. As debêntures são a maior fonte de capitalização por empresas brasileiras via mercado de capitais, com 50,9% do volume de emissões do mercado de capitais doméstico em 2023.

Em 2015, a CVM promulgou a Instrução CVM 566, autorizando a emissão, para distribuição pública, de notas promissórias pelas sociedades anônimas e limitadas. Essa norma estendeu-se às Notas Comerciais, dada a equiparação de seu regime jurídico. As cooperativas, por sua vez, tinham permissão para emitir notas promissórias para distribuição pública apenas se tivessem por atividade a produção, comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos ou insumos agropecuários, máquinas ou implementos utilizados na atividade agropecuária.

A lei 14.195/21 apresentou uma importante inovação ao permitir que as sociedades limitadas, as sociedades anônimas de capital fechado e as sociedades cooperativas também pudessem emitir Notas Comerciais.

Assim, as Notas Comerciais passaram a representar praticamente um instrumento pioneiro para a emissão de valores mobiliários por essas sociedades. Outro aspecto relevante é que o novo regime jurídico desses instrumentos os aproxima mais das debêntures do que de qualquer outro valor mobiliário, tornando-os uma opção bastante atrativa de capitalização.

Tratamento simplificado e flexibilidade das notas comerciais

Por meio da promulgação da lei 14.105/21, a emissão das Notas Comerciais foi simplificada. Um importante avanço foi a alteração da forma desses instrumentos para exclusivamente escritural (art. 45 da lei 14.195/21). Antes, em razão da equiparação às notas promissórias, determinava-se como característica a cartularidade, ou seja, deveriam ser emitidas por meio de cártulas físicas. Essa exigência representava uma barreira prática, especialmente em casos de emissões destinadas à circulação em mercado, que normalmente envolvem uma grande quantidade de unidades. Além disso, diferentemente de outros valores mobiliários, como as debêntures, as Notas Comerciais estão dispensadas do registro do termo de emissão nas juntas comerciais. Assim, a emissão desses instrumentos tornou-se mais fácil e menos custosa.

Ademais, o novo regime jurídico das Notas Comerciais também tornou esses instrumentos bastantes flexíveis para se adaptar às necessidades dos emitentes e aos interesses dos investidores, tornando-os uma opção atraente em diferentes cenários. De acordo com a leitura do art. 47 da lei 14.195/21, o legislador autorizou que as Notas Comerciais sejam compatíveis com qualquer garantia real ou fidejussória.

Ainda, a nova legislação permitiu a inserção de cláusulas de pagamento de amortização parcial no termo de emissão desses instrumentos. Anteriormente, a amortização parcial até ocorria na prática, mas dependia da emissão de diversos instrumentos divididos em inúmeras séries, cada uma com um prazo de vencimento distinto, na tentativa de simular uma cláusula de pagamento de amortização. Por fim, o legislador não estipulou um prazo máximo de vencimento, permitindo que as Notas Comerciais sejam utilizadas como instrumentos de curto, médio ou longo prazo, conforme melhor satisfaça o emitente.

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ABRASCA. Nota Comercial: esclarecimento de funcionamento pelo time técnico da Anbima. In: Zoom, 2024, online. Acesso em: 20 fev. 2024.

AMBROSANO, Thais; PROENÇA, Marcos; RUSSO, Ricardo. As Notas Comerciais Escriturais e Sua Utilização Pelo Mercado de Renda Fixa. Pinheiro Neto Advogados, 2022. Disponível em: https://www.pinheironeto.com.br/conhecimento-juridico/artigo/as-notas-comerciais-escriturais-e-sua-utilizacao- pelo-mercado-de-renda-fixa. Acesso em: 15 jul. 2024.

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Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021. Dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas, sobre a proteção de acionistas minoritários, sobre a facilitação do comércio exterior, sobre o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), sobre as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, sobre a profissão de tradutor e intérprete público, sobre a obtenção de eletricidade, sobre a desburocratização societária e de atos processuais e a prescrição intercorrente na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil); altera as Leis nºs 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 8.934, de 18 de novembro de 1994, 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 7.913, de 7 de dezembro de 1989, 12.546, de 14 de dezembro 2011, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 10.522, de 19 de julho de 2002, 12.514, de 28 de outubro de 2011, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 4.886, de 9 de dezembro de 1965, 5.764, de 16 de dezembro de 1971, 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e 13.874, de 20 de setembro de 2019, e o Decreto-Lei nº 341, de 17 de março de 1938; e revoga as Leis nºs 2.145, de 29 de dezembro de 1953, 2.807, de 28 de junho de 1956, 2.815, de 6 de julho de 1956, 3.187, de 28 de junho de 1957, 3.227, de 27 de julho de 1957, 4.557, de 10 de dezembro de 1964, 7.409, de 25 de novembro de 1985, e 7.690, de 15 de dezembro de 1988, os Decretos nºs 13.609, de 21 de outubro de 1943, 20.256, de 20 de dezembro de 1945, e 84.248, de 28 de novembro de 1979, e os Decretos-Lei nºs 1.416, de 25 de agosto de 1975, e 1.427, de 2 de dezembro de 1975, e dispositivos das Leis nºs 2.410, de 29 de janeiro de 1955, 2.698, de 27 de dezembro de 1955, 3.053, de 22 de dezembro de 1956, 5.025, de 10 de junho de 1966, 6.137, de 7 de novembro de 1974, 8.387, de 30 de dezembro de 1991, 9.279, de 14 de maio de 1996, e 9.472, de 16 de julho de 1997, e dos Decretos-Lei nºs 491, de 5 de março de 1969, 666, de 2 de julho de 1969, e 687, de 18 de julho de 1969; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 de ago. de 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14195.htm. Acesso em: 31 jul. 2023.

João Vítor L. Cunha

João Vítor L. Cunha

Graduando na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP-USP. Colaborador na área de Consultivo e Estratégia de Negócios no TN Advogados.

Lucas F. G. Bento

VIP Lucas F. G. Bento

Sócio das áreas de Societário e Mercado de Capitais do TN Advogados. Advogado e estudante de Finanças e Negócios pela USP, com passagens pela University of Illinois e University of Chicago, ambas nos EUA.

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