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Serviço público virtual e teletrabalho conferem eficácia a preceitos constitucionais

Os serviços públicos virtuais estão relativamente avançados no Brasil, mas enfrentam desafios como a falta de cultura digital por servidores, usuários e entes municipais.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Atualizado às 10:56

Os serviços públicos digitais de atendimento aos cidadãos têm avançado no mundo e o Brasil ocupa lugar de destaque. Ranking de 2022 elaborado pelo Banco Mundial apontou o país no segundo lugar em governo digital, conforme matéria da Agência Brasil1.

Pela plataforma digital GOV.BR, pode-se assinar documentos digitalmente, abrir uma empresa, obter carteiras de trânsito e de trabalho digitais, entre outros muitos serviços úteis e importantes. No sentido da praticidade, atualmente os serviços estão agregados pela relevância (mais acessados, em destaque e recomendados) e pelo perfil (aposentado, estudante, empreendedor, trabalhador e motorista), podendo facilitar as buscas2.

O governo eletrônico possibilita aumento da efetividade dos serviços públicos, não apenas por resultar sua entrega fácil, rápida e objetiva para os usuários, mas também pela prévia e concomitante organização e tratamento dos dados para o conhecimento sobre a estrutura estatal e seus serviços, a colaboração e integração entre os órgãos e a tomada de decisões por meio de insights baseados em dados.

Há também economia financeira. O governo Federal estimou economia bilionária para seus cofres, advinda da transformação dos seus serviços públicos presenciais em digitais, observando outros efeitos benéficos sobre a sua força de trabalho: redução da taxa de reposição de servidores aposentados, principalmente de nível médio, e realocação de pessoal das atividades operacionais repetitivas para atribuições mais estratégicas3.

A despeito da crescente amplitude da automação dos serviços públicos no país, persistem relevantes desafios, como o de integrar os sistemas e o de incrementar a cultura digital, este compreendendo educar a população, capacitar servidores, incorporar a cultura em municípios e transformar atividades físicas e presenciais em digitais e remotas.

Abordam-se sumariamente os dois últimos desafios citados, bastando dizer, sobre a incorporação da cultura digital nos municípios (menos avançados do que a União e os estados), que tem sido objeto de ações e parcerias. São exemplos: a atuação do governo federal, particularmente pela plataforma rede GOV.BR, que possibilita autodiagnóstico e planejamento de ações aos municípios; e a atuação do setor privado, com a oferta crescente de tecnologias ao setor público4.

Sobre a transformação de atividades físicas e presenciais em digitais e remotas, basta situá-la como medida que fomenta e maximiza a efetividade dos serviços digitais, contribuindo para expandir a oferta dos serviços e acelerar seu tratamento. O teletrabalho desponta como efeito dos serviços digitais, os quais dispensam a presencialidade no atendimento, e como um de seus fatores, potencializando a celeridade na análise e tratamento das demandas recebidas virtualmente. 

Em artigo sobre a questão, foram listados cinco presentes desafios para os serviços públicos brasileiros, tendo o fator humano como o mais relevante: a) objetivar governo ágil, flexível e inovador; b) desenvolver habilidades digitais com a adoção de novas tecnologias; c) atrair e reter nova geração de profissionais; d) motivar e engajar servidores; e e) superar a crise de confiança do cidadão em governos5.

Todos esses desafios e os anteriormente citados se conectam com as razões e os objetivos normatizados da implementação do teletrabalho no setor público. Para ilustrar, cita-se norma do TCM/GO - Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás, que associa o teletrabalho ao aumento da produtividade, aos benefícios para a Administração, o servidor e a sociedade, à atuação proativa, aos resultados de pesquisa nacional junto aos tribunais de contas, à cultura de entregar resultados e à redução de custos6.

Preceitos constitucionais efetivados pelos serviços virtuais e pelo teletrabalho

A expansão dos serviços públicos digitais contribui decisivamente para que se efetivem, de pronto, dois preceitos constitucionais: o direito fundamental à celeridade ou duração razoável dos processos judiciais e administrativos (art. 5, LXXVIII) e o princípio da eficiência para a administração pública (art. 37, caput).

De forma complementar e sinérgica, a adoção de regimes de trabalho negociados e flexíveis, capitaneados pelo teletrabalho, ao se voltarem para o desempenho (em vez do mero controle de horário), à equalização entre meios e fins, condições do trabalhador e necessidades do serviço, contribui para efetivação dos mesmos princípios, a par de outros preceitos constitucionais e legais: interesse público, razoabilidade, proporcionalidade, isonomia/equidade e proteção estatal à família (caput dos arts. 226 e 227 da Constituição).

Ressalva-se que a múltipla eficácia dos regimes de trabalho flexíveis (híbrido e remoto) não dispensa a necessidade de jornadas presenciais e com horários fixos para o servidor que prefira ou necessite do trabalho presencial nas instalações públicas, como também para os serviços não realizáveis remotamente e para o cidadão que prefira ser atendido presencialmente.

No entanto, quanto a esses cidadãos que prefiram atendimento presencial, deve-se buscar saber se tal preferência deriva de genuína preferência ou se resulta de dificuldades com recursos virtuais ou mesmo de limitações qualitativas do atendimento remoto, caso em que medidas de capilarização da cultura digital e de aperfeiçoamento do atendimento virtual devem ser implementadas.

A seguir, são dados exemplos práticos de benefícios reais e potenciais dos serviços virtuais e do teletrabalho, três mais pontuais, recentemente vivenciados pelo autor, e outros dois mais amplos, extraídos de escrito e de jurisprudência.

Um exemplo de experiência direta com serviço público digital. Certidão de tempo de contribuição solicitada recentemente pelo aplicativo "Meu INSS", por meio de meros cliques no aparelho celular em menos de 25 minutos, contrapõe-se ao mesmo serviço demandado há cerca de sete anos atrás, mediante quatro atendimentos em três diferentes repartições do INSS.

Como atestado pelas duas distintas experiências vividas, o serviço digital adveio da transformação de atendimentos presenciais em atendimento virtual, sendo de se esperar que o desenlace desse serviço, a análise da demanda tenderá a ser mais célere se processada de forma também eletrônica e remota, sem necessidade da presença do usuário e dos servidores que analisam a demanda no estabelecimento institucional.

Um exemplo de experiência indireta com serviço público digital. Dispensa de trabalho, histórico de contribuições previdenciárias, resgate de recursos do FGTS e seguro-desemprego foram alcançados por empregada de terceiros, com auxílio deste autor, por meio de quatro aplicativos de serviços públicos (E-Social, Meu INSS, FGTS e Carteira de Trabalho Digital), em estimadas três horas descontínuas. Sem tais aplicativos, a usuária desses serviços provavelmente teria despendido semanas entre idas e vindas a um banco estatal e a um ou dois órgãos públicos.

Entre a dispensa e a informação das datas de pagamento do seguro-desemprego foram treze dias. Por certo, o atendimento remoto garantiu a celeridade de todo o procedimento, inclusive dos exames materiais e de conformidade efetuados por servidores que analisaram a demanda.

Um exemplo de experiência direta com teletrabalho. Comparando quatro anos de trabalho do autor no serviço púbico federal de forma exclusivamente presencial (maio/11 a abril/15) com idêntico período somente em teletrabalho (maio/20 a abril/24), houve os seguintes desempenhos: menor produtividade e índice de capacitação (196 horas) no período presencial; e maior produtividade (reconhecimento institucional), índice de capacitação (572 horas) e convício com a família (home office), no período de teletrabalho integral. 

Um exemplo de experiência com serviço digital e teletrabalho associados. A audiência virtual em processos judiciais proporciona comodidades e economias significativas para os clientes, os advogados e os próprios tribunais, principalmente quando distantes espacialmente uns dos outros. Entende-se a conclamação nesse artigo referenciado, "não reclamemos da escuridão, mas sim acendamos velas", como alerta para não se perder, diante de pequenos obstáculos, a oportunidade de expandir e avançar o possível e necessário nas atividades virtuais.

Sem se aprofundar no mérito das audiências judiciais, tem-se como parâmetro o respeito às partes envolvidas, vislumbrando-se a coexistência das formas presencial, híbrida e remota/telepresencial, sendo o modelo híbrido adotado quando alguma das partes preferir modelo distinto da preferência da outra parte. Nesse sentido, estariam sendo maximizados, a par do processo/serviço célere e eficiente, também os direitos de acesso à justiça e de ampla defesa (art. 5º, XXXV e LV, da Constituição).

Um último exemplo, extraído da jurisprudência da corte de contas federal, sobre teletrabalho e serviço virtual associados. O trabalho remoto e telemático de médicos e assistentes sociais tornou-se imperativo para acelerar o processo de concessão de benefícios a usuários da previdência social, por meio das respectivas perícias médicas e avaliações sociais, reduzindo o represamento dos pedidos e o atraso das concessões, conforme se depreende do Acórdão 679/23-TCU-Plenário7.

Assim, a implementação da perícia médica e da avaliação social por canais remotos mostrou-se necessária para agilizar a concessão do benefício por incapacidade temporária e do BPC - benefício de prestação continuada e dar maior efetividade à correspondente política pública e atuação do INSS, em prol do cumprimento dos princípios constitucionais da eficiência e da dignidade humana, conforme se depreende do deliberado pelo Tribunal de Contas da União.

Considerações finais para concluir

A eficácia do teletrabalho, combinada com a eficácia dos recursos virtuais para atendimento das demandas da sociedade pelo Estado, traz benefícios para as partes diretamente envolvidas (servidores e instituições) e torna mais célere e efetivo o serviço público prestado, beneficiando os cidadãos.

E não apenas isso. O potencial dos regimes de trabalho flexíveis e voltados ao desempenho, como o teletrabalho, extrapola o campo tratado neste ensaio para alcançar o mundo: em larga escala, o teletrabalho contribuirá para melhorar o trânsito, o ambiente, as cidades e as regiões, por reduzir adensamentos e fluxos urbanos diários, reorientar fluxos migratórios residenciais, capilarizar serviços etc.

Para o serviço público, um regime de trabalho baseado em confiança, autonomia e resultados tende a ser muito mais eficiente, eficaz e efetivo do que um baseado no controle. Nesse sentido, o próprio regime de trabalho presencial deve ser reformado para flexibilizar ou até dispensar o controle rígido de horários e focar nas entregas.

O rígido controle de dias e horários de trabalho, quando não meça o desempenho ne seja condição para a prestação de serviços à sociedade, prejudica potencialmente o rendimento dos servidores. E assim, quando o serviço prestado não requer a presencialidade, sua exigência (por insegurança gerencial, para justificar espaços e estruturas ou por outros motivos fora do interesse público) potencialmente prejudica o serviço.

Ao revés, a absorção e expansão da cultura digital e a celeridade dos serviços públicos devem ser buscadas também por meio de regimes flexíveis de trabalho que se mostrem mais eficientes. E a eficiência do teletrabalho, especificamente, está ligada à economia para o Estado, a menores dispêndios com espaços e instalações públicas, já que o teletrabalho expandido e consolidado demanda menos gastos prediais, de equipamentos, de manutenção etc.

A regra da flexibilidade, quando o serviço comportar, tem a contrapartida do desempenho otimizado e, para sua equalização, pode abranger condicionantes, como "sobreaviso" (estar online no período de expediente institucional), sincronicidades (parcial ou total, no trabalho ou na comunicação), reuniões periódicas virtuais, encontros periódicos presenciais etc.

Serviços públicos virtuais e teletrabalho no serviço público são complementares, os objetivos e benefícios deste (estímulos ao uso da telemática, ao desempenho e às entregas para sociedade) se conectam com os desafios daqueles (capilarização, universalização e potencialização da cultura digital dos servidores, dos municípios e da população).

Juntos consubstanciam e implementam direitos, princípios e diretrizes constitucionais ligadas à celeridade processual, à eficiência do serviço público, ao interesse público, à razoabilidade, à proporcionalidade, à dignidade humana, à equidade, à proteção da família e à cidadania.

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1 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-11/brasil-e-um-dos-lideres-mundiais-na-digitalizacao-de-servicos-publicos

Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2022/agosto/gov-br-ja-oferece-quatro-mil-servicos-publicos-digitais-para-o-cidadao

Disponível em: https://www.gov.br/governodigital/pt-br/transformacao-digital/lista-servicos-digitais/

Disponível em: https://aprova.com.br/blog/mapa-de-governo-digital/

Disponível em: https://enap.gov.br/pt/acontece/noticias/entenda-quais-sao-os-5-desafios-para-o-servico-publico-brasileiro-do-futuro

Disponível em: https://www.tcmgo.tc.br/site/wp-content/uploads/2021/12/RA-177-21.pdf

Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/KEY:ACORDAO-COMPLETO-2583097/NUMACORDAOINT%20asc/0

Josir Alves de Oliveira

VIP Josir Alves de Oliveira

servidor público federal, cientista social, especializado em Direito do Estado e certificado em trabalho remoto.

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