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Split payment: Sem ele, existe reforma?

A reforma tributária brasileira e o split payment levantam questões sobre a arrecadação pública e seus efeitos no fluxo de caixa e crédito das empresas. O artigo analisa se a reforma pode ser eficaz sem comprometer a liquidez empresarial.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Atualizado às 13:17

A reforma tributária brasileira está em andamento, trazendo à tona discussões cruciais sobre mecanismos como o split payment. Enquanto essa medida pode favorecer a arrecadação pública, as implicações para as empresas, especialmente no que tange ao fluxo de caixa e à tomada de crédito, são significativas. Será que podemos realmente implementar uma reforma eficiente sem prejudicar a saúde financeira dos negócios?

Neste artigo, exploraremos o impacto do split payment no fluxo de caixa e nas possibilidades de crédito das empresas, destacando as interseções com o PLP 68/24 e analisando se a reforma tributária pode ser viável sem comprometer a liquidez das empresas.

O split payment é um mecanismo onde o valor correspondente ao imposto é automaticamente transferido para o governo no momento da liquidação financeira, segregando o imposto do valor líquido devido à empresa vendedora.

Por exemplo, se um produto custa R$ 100 com R$ 20 de imposto, R$ 80 vão para o vendedor e R$ 20 para o governo.

Esse modelo foi adotado inicialmente na Itália em 2015 e se mostrou eficaz na redução da sonegação fiscal. A Polônia adotou o modelo em 2018, resultando em uma melhoria na arrecadação.

Para uma visão mais detalhada sobre como o split payment opera e seus fundamentos, veja nosso artigo anterior.

Ao segregar o imposto no momento da liquidação, o split payment reduz imediatamente o valor que entra no caixa da empresa, impactando diretamente o capital disponível para operações correntes e dificultando a gestão de caixa.

O fluxo de caixa é essencial para a manutenção das operações diárias de uma empresa. Com o split payment, as empresas perdem acesso a uma parte significativa dos recursos que seriam utilizados para capital de giro, o que pode comprometer a capacidade de pagamento a fornecedores, funcionários e outras despesas fixas.

As PMEs, que têm menos acesso a linhas de crédito e menor capacidade de absorver impactos financeiros, são particularmente vulneráveis. A perda de liquidez imediata pode limitar sua capacidade de expansão e investimento, além de aumentar o risco de inadimplência.

O PLP 68/24, ao prever mudanças na forma de apropriação e compensação de créditos tributários, pode aumentar as dificuldades das empresas na gestão de caixa. A segregação dos impostos pela via do split payment, combinada com a necessidade do efetivo pagamento do tributo para a tomada de créditos, pode criar um ambiente de incerteza financeira para as empresas.

Por exemplo, imagine uma empresa de construção civil que adquire materiais a prazo com pagamento em 90 dias. No modelo atual, ela poderia utilizar o crédito de imposto na sua apuração mesmo antes de pagar seus fornecedores. Com o split payment, essa empresa só poderá tomar crédito quando efetuar o pagamento ao fornecedor, o que significa que ela terá menos recursos disponíveis para financiar suas operações durante esse período, potencialmente atrasando projetos e impactando seu cronograma de entrega.

Com a possível redução da liquidez imediata devido ao split payment e as novas regras de crédito, as empresas podem encontrar maiores desafios para financiar suas operações e honrar compromissos financeiros, especialmente em setores que dependem de margens apertadas.

Se uma empresa está acostumada com um prazo maior para pagamento dos impostos (ICMS, PIS, Cofins, IPI, ISS) isso não vai mais acontecer, será necessária uma mudança drástica nas relações comerciais da empresa e da gestão tributária de seus recursos, pois ela não será mais a responsável pelo pagamento do IBS e da CBS, recebendo seu valor líquido.

No entanto, ela precisará de uma gestão muito eficiente sobre os créditos que possui direito, pois, da mesma forma que ela receberá seus valores líquidos, os créditos somente serão apropriados quando ocorrer o pagamento do tributo devido na compra, isso significa que negociações de longo prazo (pagamento parcelado) poderão impactar também na tomada de créditos.

A implementação do split payment, combinada com as mudanças previstas no PLP 68/24, exigirá que as empresas adaptem seus processos operacionais e sistemas financeiros, aumentando a complexidade e o custo operacional.

Empresas podem precisar revisar suas políticas de crédito, renegociar prazos com fornecedores e buscar alternativas de financiamento para mitigar os impactos da perda de liquidez. A utilização de tecnologia para automatizar processos pode ajudar, mas pode não estar ao alcance de todas as empresas.

Será necessário que a empresa invista em tecnologia para garantir o cumprimento de todas as obrigações acessórias, especialmente durante o período de transição.

O próprio governo, considerando a complexidade do sistema e necessidade de arcabouço tecnológico capaz de garantir a efetividade do split payment iniciou um grupo de trabalhos para tratar somente sobre esse assunto, situação em que as instituições financeiras terão uma participação chave nessa implementação, haja vista que sem elas o split não será possível.

Portanto, as empresarão terão a obrigação de revisar constantemente o fluxo de caixa e ajustar as previsões financeiras, pois essa revisão se tornará ainda mais crucial, especialmente para as PMEs que precisam maximizar a eficiência de seus recursos limitados.

Outro ponto igualmente relevante é a formação do preço da mercadoria com a chegada do Split Payment e o período de transição. Entre 2026 e 2032, teremos dois sistemas convivendo juntos, um com split payment e outro sem, se a empresa não souber calcular seu preço de venda durante esse período ela poderá ter prejuízos significativos não só no seu fluxo de caixa, mas também no seu lucro, resultando em uma margem negativa, ou seja, pagando para trabalhar.

Por exemplo, uma empresa de comércio eletrônico que opera em várias regiões do Brasil pode enfrentar dificuldades em ajustar seus preços durante a transição. Se ela vende um produto por R$ 100, apurando parte dos seus tributos no novo sistema e parte no antigo, ela terá uma parte dos seus impostos pagos via split e parte não, se ela não souber colocar ambos os tributos no preço, essa diferença pode resultar em margens de lucro inconsistentes e, se mal gerida, em prejuízos significativos ao final do mês.

A falta de uma estratégia clara pode levar a um cenário onde, após pagar todos os impostos e despesas, a empresa acabe operando com margens negativas. 

Assim, embora o split payment ofereça benefícios em termos de controle fiscal e arrecadação, a reforma tributária deve ser viável para as empresas. Sem uma abordagem que equilibre a arrecadação com a sustentabilidade financeira dos negócios, a reforma corre o risco de criar novos desafios econômicos, particularmente em um ambiente já afetado por restrições de crédito e mudanças legislativas.

Para que a reforma tributária seja bem-sucedida, é essencial garantir um equilíbrio entre a necessidade de arrecadação eficiente e a preservação da saúde financeira das empresas. Somente assim será possível alcançar uma reforma que beneficie tanto o governo quanto o setor produtivo.

Ignorar a preparação para o split payment e as novas regras do PLP 68/24 não é uma opção. As empresas que se anteciparem a essas mudanças terão uma vantagem competitiva, enquanto as que não o fizerem poderão enfrentar sérias dificuldades financeiras.

Bruna Kanning

Bruna Kanning

Consultora e Advogada Tributarista com mais de 3 anos de experiência, atuando na Taxes Brasil. Especialista em direito tributário. Cocriadora do projeto Reformatributaria360.

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