Arbitragem no Brasil: Estatísticas e mitos sobre ações anulatórias de sentenças arbitrais
O artigo aborda a questão das anulações de sentenças arbitrais no Brasil. Nele, criticamos a forma como algumas notícias apresentam estatísticas de maneira sensacionalista e demonstramos que a maioria das sentenças arbitrais é mantida intacta, reforçando a eficácia da arbitragem como método de resolução de disputas no país.
terça-feira, 13 de agosto de 2024
Atualizado às 14:14
De acordo com o art. 32 da lei de arbitragem, a anulação de uma sentença arbitral é possível se (a) for nula a convenção de arbitragem, (b) emanou de quem não podia ser árbitro, (c) não contiver os requisitos do art. 26 desta lei, (d) for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, (e) comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva, (f) proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta lei ou (g) forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta lei. Dessa maneira, uma Ação Anulatória de Sentença Arbitral seria justificável somente nesses casos.
Apesar disso, em alguns casos, a parte que perde a disputa tenta utilizar o Judiciário como uma espécie de segunda instância da arbitragem, tentando invalidar a decisão do Tribunal. Embora essa saída não seja a mais frequente devido ao alto custo de uma Ação Anulatória em caso de sucumbência, ela já foi utilizada em arbitragens de relevância nacional e grande valor envolvido. Isso leva a um aumento na divulgação de notícias sobre o tema, criando para o leitor a falsa impressão de que as anulações são recorrentes. Na realidade, o que amplia a visibilidade das Ações Anulatórias é a relevância das partes que a propõe.
Nota-se, todavia, muitas notícias que tentam descredibilizar a arbitragem apresentam apenas detalhes de estatísticas verdadeiras, mas omitem o contexto completo. Em artigo publicado no ano de 2021 destacava-se um aumento de 11% no número de ações anulatórias em 2020 comparado ao ano anterior, um crescimento de 14% dessas ações no primeiro trimestre de 2021, e um aumento de 27% na procedência dessas ações. O título do artigo enfatiza esse crescimento como sendo significativo, sugerindo novos rumos menos promissores da arbitragem brasileira.
Analisando de forma mais profunda, uma pesquisa realizada por alunos da Universidade de São Paulo sobre Ações Anulatórias constatou que, entre 2011 e 2022, foram proferidos 148 acórdãos de segunda instância sobre a anulação de sentenças arbitrais. Desses, 73% mantiveram as sentenças arbitrais intactas. As intervenções apareceram da seguinte maneira: 16,9% resultaram em anulações parciais e 10,1% em anulações totais, somando uma taxa de anulação de 27%.
Recortando dados da "Pesquisa Arbitragem em Números" da professora Selma Leme nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, ou seja, somente os 4 últimos anos dos 12 englobados pelos 148 acórdãos constatados, encontramos que esses 148 acórdãos representam menos de 14% das arbitragens julgadas por somente 8 câmaras arbitrais. Vale ressaltar que só nos estados da região sul e sudeste é possível encontrar mais de 20 câmaras arbitrais ativas.
Mais recentemente levantamento, promovido pela FGV Justiça, indica que, entre 2018 e 2023, a taxa de ações anulatórias procedentes em segunda instância foi de quase 23% a nível nacional. O TJ/GO apresentou o maior número de apelações, das quais 15,6% foram procedentes. Por outro lado, o TJ/RJ não deu procedência a nenhuma apelação. A maior proporção de anulações veio do TJ/SP, com 34,5% de procedência para as ações. No entanto, é relevante destacar que os contratos do sistema cooperativo da Unimed impactaram essa proporção. Quando esses casos são eliminados, a taxa de procedência do TJ/SP cai para 17,5%.
Esta sequência de estatísticas provavelmente causa no leitor duas principais impressões: que o número de ações anulatórias procedentes tem aumentado e que a arbitragem pode não ser uma boa escolha, já que a chance de anulação de uma sentença arbitral é razoável.
A primeira impressão, apresenta uma inconsistência significativa quando confrontada estatisticamente. O relatório do Observatório de Arbitragem do ano passado, que analisou as câmaras de arbitragem mais relevantes do país, mostrou que em 2019 houve menos de 30 anulações, reduzindo para menos de 20 em 2020 e chegando a 10 no ano seguinte.
Por outro lado, a segunda impressão é mais preocupante. Uma análise superficial dos dados pode levar o leitor a concluir que as ações anulatórias têm uma chance moderada de procedência. Isso pode sugerir que aqueles que buscam estabilidade e segurança jurídica talvez não devessem optar pela arbitragem neste país, pois uma sentença favorável poderia ser razoavelmente questionada. Este cenário é frequentemente explorado para descredibilizar a arbitragem. Por outro lado, é importante ressaltar que nem todas as sentenças arbitrais são alvo de ações anulatórias.
No mesmo relatório do Observatório da Arbitragem, entre 2018 e 2022, foram proferidas 606 sentenças arbitrais nas principais câmaras de arbitragem de São Paulo. Dessas, apenas 17 foram objeto de ações anulatórias, o que significa que a probabilidade de contestação de uma sentença arbitral é de apenas 2,8%. No entanto, isso não representa diretamente a probabilidade de anulação. Para obter essa informação, seria necessário multiplicar essa probabilidade de contestação pela probabilidade de procedência da ação anulatória, que, segundo os detalhes do relatório, é de 1,5%. Ou seja, em números superficiais pode-se afirmar que uma arbitragem tem chance menor que 0,04% de sofrer uma anulação.
Nos parece fácil concluir que a arbitragem é uma opção robusta para a resolução de disputas. Embora sua segurança tenha sido questionada recentemente, tal questionamento não encontra lastro fático. Pelo contrário, os dados mostram uma taxa de contestação extremamente baixa em relação ao número total de sentenças arbitrais proferidas. Assim, enquanto a possibilidade de anulação existe, ela não representa uma ameaça generalizada à eficácia do sistema arbitral no Brasil.
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