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A (im)possibilidade de requerer o levantamento antecipado de parcelas quando o arrematante opta pelo parcelamento no leilão judicial

O leilão judicial permite o parcelamento da arrematação de imóveis, mas há controvérsias sobre o levantamento antecipado dos valores pagos. O TJ/SP tem se mostrado favorável a essa liberação antecipada.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Atualizado às 14:15

I. Introdução

O leilão judicial, especialmente no que tange à arrematação de imóveis, é um instrumento crucial para a efetividade da execução. No entanto, a possibilidade de parcelamento do valor de arrematação tem gerado controvérsias sobre o momento em que o exequente pode levantar os valores pagos pelo arrematante. Este artigo aborda a (im)possibilidade de requerer o levantamento ANTECIPADO de parcelas, focando na jurisprudência do TJ/SP, que tem demonstrado um posicionamento favorável à liberação antecipada.

II. Fundamentação jurídica

O CPC/15 trouxe inovações no procedimento de arrematação, especialmente com o artigo 895, que permite o pagamento parcelado do bem arrematado. O § 9º desse artigo estabelece que "no caso de arrematação a prazo, os pagamentos feitos pelo arrematante pertencerão ao exequente até o limite de seu crédito". A questão central é a interpretação dessa norma e a viabilidade do levantamento antecipado dos valores pagos.

O art. 895 do CPC/15 regula a possibilidade de pagamento parcelado do bem arrematado em hasta pública. O dispositivo estabelece, em seu caput, que o arrematante poderá optar pelo pagamento parcelado, desde que faça a proposta no momento da arrematação. O parágrafo 1º do mesmo artigo determina que o pagamento inicial deve ser de, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) do valor do lance, sendo o restante dividido em parcelas mensais, vejamos:

Art. 895. O interessado na arrematação poderá apresentar por escrito sua proposta para pagamento parcelado, nunca inferior à avaliação, sendo que o pagamento inicial não será inferior a 25% do valor da avaliação e o restante será pago em até 30 (trinta) meses, garantido por hipoteca do próprio bem.

O §9º do artigo 895 é de particular relevância para a questão do levantamento antecipado de parcelas, pois determina que "no caso de arrematação a prazo, os pagamentos feitos pelo arrematante pertencerão ao exequente até o limite de seu crédito".

Essa disposição visa garantir que o exequente possa satisfazer seu crédito de forma mais célere, ainda que o pagamento da arrematação se dê de forma parcelada. No entanto, a aplicação prática desse dispositivo tem gerado discussões judiciais, especialmente quando se trata de decidir sobre a possibilidade de levantamento imediato dos valores pagos antes da quitação integral da arrematação.

O art. 903 do CPC estabelece que a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável quando assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro. Este artigo é crucial para entender a segurança jurídica conferida ao ato de arrematação e as consequências do inadimplemento do arrematante.

A interpretação dos dispositivos legais mencionados tem sido objeto de extensa jurisprudência no TJ/SP. A análise dos precedentes revela uma tendência de flexibilização na aplicação do artigo 895, § 9º, do CPC, especialmente em contextos onde a arrematação envolve dívidas de natureza propter rem, como as despesas condominiais.

Vejamos as seguintes jurisprudências:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Arrematação de bem imóvel. Pagamento parcelado. Indeferimento do levantamento parcial dos valores depositados. Possibilidade de resolução da arrematação por inadimplemento, nos moldes dos arts. 895, § 5º; e 903, § 1º, III do CPC, a ensejar a restituição dos valores pagos ao arrematante. Presença de demais ônus no registro do imóvel. Hipótese em que o levantamento imediato das parcelas tornaria excessivamente difícil a restituição dos valores por conta de eventual concurso de credores. Precedentes. Recurso desprovido. (TJ/SP;  Agravo de Instrumento 2213325-87.2024.8.26.0000; relator (a): Milton Carvalho; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/7/24; Data de Registro: 30/7/24)

No acórdão supracoligido, relatado pelo desembargador Milton Carvalho, o TJ/SP negou o provimento ao recurso que pleiteava o levantamento antecipado das parcelas pagas em arrematação parcelada. A decisão fundamentou-se na possibilidade de resolução da arrematação em caso de inadimplemento, conforme disposto nos arts. 895, § 5º, e 903, § 1º, III, do CPC, que preveem a devolução dos valores pagos ao arrematante. O Tribunal considerou que a liberação antecipada dos valores poderia dificultar a restituição em caso de inadimplemento, especialmente diante de um eventual concurso de credores. É importante destacar que, no caso específico, constavam na matrícula do imóvel averbações de penhora e de indisponibilidade do bem, anteriores à constrição realizada nos autos da presente execução.

Em contrapartida, vejamos o seguinte julgado:

"Agravo de instrumento - Ação de Cobrança - Despesas condominiais - Cumprimento de sentença - Penhora do imóvel gerador das despesas condominiais - Arrematação - Parcelamento da arrematação - Depósito efetuados na demanda pelo arrematante - Pedido de levantamento do valor exequendo das despesas condominiais em discussão - indeferimento do juízo de origem em razão do parcelamento da arrematação - Possibilidade do levantamento - Previsão do artigo 895, § 9°, do CPC/15. No caso ora sob exame, o exequente, ora agravante, faz jus ao pleito de levantamento da quantia em razão da arrematação do bem penhorado na demanda, tendo-se em conta que a dívida se trata de natureza propter rem. Neste sentido, ver a jurisprudência desta Corte para o caso ora sob exame: "Processual. Cumprimento de sentença. Decisão que condicionou o levantamento do produto da alienação judicial ao depósito de totalidade das respectivas parcelas. Pretensão do condomínio credor à reforma. Arrematação a prazo. Possibilidade de levantamento das parcelas depositadas e das que vierem a ser depositadas, até a ultimação do pagamento do lance. Previsão do art. 895, § 9° do CPC. RECURSO PROVIDO" (Agravo de Instrumento 2252194-32.2018.8.26.0000 - relator Mourão Neto, j. 30.09.2019). "AGRAVO DE INSTRUMENTO - COBRANÇA CONDOMÍNIO - CUMPRIMENTODE SENTENÇA - Decisão agravada indeferiu o levantamento dos valores depositados até o pagamento de todas as parcelas da arrematação - RECURSO DO EXEQUENTE PROVIDO, PARA DEFERIR O LEVANTAMENTO SUCESSIVO DAS PARCELAS DEPOSITADAS PELO ARREMATANTE ATÉ O LIMITE DO CRÉDITO EM FAVOR DO EXEQUENTE, COM A EXPEDIÇÃO DE GUIA DE LEVANTAMENTO (NA VARA DE ORIGEM)" (Agravo de Instrumento 2256611-28.2018.8.26.0000 - 35ª Câmara de Direito Privado - Rel. Flávio Abramovici - j.8.2.19). Agravo provido." (TJ/SP;  Agravo de Instrumento 2073752-39.2021.8.26.0000; relator (a): Lino Machado; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 11ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/5/21; Data de Registro: 21/5/21).

No acórdão relatado pelo desembargador Lino Machado, o TJ/SP deu provimento ao recurso, permitindo o levantamento sucessivo das parcelas depositadas pelo arrematante. A decisão foi embasada na natureza propter rem das dívidas condominiais e na interpretação do art. 895, § 9º, do CPC, que permite o levantamento dos valores pagos até o limite do crédito do exequente. O Tribunal destacou que a execução deve realizar-se no interesse do credor, conforme previsto nos arts. 797 e 805 do CPC?.

A divergência entre as decisões do TJ/SP revela a complexidade da aplicação prática dos dispositivos legais referentes à arrematação parcelada. No entanto, é possível identificar uma linha jurisprudencial favorável ao levantamento antecipado dos valores pagos, especialmente em situações onde a natureza da dívida e a ausência de concorrência de credores justificam uma interpretação mais flexível do art. 895, § 9º, do CPC.

Quando o imóvel arrematado não possui outras constrições, como penhoras ou indisponibilidades registradas na matrícula, a jurisprudência do TJ/SP tem se mostrado mais favorável ao levantamento antecipado dos valores pagos. Em tais casos, a ausência de concorrência de credores e outros ônus sobre o bem permite uma aplicação mais célere e eficiente do art. 895, § 9º, do CPC, garantindo que os pagamentos feitos pelo arrematante sejam prontamente disponibilizados ao exequente até o limite do seu crédito.

A ausência de outras constrições sobre o imóvel arrematado elimina o risco de um concurso de credores que poderia complicar a devolução dos valores em caso de inadimplemento. Dessa forma, o Tribunal tem reconhecido que, não havendo impedimentos adicionais, a liberação imediata dos valores depositados pelo arrematante não compromete a segurança jurídica do procedimento e assegura a satisfação do crédito do exequente de maneira mais eficaz.

Por exemplo, em casos onde o arrematante já está imitido na posse do bem e não há débitos pendentes ou penhoras sobre o imóvel, a jurisprudência do TJ/SP tem decidido pela possibilidade de levantamento sucessivo das parcelas depositadas. A decisão se justifica pela ausência de complicadores que possam inviabilizar a restituição dos valores em caso de resolução da arrematação, permitindo ao exequente obter os recursos devidos sem a necessidade de aguardar a quitação integral da arrematação.

Portanto, quando não há outras constrições, a possibilidade de levantamento antecipado das parcelas pagas em arrematação parcelada encontra suporte na jurisprudência do TJ/SP, alinhando-se com a finalidade do processo executivo de satisfazer o crédito do exequente de forma rápida e eficiente.

III. Conclusão

A análise dos dispositivos legais e da jurisprudência do TJ/SP demonstra que a possibilidade de levantamento antecipado das parcelas pagas em arrematação parcelada é uma questão complexa, sujeita a diversas interpretações e circunstâncias específicas do caso concreto.

O art. 895, § 9º, do CPC/15 estabelece que os pagamentos feitos pelo arrematante pertencem ao exequente até o limite do seu crédito, criando uma base legal para o levantamento antecipado dos valores. No entanto, a aplicação prática desse dispositivo depende da ausência de outras constrições sobre o imóvel arrematado, como penhoras ou indisponibilidades registradas na matrícula, que possam complicar a devolução dos valores em caso de inadimplemento.

A jurisprudência do TJ/SP tem mostrado flexibilidade em situações onde não há concorrência de credores ou outros ônus sobre o bem, permitindo a liberação imediata dos valores depositados pelo arrematante. Essa tendência alinha-se com a finalidade da execução de satisfazer o crédito do exequente de maneira célere e eficiente, respeitando ao mesmo tempo a segurança jurídica do procedimento de arrematação.

Em contrapartida, quando o imóvel arrematado possui outras constrições, o Tribunal tende a adotar uma postura mais cautelosa, negando o levantamento antecipado para evitar dificuldades na restituição dos valores em caso de resolução da arrematação. Esse posicionamento visa proteger os interesses de todos os credores e garantir a justiça no processo executivo.

Portanto, a (im)possibilidade de requerer o levantamento antecipado de parcelas em arrematação parcelada deve ser analisada à luz das particularidades de cada caso, considerando a existência ou não de constrições sobre o imóvel. A jurisprudência do TJ/SP, ao permitir a liberação dos valores em contextos específicos, reforça a necessidade de uma interpretação equilibrada que atenda tanto aos interesses do exequente quanto à segurança do procedimento de arrematação.

Thyago Garcia

VIP Thyago Garcia

Advogado, Sócio-Fundador do escritório "Garcia Advogados", Diretor da OAB/PG, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/UniSantos.

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