Um novo paradigma nos contratos empresariais (parte 2) - Acordos de confidencialidade
Como os contratos de SPA vêm modificando a estrutura dos contratos empresariais, aproximando-os dos modelos americanos de contrato.
quinta-feira, 8 de agosto de 2024
Atualizado às 07:50
Quem tem informação tem o mundo. Em dias de inteligência artificial generativa, essa máxima se torna cada vez mais presente nas nossas demandas diárias, sobretudo nas nossas negociações. Ah, se soubéssemos o quanto um vendedor está disposto a baixar o preço de algo que estamos interessados. Ou como seria bom se tivéssemos a informação de que valor uma empresa está disposta a gastar com um contrato de honorários. Mas a vida está repleta de assimetria de informações e jogamos mais com a nossa intuição do que efetivamente com nossa racionalidade nas negociações.
A existência dos contratos para além da estabilidade das intempéries futuras se justifica na diminuição da assimetria de informações.
Em negociações que envolvem a aquisição de participações acionárias em empresas (contratos de SPA), conhecer aquilo que se está interessado é fundamental nas tomadas de decisão. Antes, portanto, de se bater o martelo da aquisição, números são levantados, balanços dissecados, segredos tecnológicos revelados. Obviamente, caso a aquisição não aconteça, a parte que pretendia adquirir participação na empresa reveladora sairá com vantagem pelo acesso às informações de uma estrutura econômica que provavelmente atua no seu ramo de atividade. Para proteger aquelas empresas que, no curso de um processo de fusão ou aquisição, abriam sua caixa de segredos surgiram os acordos de confidencialidade.
Os acordos de confidencialidade podem vir em uma cláusula específica no seio do contrato de aquisição (SPA) ou ser um acordo específico que antecede o contrato principal, dentro da percepção de uma estrutura processual contratual.
A estrutura de um contrato de confidencialidade ou (Non Disclosure Agreement, na linguagem dos M&A) foca sobretudo na responsabilidade em se conhecer a estrutura da parte reveladora e nas penalidades que advirão caso a confidencialidade não seja respeitada.
Conforme Kesan e Hayes (2012), "NDAs são instrumentos cruciais para a proteção da propriedade intelectual e do capital intelectual das empresas, especialmente em setores tecnológicos onde a inovação é um diferencial competitivo" (Kesan & Hayes, 2012, p. 143).1
Essa perspectiva é corroborada por Dreyfuss (2013), que destaca que "os NDAs estabelecem um ambiente de confiança, essencial para colaborações e parcerias estratégicas, ao assegurar que as informações compartilhadas serão mantidas em sigilo"2 (Dreyfuss, 2013, p. 98).3
A estrutura de um acordo ou contrato de confidencialidade, em linhas gerais, segue um padrão pré-determinado na práxis contratual que pode ser dividida da seguinte forma:
- Definição de informações confidenciais: É crucial definir claramente o que constitui informação confidencial. Isso pode incluir dados técnicos, planos de negócios, listas de clientes, e qualquer outro tipo de informação que a parte reveladora deseja proteger.
- Obrigações das partes: Especificar as obrigações de confidencialidade, incluindo a forma como as informações devem ser protegidas e as circunstâncias sob as quais podem ser divulgadas.
- Duração do acordo: Determinar o período durante o qual o NDA estará em vigor. A duração pode variar dependendo da natureza da informação e do propósito do acordo.
- Exceções à confidencialidade: Incluir exceções que permitem a divulgação de informações confidenciais sob certas condições, como por exigência legal ou quando a informação já é de domínio público.
- Consequências do descumprimento: Definir as penalidades e medidas de reparação em caso de violação do acordo. Isso pode incluir indenizações, medidas cautelares e outras formas de compensação.
Com o crescimento exponencial da importância dos dados empresariais na atividade econômica atual, os acordos de confidencialidade vão ser utilizados em outros tipos de contratos que antes não se serviam dessa proteção. Assim, podemos visualizar, cada vez mais, a utilização dos acordos em contratos de distribuição, de representação comercial, de compra de estabelecimento, de franquia, de licença de software, de desenvolvimento de tecnologia e até mesmo em relações contratuais regidas pela legislação especial do trabalho.
Normalmente, a proposta de um acordo de confidencialidade se dá previamente à negociação do objeto principal do processo contratual. Assim, embora há muito tempo já constassem cláusulas de confidencialidade em contratos que gerassem transferência de conhecimento para a parte receptora das informações, a prática de torná-lo um pré-contrato dentro do processo de contratação, espelhando os processo de aquisições societárias é bem mais recente, e sua linguagem reflete o impacto que os acordos de fusão e aquisição, notadamente no modelo americano, vêm causando na práxis contratual.
A grande questão que a normalização desses tipos contratuais traz é sobre sua exequibilidade. Seria apenas um mecanismo de efeitos psicológicos ou uma garantia indenizatória em caso de infringência dos seus termos? A literatura específica é concorde que a grande dificuldade acerca da exequibilidade do contrato de confidencialidade é a comprovação da utilização dos segredos revelados para benefício próprio, o que configuraria concorrência desleal.
Uma prática bastante comum de descumprimento de acordo de confidencialidade é o desvio de clientela e cooptação de funcionários da parte reveladora. Nesse caso, há uma maior facilidade de se comprovar a quebra da promessa contratual e consequente pedido ou de indenização ou da execução da cláusula que prevê a multa penal.
Todavia comprovar que uma determinada empresa está utilizando um know-how específico em função de conhecimento que lhe foi revelado sobre o pálio não é uma tarefa fácil processualmente falando. Por isso, o acompanhamento do tráfego de informações durante a incidência do acordo de confidencialidade é essencial para que o acordo de confidencialidade não seja uma etapa nula dentro de um complexo processo de contratação.
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1 Kesan, J. P., & Hayes, C. (2012). Technological Innovation and Intellectual Property. Springer