O caso Diário de Pernambuco: autoria do atentado de Guararapes ainda era incerta
Se até o guardião da Constituição viu negligência onde não havia, como será a aplicação desse precedente pelas instâncias ordinárias?
quarta-feira, 7 de agosto de 2024
Atualizado às 07:31
Encontra-se na pauta de julgamentos de hoje do STF o processo em que se discute a responsabilidade da imprensa por fala do entrevistado. A edição de 15/5/95 do jornal Diário de Pernambuco veiculou entrevista, com Wandenkolk Wanderley, ex-agente do regime militar, conduzida pelo jornalista Selênio Homem, ícone da imprensa pernambucana. Na décima pergunta, de um total de 18, o entrevistador indagou a respeito do atentado do aeroporto de Guararapes, ocorrido em 1966 e que tinha como alvo o marechal Costa e Silva, então "candidato" à sucessão de Castello Branco na Presidência. Especificamente, foi perguntado se Wanderley acreditaria na versão, divulgada anteriormente por Paulo Cavalcanti, de que grupo do próprio Exército planejara o atentado. O entrevistado respondeu que não e que o responsável teria sido o então ativista Ricardo Zarattini Filho.
Em razão desse trecho da entrevista, Zarattini processou o jornal. O processo subiu até o Supremo, que, por maioria, considerou devida a indenização. Isso sob o entendimento de que, à época da divulgação, já se tinha certeza da falsidade da acusação (RE 1.075.412/PE, Redator para acórdão ministro Edson Fachin - Tema 995 da Repercussão Geral). Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber.
No entanto, em embargos de declaração ainda pendentes de julgamento, o Diário de Pernambuco (TJ/PE) demonstrou que o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco teve como certo o fato de que, à data da divulgação da entrevista, ainda não se tinha certeza da inocência de Zarattini. É verdade que o juiz de primeiro grau dissera o contrário. Mas, como se sabe, a moldura fática a ser considerada no julgamento do recurso especial e do recurso extraordinário é a do Tribunal de Justiça, não a da sentença reformada em segunda instância.
Demonstrou-se, ainda, nos declaratórios, que a versão fática delineada pelo TJ/PE é a correta. O fator decisivo para o esclarecimento do atentado foi a edição de 23/7/95 do Jornal do Commercio (dois meses após a entrevista de Wanderley). Essa reportagem, que tinha como manchete "Atentado à bomba no Guararapes tem nova versão 29 anos depois", veiculou ampla investigação sobre o episódio e concluiu, a partir de "documentos inéditos de ex-dirigentes", que "Ricardo Zarattini e Edinaldo Miranda estavam certos".
Na própria biografia autorizada de Zarattini (Zarattini: a paixão revolucionária, Ed. Ícone, 2006, p. 76), por ele próprio prefaciada, afirma-se que a matéria do Jornal do Commercio - "uma das melhores peças do jornalismo investigativo brasileiro" - foi "decisiva para esclarecer a verdade do atentado".
Da mesma forma, a edição de 23/7/1995 do Jornal do Commercio reconhece que, "pela primeira vez", foi possível obter "pistas que podem chegar aos verdadeiros autores do atentado". E que "até agora (isto é, 23/7/1995), dois ex-militantes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), os engenheiros Ricardo Zarattini Filho e Edinaldo Miranda, eram os únicos acusados formais de jogar a bomba". E termina o Jornal do Commercio: "reforçada por depoimentos inéditos de ex-dirigentes da própria AP, a reportagem leva a uma conclusão: Ricardo Zarattini e Edinaldo Miranda estavam certos" (p. 6).
Isso significa que o primeiro trabalho conclusivo a respeito do atentado e da inocência de Zarattini não existia à época da publicação da entrevista pelo Diário de Pernambuco (15/5/1995). Antes de 23/7/95, não era possível saber do acerto ou do equívoco da opinião do entrevistado.
Convém deixar claro: nos dias de hoje, inexiste qualquer dúvida quanto à inocência de Ricardo Zarattini Filho, personagem da história brasileira que tem a nossa admiração. O que se defende, a partir de elementos históricos, é que, em maio de 1995, essa ainda não era a realidade.
O caso do Diário de Pernambuco, portanto, não é um caso de negligência e, muito menos, de culpa grave. Por isso, escancara um problema que está por vir, mesmo que a redação da tese de RG seja aperfeiçoada pela Corte: se até o Supremo, o próprio guardião da Constituição, viu negligência onde não havia, como será a aplicação desse precedente pelas instâncias ordinárias? No julgamento dos embargos de declaração, o Supremo terá a oportunidade de corrigir a injustiça, como também de aperfeiçoar a redação da tese em favor da liberdade de imprensa.
Carlos Mário Velloso Filho
Advogado do Diário de Pernambuco.
João Carlos Banhos Velloso
Advogado do Diário de Pernambuco.