Lei 14.879/24 - Novo requisito da eleição de foro e a prática abusiva no ajuizamento de ação em juízo aleatório
A lei 14.879/24, em vigor desde 4/6/24, exige que a eleição de foro, além de ser escrita e específica, tenha vínculo com o domicílio das partes ou o local da obrigação. A exceção é para o consumidor, que pode ajuizar no seu domicílio.
quarta-feira, 7 de agosto de 2024
Atualizado às 08:05
No dia 4/6/24 entrou em vigor a lei 14.879/24 que alterou o art. 63, parágrafo 1º e incluiu o parágrafo 5º com a seguinte redação:
"Art. 63. ............................................................................................................................
§ 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor.
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§ 5º O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício." (NR)
A alteração se deu para incluir no parágrafo primeiro do referido artigo um terceiro requisito para a eleição do foro. Assim, além de ser feita por instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico, agora, também é necessário que a eleição do foro guarde pertinência com domicílio das partes, ou com o local da obrigação. Ou seja, deverá existir um efetivo vínculo jurídico com a comarca eleita para dirimir a questão.
A lei ressalva as hipóteses de competência previstas pela lei consumerista, quando favorável ao Consumidor, ou seja, permanece a possibilidade de ajuizamento da demanda no foro do domicílio da parte vulnerável quando aplicável a norma consumidora.
Antes da nova previsão legal, as partes poderiam eleger aleatoriamente o foro para resolução da demanda e escolher qualquer um em território nacional que pudesse lhe favorecer, prejudicar a outra parte ou oferecer alguma outra vantagem, como a celeridade processual ou a demora na resolução da demanda.
A nova norma legal teve como origem o PL 1.803/23 de autoria do deputado federal Rafael Prudente, o qual seguiu regularmente todos as etapas do processo legislativo.
Em sua justificativa, o Deputado ressalta a importância da inclusão dos dispositivos na Legislação Processual:
"Embora o Código de Processo Civil autorize a eleição de foro, tal escolha não pode ser aleatória e abusiva, sob pena de violação da boa-fé objetiva, cláusula geral que orienta toda a sistemática jurídica. Ademais, além do aspecto intersubjetivo, convém rememorar que o exercício da autonomia privada encontra limites no interesse público, que planeja e estrutura o Poder Judiciário de acordo com o contingente populacional e com as peculiaridades locais (art. 93, XIII, da CRFB).
Portanto, a cláusula de eleição de foro deve ser usada com lealdade processual. Ocorre, contudo, que essa não tem sido a realidade prática. A título de exemplo, o TJ/DF, que conquistou prêmio inédito de melhor tribunal do Poder Judiciário brasileiro (Prêmio CNJ de Qualidade, na categoria Excelência), vem recebendo uma enxurrada de ações decorrentes de contratos que elegeram o Distrito Federal como foro de eleição para julgamento da causa, mesmo sem qualquer relação do negócio ou das partes com a localidade, pelo fato de que, no TJ/DF, os processos tramitam mais rápido do que na maior parte do país."
Apesar de já existir jurisprudência1 declinando a competência e indicando a abusividade na cláusula de eleição de foro, verifica-se a importância de um dispositivo legal, determinando a prática abusiva, a fim de coibir a deturpação do instituto e mantendo a igualdade entre tribunais.
Ademais, evita a sobrecarga em locais específicos que são alvo da prática abusiva e evita o julgamento desigual por juiz não conhecedor das peculiaridades das partes ou da obrigação, vez que totalmente alheia a sua área de atuação territorial.
Outra alteração trazida pela lei, é a inclusão do parágrafo 5º ao art. 63, o qual passou a estabelecer que o ajuizamento de ação em foro aleatório e sem vínculo com as partes ou com a obrigação será considerada prática abusiva pelas partes e que justificará a declinação de competência de ofício. Isso significa que há uma nova hipótese de incompetência absoluta prevista na lei processual.
A redação anterior dos parágrafos anteriores já estabelecia a prática abusiva na eleição de foro aleatório, mas não previa a possibilidade de reconhecimento de ofício da abusividade. Ainda, nos parece que o parágrafo vai mais além do que apenas a eleição de foro, pois prevê que o ajuizamento de ação em juízo aleatório constitui prática abusiva.
Isto é, o ajuizamento de qualquer ação, sem vinculação com o domicílio ou residência das partes ou com o negócio jurídico da demanda (ressalvadas as demais hipóteses de competência), será considerada abusiva e justificará a declinação de competência.
A título de exemplo, o ajuizamento de demandas por Fundações/Associações de pessoas não domiciliadas em determinada Comarca, também caracterizaria a prática abusiva com a consequente declinação da competência de ofício pelo juízo.
Portanto, a nova lei positiva o posicionamento que já vem sendo adotado pelos Tribunais e Corte Superior2, quanto a abusividade de uma escolha aleatória seja para eleição de foro, seja para o ajuizamento da ação, determinação que é bem-vinda e promete um tratamento mais igualitário entre as partes.
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1 AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO ENTRE PESSOAS JURÍDICAS. SHOPPING CENTER. FORO DE ELEIÇÃO. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. DECLÍNIO DE OFÍCIO. EXCEPCIONALIDADE. ALEATORIEDADE DO FORO ELEITO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Trata-se de recurso contra decisão que, em execução de título extrajudicial, declinou, de ofício, da competência e determinou a remessa dos autos à comarca de Valparaíso de Goiás/GO, local do domicílio das partes e onde haveria sido realizado o negócio jurídico objeto da lide, ante o reconhecimento da abusividade da cláusula de eleição de foro. 2. Verifica-se a natureza civil/empresarial e não consumerista da relação jurídica, haja vista os autos tratarem de execução de título extrajudicial em que se busca a satisfação de obrigação de pagar decorrente de contrato de locação de loja em shopping center. 3. A competência territorial possui natureza relativa e desautoriza o seu declínio de ofício pelo julgador, conforme enunciado da súmula n. 33 do c. STJ. Contudo, se revelado, no caso analisado, escolha abusiva, em preterição à boa-fé objetiva e ao princípio do juiz natural, a situação jurídica é distinta e, desse modo, deve ser juridicamente considerada. 4. Na hipótese, tanto a pessoa jurídica credora, quanto a devedora, possuem domicílio na cidade de Valparaíso/GO. Do mesmo modo, o imóvel objeto do contrato de locação encontra-se localizado no referido município, bem como o negócio jurídico foi pactuado nessa localidade. Ademais, sequer os advogados que representam a parte exequente/agravante possuem vínculo no Distrito Federal. Inexiste, assim, justificativa jurídica hábil ao ajuizamento da demanda em Brasília. 5. A despeito de o art. 63 do CPC autorizar a eleição do foro pelas partes, a escolha não deve ser aleatória, em desconsideração à boa-fé objetiva e ao princípio do juiz natural, sob pena de abuso de direito (no art. 5º do CPC c/c art. 187 do CC). 6. A situação demonstrada de escolha aleatória, abusiva e sem amparo normativo adequado, em preterição ao juiz natural, permite o distinguishing e a não aplicação do enunciado n. 33 do c. STJ, diante dos fundamentos e ratio decidendi diversos da aludida súmula. Precedentes deste Tribunal. 7. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF 07154238420238070000 1733379, Relator: SANDRA REVES, Data de Julgamento: 19/07/2023, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 03/08/2023)
2 PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA REQUERIDA POR SUBSTITUTO PROCESSUAL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. PRESCRIÇÃO. LIQUIDAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. COMPETÊNCIA. FORO DO DOMICÍLIO DOS BENEFICIÁRIOS OU DO LOCAL EM QUE PROFERIDO O TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. 1. Ação civil pública, em fase de cumprimento individual de sentença, na qual se discute expurgos inflacionários. 2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, o cumprimento individual de sentença decorrente da ação civil pública nº 1998.01.1.016798-9, a qual determinou como devidas as diferenças decorrentes de expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança mantidas pelo Banco do Brasil, pode ser processado perante o Juízo de domicílio dos beneficiários ou no Distrito Federal. 4. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado - quando suficiente para a manutenção de suas conclusões - impede a apreciação do recurso especial. 5. Agravo conhecido. Recurso especial conhecido em parte e, nesta extensão, provido. (STJ - AResp Nº 2508163 - AL (2023/0409382-1). RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI. AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL AS. AGRAVADO: INCPP - INSTITUTO NACIONAL DOS INVESTIDORES EM CADERNETA DE POUPANÇA E PREVIDENCIA. Publicação: quarta-feira, 06 de março de 2024. JULG 05/03/2024).
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Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14879.htm
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2355765
Ariadne Piovesan Dalla Palma
Associada ao Pereira Gionédis Advogados.