O desafio de alinhar impostos com a saúde pública na era dos ultraprocessados: Uma dieta para reforma tributária?
A reforma tributária, em sua essência, não se trata apenas de números e alíquotas; trata-se de valores, de prioridades e, acima de tudo, de visão de futuro. Estamos dispostos a aceitar um sistema que nos conduz por caminhos de morbidade e desigualdade, ou temos a coragem de reivindicar e trabalhar por um sistema que promova a saúde?
quinta-feira, 1 de agosto de 2024
Atualizado às 10:22
No coração da reforma tributária brasileira jaz uma oportunidade sem precedentes para redefinir os contornos da justiça fiscal no país, particularmente no que tange à tributação de alimentos. Essa revisão legislativa, longe de ser meramente técnica, incide diretamente sobre o quotidiano da população, influenciando desde o custo de vida até a saúde pública. O projeto de reforma tributária, ao propor a reestruturação dos sistemas de impostos, abre caminho para discussões fundamentais sobre o papel dos alimentos na sociedade e, mais especificamente, sobre como os regimes tributários podem incentivar ou desincentivar hábitos alimentares saudáveis.
Neste cenário, a proposta de regimes diferenciados de tributação para alimentos essenciais é emblemática. Ao conceder reduções tributárias significativas a determinados bens e serviços, o legislador tem a oportunidade de promover uma alimentação mais saudável e acessível. No entanto, a falta de definição clara sobre quais alimentos se qualificam para esses benefícios tributários levanta questões críticas. Alimentos ultraprocessados, apesar de sua notória relação com doenças crônicas não transmissíveis, podem inadvertidamente se beneficiar dessa redução tributária, em detrimento da saúde pública.
A reforma sugere, adicionalmente, a introdução de um Imposto Seletivo, visando desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde, como bebidas alcoólicas e tabaco. Porém, a exclusão dos ultraprocessados deste regime seletivo representa uma contradição preocupante. Esta omissão não apenas falha em desincentivar o consumo de alimentos prejudiciais à saúde mas também ignora o crescente corpo de evidências que associa o consumo desses produtos a uma série de problemas de saúde.
Portanto, a reforma tributária, tal como apresentada, encontra-se em uma encruzilhada crítica. Por um lado, ela tem o potencial de ser um instrumento poderoso para a promoção da saúde pública, alinhando o sistema tributário com os objetivos de segurança alimentar e nutricional. Por outro, a falta de clareza e especificidade em suas disposições sobre a tributação de alimentos pode resultar em desfechos que contrariam esses mesmos objetivos. Este é o momento para uma análise cuidadosa e um debate informado, onde os impactos potenciais da reforma sobre a alimentação da população e a saúde pública devem ser minuciosamente examinados.
O papel dos alimentos na sociedade e saúde pública
A relevância dos alimentos transcende sua função básica de nutrição. Eles são, indubitavelmente, um dos pilares fundamentais da saúde pública e do bem-estar social, configurando-se como um determinante social da saúde que afeta direta e indiretamente a qualidade de vida das populações. Na tessitura da reforma tributária, a forma como os alimentos são categorizados e tributados pode influenciar substancialmente os padrões de consumo da sociedade, promovendo ou desestimulando determinadas escolhas alimentares.
Neste contexto, a distinção entre alimentos in natura, processados e ultraprocessados assume uma importância crucial. Alimentos frescos e minimamente processados são amplamente reconhecidos por seus benefícios à saúde, fornecendo nutrientes essenciais e contribuindo para dietas equilibradas e saudáveis. Em contrapartida, o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, caracterizados por altos níveis de açúcares, gorduras saturadas, sal e aditivos químicos, tem sido consistentemente associado ao aumento do risco de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer.
A reforma tributária, ao prever regimes diferenciados de tributação para alimentos essenciais, lança um debate essencial sobre quais produtos devem ser considerados benéficos ou nocivos à saúde pública. A inclusão de ultraprocessados em categorias beneficiadas por reduções fiscais pode representar um retrocesso na luta contra epidemias de doenças relacionadas à alimentação. Essa escolha legislativa tem o potencial de alterar o ambiente alimentar, tornando alimentos prejudiciais mais acessíveis e atraentes financeiramente, em detrimento de opções mais saudáveis.
Portanto, é imperativo que a reforma tributária seja conduzida com uma compreensão profunda do papel que os alimentos desempenham na sociedade e na saúde pública. Atribuir benefícios fiscais a alimentos ultraprocessados não apenas contradiz as evidências científicas sobre nutrição e saúde pública, mas também ignora o potencial de políticas tributárias como ferramentas para promover uma alimentação saudável e combater a insegurança alimentar. Uma abordagem tributária que priorize alimentos nutritivos e minimize incentivos a produtos ultraprocessados pode contribuir significativamente para a melhoria dos padrões de saúde da população, reduzindo a carga das doenças crônicas e promovendo a equidade em saúde.
A controvérsia dos regimes diferenciados
Alimentos ultraprocessados representam uma categoria distinta no espectro alimentar, caracterizada pela alta quantidade de aditivos, processamento extensivo e composição nutricional muitas vezes questionável. Estes produtos são formulados predominantemente ou inteiramente a partir de substâncias derivadas de alimentos e aditivos, com pouca ou nenhuma proporção de alimentos in natura. O processo de ultraprocessamento visa aumentar a durabilidade dos produtos, torná-los extremamente palatáveis e práticos, mas frequentemente resulta em alimentos com elevados teores de açúcar, gorduras saturadas e sal.
O impacto dos alimentos ultraprocessados na saúde pública é amplamente documentado e constitui uma crescente preocupação entre profissionais da saúde e pesquisadores. A correlação entre o consumo regular desses produtos e o aumento significativo no risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, e certas formas de câncer está bem estabelecida na literatura científica. Tais doenças não só comprometem a qualidade de vida dos indivíduos afetados mas também impõem um pesado ônus aos sistemas de saúde públicos e privados.
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