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Moratórias e precatórios: Estados e municípios e a crescente dívida pública

Desde 1988, o Brasil teve seis moratórias de precatórios devido ao endividamento público, com a PEC 66/23 atualmente em discussão. A primeira moratória foi estabelecida pela CF/88, permitindo o parcelamento de precatórios em até oito anos, devido à hiperinflação e crise fiscal da época.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Atualizado às 10:26

A história das moratórias de precatórios no Brasil é marcada por uma série de emendas constitucionais que visaram solucionar o crescente problema do endividamento público. Desde a promulgação da Constituição de 1988 até os dias atuais, foram seis moratórias em 36 anos, e uma nova emenda, a PEC 66/23, está em pauta no Congresso. Cada uma dessas emendas trouxe consigo um conjunto de repercussões políticas, econômicas e sociais. Vamos explorar cada uma dessas moratórias, suas aprovações e as reações que suscitaram, destacando os impactos nas finanças dos estados e municípios.

Primeira moratória: Constituição de 1988

A primeira moratória de precatórios foi introduzida pela própria CF/88, através do art. 33 do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Esta medida permitiu o parcelamento dos precatórios pendentes em até oito anos, a partir de 1/7/89. A decisão foi motivada pelo acúmulo de precatórios não pagos, exacerbado pela hiperinflação e pela interpretação equivocada da Constituição de 1967.

O contexto político e econômico do Brasil em 1988 era de transição e incerteza. O país estava saindo de um regime militar que durou 21 anos e se encaminhando para a redemocratização. A economia brasileira enfrentava uma crise severa, marcada por hiperinflação, que chegou a atingir taxas anuais superiores a 1000%, e um déficit fiscal crescente. A nova Constituição, promulgada em 5/10/88, buscava estabelecer um novo marco jurídico e institucional para o país, promovendo a descentralização do poder e a garantia de direitos sociais e econômicos. No entanto, a situação fiscal dos estados e municípios era crítica, com muitos entes subnacionais incapazes de honrar suas dívidas, incluindo os precatórios.

A aprovação desta moratória foi vista como uma tentativa necessária de lidar com a crise fiscal que assolava os entes subnacionais. No entanto, a medida também gerou críticas por parte dos credores, que viam seus direitos sendo postergados. A imprensa da época destacou a necessidade de um equilíbrio entre a responsabilidade fiscal e o respeito aos direitos adquiridos. A moratória foi recebida com alívio por muitos gestores públicos, que viam nela uma oportunidade de reorganizar as finanças estaduais e municipais. 

A moratória de 1988, embora necessária, não conseguiu resolver o problema estrutural do endividamento público. A postergação dos pagamentos, embora tenha proporcionado um alívio temporário, não abordou as causas subjacentes do endividamento público e da má gestão financeira. A realidade mostrou que as medidas adotadas foram insuficientes para resolver o problema de forma sustentável, e o estoque de precatórios continuou a crescer nos anos seguintes.

Segunda moratória: EC 30/00

Em setembro de 2000, a Emenda Constitucional nº 30 estabeleceu um novo prazo de dez anos para a quitação dos precatórios pendentes até a publicação da emenda. O art. 78 do ADCT detalhou as condições de pagamento, permitindo o parcelamento de precatórios vencidos em até 10 anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas.

O país havia passado pelo Plano Real em 1994, que conseguiu controlar a hiperinflação e estabilizar a economia. No entanto, a década de 1990 foi marcada por crises financeiras internacionais, como a crise asiática de 1997 e a crise russa de 1998, que afetaram o Brasil. O governo de Fernando Henrique Cardoso estava em seu segundo mandato e focava em reformas estruturais, incluindo a privatização de empresas estatais e a reforma da previdência. Apesar dos avanços, a dívida pública continuava a ser um desafio significativo, e muitos estados e municípios ainda enfrentavam dificuldades fiscais, com um acúmulo crescente de precatórios não pagos.

A aprovação desta emenda foi recebida com alívio por muitos gestores públicos, que viam nela uma oportunidade de reorganizar as finanças estaduais e municipais. A medida foi considerada uma tentativa de dar um fôlego aos entes subnacionais, permitindo que eles pudessem planejar melhor seus orçamentos e cumprir suas obrigações financeiras. No entanto, a medida também foi alvo de ações judiciais.

Em 2010, o STF suspendeu a aplicação do art. 78 do ADCT, na Medida Cautelar nas ADIs - Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.356 e 2.362. O art. 78, acrescentado pela Emenda Constitucional 30/00, O STF argumentou que o parcelamento violava direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a independência do Judiciário.

A decisão do STF gerou um debate intenso sobre a necessidade de equilibrar a responsabilidade fiscal com a proteção dos direitos dos credores. A imprensa da época destacou a complexidade da situação, com muitos analistas apontando que a medida, embora bem-intencionada, não abordava as causas estruturais do endividamento público. A postergação dos pagamentos, mais uma vez, proporcionou um alívio temporário, mas não resolveu o problema de forma sustentável. O estoque de precatórios continuou a crescer, e a má gestão financeira dos entes subnacionais permaneceu um desafio significativo.

A Emenda Constitucional 30/00, assim como a moratória anterior, mostrou que soluções paliativas não são suficientes para lidar com a questão dos precatórios. É necessário um compromisso de longo prazo e a implementação de medidas estruturais para garantir a sustentabilidade fiscal e a efetividade dos direitos dos credores.

Terceira moratória: EC 62/09

A EC 62/09 introduziu um prazo de quinze anos para o pagamento dos precatórios e criou um regime especial com sanções para o descumprimento. Esta emenda foi uma tentativa de solucionar o problema do crescente endividamento com precatórios.

O contexto político e econômico de 2009 era marcado pela recuperação da crise financeira global de 2008, que havia abalado economias ao redor do mundo. No Brasil, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva estava em seu segundo mandato, e o país começava a sentir os efeitos das políticas anticíclicas adotadas para mitigar os impactos da crise. O Brasil havia implementado medidas de estímulo fiscal e monetário, que ajudaram a manter a economia relativamente estável. No entanto, a dívida pública e os desafios fiscais continuavam a ser questões prementes. A aprovação da EC 62/09 ocorreu em um momento em que havia uma necessidade urgente de reorganizar as finanças públicas e encontrar soluções para o acúmulo de precatórios não pagos.

A aprovação desta emenda gerou um misto de esperança e ceticismo. Por um lado, havia a expectativa de que o regime especial pudesse finalmente resolver a questão dos precatórios. A criação de um prazo de quinze anos para o pagamento e a introdução de sanções para o descumprimento foram vistas como medidas robustas para enfrentar o problema. Gestores públicos e analistas financeiros esperavam que a emenda proporcionasse um alívio significativo e uma reorganização das finanças dos entes subnacionais.

Por outro lado, a decisão do STF em 2013, que declarou parcialmente inconstitucional o regime especial instituído pela EC 62/09, trouxe incertezas e obrigou uma nova reavaliação das medidas adotadas. O STF argumentou que o regime especial violava princípios constitucionais, como o direito adquirido e a independência do Judiciário. A decisão do STF gerou um debate intenso sobre a necessidade de equilibrar a responsabilidade fiscal com a proteção dos direitos dos credores.

A imprensa da época destacou a complexidade da situação, com muitos analistas apontando que a medida, embora bem-intencionada, não abordava as causas estruturais do endividamento público. A postergação dos pagamentos, mais uma vez, proporcionou um alívio temporário, mas não resolveu o problema de forma sustentável. O estoque de precatórios continuou a crescer, e a má gestão financeira dos entes subnacionais permaneceu um desafio significativo.

Quarta moratória: EC 94/16

A EC 94/16 prorrogou o prazo para quitação dos precatórios até 31/12/20, reformulando o regime especial conforme as diretrizes do STF. A aprovação desta emenda ocorreu em um contexto político e econômico bastante conturbado no Brasil. Em 2016, o país estava imerso em uma profunda crise política, marcada pelo impeachment do então presidente Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer à presidência. A economia brasileira enfrentava uma das piores recessões de sua história, com queda do PIB, aumento do desemprego e uma crise fiscal que afetava todos os níveis de governo. A necessidade de reorganizar as finanças públicas e encontrar soluções para o acúmulo de precatórios não pagos era urgente, e a EC 94/16 surgiu como uma resposta a essa situação crítica.

A aprovação desta emenda foi vista como uma tentativa de adequar a legislação às decisões do STF, mas também gerou críticas por perpetuar a postergação dos pagamentos. Credores e analistas econômicos alertaram para os riscos de uma crise de confiança no sistema de precatórios. A medida foi recebida com ceticismo por muitos, que viam nela mais uma solução paliativa que não abordava as causas estruturais do endividamento público.

A imprensa destacou que, embora a emenda buscasse cumprir as diretrizes do STF e proporcionar um alívio temporário aos entes subnacionais, ela não resolvia de forma sustentável o problema dos precatórios. O estoque de dívidas continuava a crescer, e a má gestão financeira dos estados e municípios permanecia um desafio significativo. A postergação dos pagamentos, mais uma vez, proporcionou um alívio temporário, mas não abordou as questões fundamentais que causavam o acúmulo de precatórios.

Quinta moratória: EC 99/17

A EC 99/17 estendeu o prazo para quitação dos precatórios até 31 de dezembro de 2024, mantendo a estrutura de pagamento mensal em conta especial administrada pelo Tribunal de Justiça local. Em 2017, o país ainda enfrentava os resquícios da crise econômica que havia começado em 2014, com uma lenta recuperação do PIB e altos índices de desemprego. O governo de Michel Temer, que assumiu após o impeachment de Dilma Rousseff, buscava implementar reformas estruturais para estabilizar a economia, como a reforma trabalhista e a tentativa de reforma da previdência. No entanto, a crise fiscal continuava a ser um problema significativo, com estados e municípios enfrentando dificuldades para equilibrar suas contas e honrar suas dívidas, incluindo os precatórios.

A aprovação desta emenda foi recebida com críticas por parte dos credores, que viam seus direitos sendo continuamente adiados. A imprensa destacou a necessidade de uma solução definitiva para a questão dos precatórios, que não fosse baseada em sucessivas prorrogações. A medida foi vista como mais uma tentativa de ganhar tempo, sem abordar as causas estruturais do endividamento público.

Credores e analistas econômicos expressaram preocupação com a perpetuação da insegurança jurídica e a falta de previsibilidade no pagamento dos precatórios. A postergação dos pagamentos, embora proporcionasse um alívio temporário para os entes subnacionais, não resolvia de forma sustentável o problema. A confiança no sistema de precatórios continuava abalada, e a imagem do Brasil como um país que respeita os direitos dos credores e as decisões judiciais estava em risco.

Sexta moratória: EC 109/21

A EC 109/21 fixou a data limite de pagamento dos precatórios para 31/12/29. A aprovação desta emenda ocorreu em um contexto político e econômico extremamente desafiador para o Brasil. Em 2021, o país ainda enfrentava os impactos devastadores da pandemia de COVID-19, que havia exacerbado a crise econômica e social. O governo de Jair Bolsonaro estava sob intensa pressão para equilibrar as contas públicas enquanto lidava com a necessidade de financiar programas de auxílio emergencial e outras medidas de suporte econômico. A crise dos precatórios, que até então afetava principalmente estados e municípios, atingiu também a União, resultando na promulgação das Emendas Constitucionais 113/21 e 114/21. Estas emendas impuseram um subteto de gastos orçamentários com precatórios até 2026, refletindo a urgência de controlar o endividamento público em um cenário de restrições fiscais severas.

A aprovação desta emenda gerou um debate intenso sobre a sustentabilidade fiscal e a necessidade de proteger os direitos dos credores. A crise dos precatórios federais trouxe à tona a urgência de uma reforma mais ampla e estruturada, que pudesse garantir o equilíbrio entre responsabilidade fiscal e justiça social. Credores, juristas e economistas expressaram preocupações sobre a perpetuação da insegurança jurídica e a falta de previsibilidade no pagamento dos precatórios. A postergação dos pagamentos, embora proporcionasse um alívio temporário para o governo federal e os entes subnacionais, não resolvia de forma sustentável o problema.

A imprensa destacou que a EC 109/21, ao fixar um prazo mais longo para a quitação dos precatórios, buscava dar um fôlego financeiro ao governo, mas também levantava questões sobre a capacidade do Estado de honrar suas dívidas no longo prazo. 

A crise dos precatórios federais evidenciou a necessidade de uma abordagem mais holística e integrada para resolver o problema. Soluções paliativas, como a postergação dos prazos de pagamento, não são suficientes para lidar com a questão dos precatórios. É necessário um compromisso de longo prazo e a implementação de medidas estruturais para garantir a sustentabilidade fiscal e a efetividade dos direitos dos credores

A evolução das moratórias

Ao longo das últimas três décadas, as moratórias de precatórios foram implementadas com a intenção de aliviar a pressão fiscal sobre estados e municípios. No entanto, o efeito desejado de estabilizar e reduzir o estoque de precatórios não foi alcançado. Pelo contrário, houve uma continuidade no crescimento do estoque de precatórios, e os estados e municípios permanecem mergulhados na má gestão fiscal.

Cada moratória trouxe consigo a promessa de uma solução definitiva, mas a realidade mostrou que as medidas adotadas foram insuficientes para resolver o problema de forma sustentável. A postergação dos pagamentos, embora tenha proporcionado um alívio temporário, não abordou as causas subjacentes do endividamento público e da má gestão financeira.

A análise da evolução do estoque de precatórios municipais e estaduais entre 2015 e 2023, realizada pelo IBP - Instituto Brasileiro de Precatórios com base nos dados do Siconfi, revela tendências importantes e momentos críticos que refletem a complexidade da gestão dessas dívidas no Brasil.

Em 2015, o estoque de precatórios estaduais era de aproximadamente R$ 53 bilhões, enquanto os municipais somavam cerca de R$ 31 bilhões. No ano seguinte, 2016, houve um aumento significativo nos precatórios estaduais, que saltaram para R$ 81,66 bilhões, um crescimento de mais de 54%. Esse aumento pode ser atribuído à acumulação de dívidas e à falta de um regime eficaz de pagamento.

O ano de 2017 marcou uma queda notável no estoque de precatórios estaduais, que caiu para R$ 64,45 bilhões. Essa redução de cerca de 21% pode ser explicada pela implementação da Emenda Constitucional nº 94/2016, que estabeleceu novas regras para o pagamento de precatórios, incluindo a criação de um regime especial de pagamento. Esse esforço concentrado dos estados para reduzir o estoque de precatórios resultou em um pagamento mais acelerado.

Após a queda em 2017, o estoque de precatórios estaduais voltou a crescer, atingindo R$ 70,99 bilhões em 2018 e continuando a aumentar nos anos seguintes. Em 2023, o valor chegou a R$ 108,69 bilhões. Esse crescimento contínuo reflete a dificuldade dos estados em manter um ritmo constante de pagamento, apesar das medidas implementadas.

Os precatórios municipais, por outro lado, mostraram um crescimento mais gradual. Em 2016, o estoque era de R$ 34,19 bilhões, aumentando para R$ 36,97 bilhões em 2017 e continuando a crescer até atingir R$ 58,61 bilhões em 2023. Esse aumento gradual pode ser atribuído a uma gestão mais controlada das dívidas municipais em comparação com as estaduais.

A evolução do estoque de precatórios estaduais e municipais entre 2015 e 2023 destaca a complexidade da gestão dessas dívidas no Brasil. Enquanto as medidas legislativas têm buscado criar um ambiente mais estruturado para o pagamento de precatórios, a realidade financeira dos estados e municípios continua a desafiar a implementação eficaz dessas políticas. 

Gustavo Bachega

VIP Gustavo Bachega

Presidente do Instituto Brasileiro de Precatórios e da Comissão de Precatórios da OAB/SP Pinheiros, CEO do Grupo Bachega sendo Bachega Adv, Original Precatórios, B7 Solutions, B7 Tokens e B33 FIDC.

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