A política legislativa penal em prol da advocacia brasileira
Uma análise do PL 212/24 à luz da racionalidade legislativa.
quarta-feira, 31 de julho de 2024
Atualizado às 13:19
A criação de leis penais é um processo que deve equilibrar a proteção de bens jurídicos e a garantia de direitos fundamentais.
Nesse sentido, a política legislativa penal refere-se ao conjunto de princípios, diretrizes e estratégias adotadas pelo Estado para a criação, modificação e aplicação das leis, visando a prevenção e repressão de crimes, a tutela dos direitos fundamentais e a promoção da justiça social.
Na obra "Teoria da Norma Jurídica" - que ultrapassa décadas mantendo-se atual -, Norberto Bobbio afirma que:
"A norma jurídica é uma regra de conduta obrigatória estabelecida pelo poder público, que regula as relações sociais com o objetivo de manter a ordem e a justiça na sociedade."
Claramente, essa política é essencial para a orientação das ações do legislador, de modo a garantir que tais normas penais sejam efetivas, proporcionais e, sobretudo, em consonância aos valores e necessidades da sociedade.
Justamente ao encontro do que aduz Fábio Roberto D'Avila no livro "Política Criminal: Fundamentos e Propostas", quando diz que:
"A política criminal deve ser entendida como um conjunto de estratégias e ações que visam a prevenção e repressão da criminalidade, bem como a promoção de uma justiça penal equitativa e eficaz."
Nesse encontro, emergiu no ano de 2022 a necessidade de se resguardar a Advocacia por meio de um lastro legislativo penal que trouxesse luz ao relevo constitucional do art. 133 àqueles que são indispensáveis à administração da justiça, os advogados:
"Art. 133 (CF). O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."
Isso, porque ante aos inúmeros e crescentes casos de ataques à Advocacia, o PL 212/24 veio propor alterações nos arts. 121 e 129 do Código Penal - fazendo um importante paralelo ao art. 1º da lei de crimes hediondos -, com o objetivo de incluir homicídios e lesões corporais contra advogados, no exercício de suas funções ou em decorrência delas, como crimes qualificados e hediondos; tornando-os assim, também, imprescritíveis e inafiançáveis.
Eis, portanto, um exemplo contemporâneo que permite realizar esta análise introdutória sobre a política legislativa penal que, neste caso concreto, visa estabelecer normas que protejam não somente os bens jurídicos mais importantes - como a vida e a integridade física não da pessoa física do advogado -, mas também da instituição Advocacia como mantenedora do Estado Democrático de Direito.
Como se aduz na respectiva sugestão legislativa por nós proposta à OAB em 2022 e, no artigo "Projeto de Lei: qualificadoras penais em prol à advocacia brasileira", ratificamos que:
"Por isso, tais fatos não devem ser compreendidos como "crimes simples" (aqueles em que, para o direito, não há um motivo pontual) e, sim, como "crimes qualificados", pois configuram verdadeiros golpes à Justiça em detrimento da motivação específica que, à vista disso, requer e não pode prescindir de novas elementares ao tipo penal culminando na alteração das penas mínima e máxima."
Assim, vê-se que o respectivo projeto de lei se alinha à política mencionada ao refletir um esforço para desestimular condutas criminosas contra a Advocacia e, com isso prover maior segurança a estes profissionais.
Não obstante, a elaboração de leis penais deve ser um processo cuidadoso, guiado pelos princípios de política legislativa penal e racionalidade legislativa onde, de acordo com Ferrajoli (2002):
"O Direito Penal deve ser um instrumento de última ratio, voltado para a proteção de bens jurídicos essenciais e para a defesa dos direitos fundamentais".
Apontando nesse caminho, o PL 212/24 é uma resposta à crescente violência perpetrada contra a Advocacia brasileira. Aqui, segundo Greco (2018):
"A legislação penal deve refletir as demandas sociais por segurança e justiça, ajustando-se às novas realidades e aos novos desafios".
Atributos da chamada "racionalidade legislativa", que reflete à necessidade de que a criação de leis - especialmente no âmbito penal -, seja baseada em critérios racionais, objetivos e justificados.
Abordagem que visa garantir que as normas jurídicas atendam às necessidades da sociedade, respeitem os princípios constitucionais e sejam eficazes na promoção da justiça sem ferir aspectos como a proporcionalidade, a eficiência, a clareza e a coerência das leis; evitando-se, assim, arbitrariedades e injustiças. Para Bobbio (1997), a racionalidade legislativa pode ser observada como:
"Uma norma jurídica racional deve ser clara em seu conteúdo, coerente com o ordenamento jurídico existente, proporcional aos fins a que se destina e fundamentada em argumentos sólidos e legítimos".
Justamente a proporcionalidade das penas asseverada por Ronald Dworkin (2011):
"A justiça na aplicação das leis penais exige uma correspondência adequada entre a gravidade do delito e a severidade da pena".
Notadamente, o PL 212/24 aumenta as penas de forma proporcional à gravidade dos crimes cometidos contra um dos pilares da democracia: a Advocacia.
Outrossim, tal propositura legal reconhece a vulnerabilidade especial desses profissionais no exercício de suas funções e contribui para a compreensão das complexas interações entre a elaboração de normas penais e os princípios que devem orientá-las.
De tudo isso, se extrai que o oferecimento dessa perspectiva crítica e fundamentada sobre a legislação penal no Brasil culmina no fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Agora, cabe acompanhar de forma vigilante os desdobramentos legislativos do PL 212/24 na Câmara dos Deputados, a fim de que este lastro de proteção à Advocacia seja materializado.
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 212, de 2024. Dispõe sobre: Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) para incluir a tipificação do homicídio qualificado contra o advogado e estabelecer causa especial de aumento de pena quando a lesão for praticada contra o advogado no exercício da função ou em decorrência dela. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2417638&fichaAmigavel=nao >
BRASIL. Código penal. Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. . Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 7 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Editora UNESP. 1997.
COUTINHO, Thiago de Miranda. Projeto de Lei: Qualificadoras Penais em prol da Advocacia Brasileira. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/402218/projeto-de-lei-qualificadoras-penais-em-prol-a-advocacia-brasileira. Acesso em: 30 jul. 2024.
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Martins Fontes. 2011.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Editora Revista dos Tribunais. 2002.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Editora Impetus. 2018
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade. Editora Tempo Brasileiro. 1997.
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. Editora Revista dos Tribunais. 2010.