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As irregularidades na cessão de créditos tributários a terceiros

De acordo com a legislação e jurisprudência pátria a cessão de créditos tributários para compensação por terceiros , em regra , é ato ilícito, contudo, a cisão parcial com fins econômicos surge como meio legal para concluir a transação.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Atualizado às 08:28

De acordo com o Código Civil, em seu art. 368, a compensação surge como um dos meios para extinção de obrigação. Nesta modalidade, de acordo com o dispositivo legal, "(...) duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.".

Ainda, de acordo com o Código Civil, no art. 369, as operações de compensação devem ser aplicadas quando há dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.

Contudo, a relação civilista se estende para a prática tributária, com a compensação de débitos tributários, conforme art. 156, II e 170, ambos do CTN - Código Tributário Nacional.

A compensação tributária ocorre quando o contribuinte, pessoa física ou jurídica, recupera valores pagos a maior ou de forma irregular, junto ao ente público. Neste sentido, o STJ, em 2012, apresentou o seguinte entendimento: "A compensação pressupõe, sempre, créditos e débitos recíprocos, exigindo, portanto, que as mesmas pessoas sejam credoras e devedoras umas das outras." (STJ, 2ª turma, rel. min. CASTRO MEIRA, AgRgREsp 1.295.822/PR, maio/12).

De acordo com o art. 156, II do CTN: "Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...) II - a compensação". Já o Art. 170, do mesmo diploma tributário: "Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. (...) Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.".

Neste contexto, vale indicar que o STJ indicou que a "compensação tributária não homologada impede novo pedido para mesmo débito, ainda que com crédito diferente.". (REsp 1.570.571 - PB (2015/0304383-6) / STJ).

Na demanda julgada pelo STJ, indicada acima, um estaleiro impetrou mandado de segurança preventivo no afã de obrigar o fisco a aceitar o pedido de compensação tributária de débito que já tinha sido analisado anteriormente, e não homologado.

Como argumento, o contribuinte indicou o Art. 74, §§ 2º e 4º da lei 9.430/96:

"Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.

(...)

§2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.

§4º Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade administrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu protocolo, para os efeitos previstos neste artigo."

Para a visão do ministro relator, o novo pedido de compensação desvirtuaria o instituto, ou seja, "Relativizar tal condição, mediante a apresentação de outro pedido de compensação, a par da existência de outros créditos pelo sujeito passivo, permitiria ao contribuinte desvirtuar o instituto, ao suspender a exigibilidade do débito fiscal ao seu alvedrio, sempre que disponibilizasse de créditos fiscais para tal missão". (REsp 1.570.571 - PB (2015/0304383-6)/STJ).

Contudo, a questão a ser analisada, a partir da apresentação introdutória e jurisprudencial sobre o tema é a possibilidade de venda de crédito tributário para a realização de compensação tributária por contribuinte com débitos.

Em 2019, a Receita Federal emitiu alerta sobre o crescimento de organizações criminosas que atuam na venda de créditos para a realização de compensação. Na época a Receita Federal identificou mais de 100 mil contribuintes, junto ao Simples Nacional, com informações tributárias falsas que utilizaram esta estratégia para alcançar vantagens tributárias.

Neste sentido, a multa pela compensação fraudulenta pode variar de 150% - 225% do total apurado. Já o fraudador pode incorrer por crime de estelionato e crime contra a ordem tributária, por exemplo.

Neste diapasão, vale indicar que em 2017 entrou em vigor a Instrução Normativa RFB nº 1717 "(...) dispõe as normas sobre restituição, compensação, ressarcimento e reembolso, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil (...)".

A instrução normativa, supra indicada, já previa a proibição de compensação de débitos tributários com créditos de terceiros. Neste sentido, vale indicar o texto do Art. 65, §3º da instrução normativa:

"Art. 65. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive o crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, relativo a tributo administrado pela RFB, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados pela RFB, ressalvada a compensação de que trata a Seção VII deste Capítulo.

(...)

§ 3º Consideram-se débitos próprios, para fins do disposto no caput, os débitos por obrigação própria e os decorrentes de responsabilidade tributária apurados por todos os estabelecimentos da pessoa jurídica.".

Neste diapasão, vale indicar que em REsp 1.300.030, o tribunal superior decidiu pela ilegalidade da cessão de crédito tributário feito por terceiro. A 4ª turma do STJ invalidou o contrato de transferência de créditos tributários federais entre contribuintes, responsabilizando as empresas envolvidas solidariamente.

Contudo, mesmo com a ilegalidade, a Solução de Consulta DISIT/SRRF08 8.014/19 indicou a possibilidade de transferência de crédito tributário a partir da cisão com fim econômico. Para tanto, segue ementa do entendimento:

"CISÃO PARCIAL. FIM ECONÔMICO E PROPÓSITO NEGOCIAL. TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA. UTILIZAÇÃO PELA SUCESSORA. A operação societária de cisão parcial sem fim econômico deve ser desconsiderada quando tenha por objetivo o reconhecimento de crédito fiscal de qualquer espécie para fins de desconto, restituição, ressarcimento ou compensação, motivo pelo qual será considerado como de terceiro se utilizado pela cindenda ou por quem incorporá-la posteriormente.

A cisão parcial, desde que possua fim econômico, é uma hipótese legal de sucessão dos direitos previstos nos atos de formalização societária, entre os quais os créditos decorrentes de indébitos tributários, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, que passam a ter natureza de créditos próprios da sucessora, se assim determinarem os atos de cisão sendo, desse modo, válidos para a solicitação de restituição e compensação com débitos desta para com a Fazenda Nacional.".

Portanto, conclui-se que as cessões  de crédito tributários deverão observar critérios estabelecidos pela  Receita Federal e jurisprudência, sendo a cisão parcial, com fim econômico, permitida e alternativa para realização de compensação tributária.

Vitor Hugo Lopes

VIP Vitor Hugo Lopes

Advogado. Empresário. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Direito Imobiliário. MBA em Gestão Jurídica na área da saúde e hospitalar. Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

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