Reflexões acerca da formação dos oficiais e a escola cívico-militar
A temática em questão traz reflexões em relação à Escola Cívico-Militar, um dos aspectos de extrema relevância no âmbito nacional, que vêm tomando abrangência ética no estudo correlacionado, à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
quinta-feira, 25 de julho de 2024
Atualizado às 10:23
"A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa". (Paulo Freire)
A formação dos oficiais ante as exigências e os desafios que se lhes colocam no exercício da atividade e aos quais têm de dar respostas efetivas, tratase de um ensino policial-militar pautado na disciplina e na hierarquia, tendo como marco o autoritarismo e o abuso de autoridade que permeiam a formação desses oficiais.
Nesse sentido, percebe-se a ausência, na formação dos oficiais, da incorporação de valores pertinentes à construção da cidadania e aos direitos humanos, em face da conduta inadequada de alguns desses oficiais enquanto responsáveis pela manutenção e desenvolvimento da cidadania, no que se refere à ordem pública, pouco e/ou malpercebida tanto pela Academia como pelas políticas sociais governamentais. Portanto, a formação humanista dos oficiais da Polícia Militar para construção do Estado Democrático de Direito se faz necessária, pois permite compreender o exercício da atividade de segurança pública como prática da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, é pertinente afirmar que os policiais militares em atividade de policiamento comunitário detêm saberes que lhes permitem aprender e realizar atividades educadoras sociais. O inverso, no entanto, não se verifica: estes últimos profissionais, exceto se detiverem formação teórica de base na área policial militar, dificilmente saberão realizar a atividade de policiamento comunitário.
Importante destacar que, a atividade / prática de policiamento comunitário, ou seja, humanizado, advém da importância atribuída aos conteúdos concretos dos saberes relativos do currículo escolar. O domínio da proposta de eixos articuladores é também, para esses agentes públicos, fundamental para o sucesso da atividade.
Importa referir, ainda, que as trajetórias profissionais e de currículo escolar são condicionadas pelas decisões da Instituição, em particular no domínio da paz social, o que vai ao encontro do Estado Democrático de Direito e do princípio da dignidade da pessoa.
Deve-se levar em conta que o currículo não é documento escolar fixo, mas artefato social e histórico, sujeito a mudanças e flutuações, constituindo-se, portanto, em um espaço onde se concentram, desdobram-se as lutas em torno dos diferentes significados sobre o social, o político. Procura dar visibilidade às identidades que o currículo em ação vem produzindo; constitui a manutenção ou transformação das relações de poder e de ameaça.
Nesse diapasão, percebe-se a necessidade de uma Universidade que dê respaldo a esse propósito; uma Universidade integrada às atividades policiais militares em todas as áreas do conhecimento, tanto na graduação como na pósgraduação, com pesquisas direcionadas à paz social e à qualidade de vida do cidadão.
Por isso, cabe, aqui, trazer uma importante reportagem publicada recentemente - dia 24/6/24 - sobre o Programa de escolas cívico-militares (PLP 9/24, transformado em norma - LC 1.398, de 28/5/24) do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que prevê que policiais militares ensinem os alunos sobre o que são os Três Poderes e as diferenças entre os papéis do presidente, dos deputados e dos ministros do STF (Metrópolis, 2024).
A escola cívico-militar é um modelo educacional que busca integrar aspectos da educação civil com a disciplina e a organização características das instituições militares. Esse modelo é parte de um programa do governo federal, iniciado em 2019, e tem como objetivo melhorar a qualidade da educação básica no país, principalmente em escolas públicas que enfrentam dificuldades em termos de desempenho acadêmico e de gestão.
As escolas cívico-militares têm como características:
- Gestão compartilhada: A administração da escola é compartilhada entre civis e militares. Enquanto os professores civis continuam responsáveis pelo ensino das disciplinas curriculares, os militares auxiliam na gestão administrativa, na disciplina e na implementação de projetos pedagógicos.
- Disciplina e organização: As escolas cívico-militares enfatizam a disciplina, a pontualidade e a organização, valores que são promovidos pelos militares envolvidos no projeto.
- Uniformes e regulamentos: Os alunos dessas escolas geralmente usam uniformes e seguem regulamentos mais rígidos em comparação com as escolas regulares, inspirados no ambiente militar.
- Valores e cidadania: Além do foco acadêmico, as escolas cívico-militares procuram promover valores cívicos, éticos e de cidadania entre os alunos.
As escolas cívico-militares têm como objetivos: melhorar o desempenho acadêmico: a proposta é que a presença de militares na gestão escolar e na disciplina possa contribuir para um ambiente mais propício ao aprendizado; reduzir a violência e indisciplina: com uma estrutura mais rígida e organizada, espera-se reduzir problemas de violência e indisciplina nas escolas; e formar cidadãos: a formação de cidadãos conscientes e participativos é um dos pilares desse modelo, buscando incutir nos alunos um senso de responsabilidade e respeito às leis.
Importante se faz destacar que, o modelo de escolas cívico-militares tem gerado debates acalorados. Os defensores argumentam que ele pode trazer melhorias significativas para a educação e a gestão escolar, enquanto os críticos apontam preocupações sobre a militarização da educação, a adequação desse modelo para todos os contextos e a potencial falta de preparo dos militares para lidar com questões pedagógicas complexas.
Em resumo, a escola cívico-militar é um modelo educacional que busca combinar a educação tradicional com elementos de disciplina e organização militar, com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino e promover valores cívicos e éticos.
Vejamos a reportagem na íntegra:
A gestão paulista elencou esse tema entre os conteúdos integrantes da atividade extracurricular "Projeto Valores", a ser ministrada semanalmente pelos militares nas escolas que aderirem ao modelo a partir de 2025.
A atividade será oferecida para as turmas no contraturno escolar, durante duas horas, e abrangerá temas ligados "à ética e ao civismo". Além de ensinar sobre a estrutura e o funcionamento dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os policiais deverão abordar com os alunos conteúdos sobre "valores cidadãos", "habilidades para o exercício da cidadania" e "direitos e deveres do cidadão".
Os assuntos que ficarão sob atribuição dos militares constam em uma resolução assinada no dia 20/6/24 pelo secretário-executivo da Educação, Vinícius Neiva, e pelo chefe da pasta de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite.
O documento traz as primeiras regras de funcionamento das escolas cívicomilitares, após a sanção da lei em maio deste ano, e apresenta detalhes sobre temas como as funções dos policiais nos colégios, a seleção das escolas e a avaliação do programa.
Conforme dispõe a resolução, os monitores militares serão responsáveis por oferecer as atividades extracurriculares, promover a "cultura de paz" nos colégios e garantir ambiente "organizado e disciplinado".
Caberá a eles zelar pela segurança das escolas, acionar a PM em casos "de interesse policial" e adotar "providências preliminares" até a chegada das equipes.
Os PMs também poderão participar do programa Conviva, que hoje media conflitos das unidades por meio da atuação de professores da rede estadual dedicados ao tema da convivência escolar.
Segundo a resolução, unidades com piores resultados no Idesp - Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo e que estejam em áreas de alta vulnerabilidade, de acordo com o IPVS - Índice Paulista de Vulnerabilidade Social, terão prioridade para receber o modelo.
Neste último critério, incluem-se escolas localizadas em bairros periféricos da cidade de São Paulo, como Parelheiros e Grajaú, na zona sul, e São Miguel Paulista, na zona leste, por exemplo.
Também têm prioridade no programa as unidades com número maior de alunos; que tenham mais de uma modalidade de ensino, como ensino fundamental e médio; e que possuam espaço físico "adequado" para receber as atividades extracurriculares.
A adesão ao modelo cívico-militar passará por três etapas: a manifestação de interesse dos diretores; a seleção das escolas pela Secretaria da Educação; e a aprovação da comunidade escolar, por meio de votação em consulta pública.
Os diretores das escolas devem mostrar interesse em aderir ao projeto até o dia 28/6 de cada ano letivo anterior, prazo que termina nesta sexta-feira (28/6), para mudanças que seriam em 2025.
Após o governo divulgar a lista de selecionados, uma publicação no Diário Oficial avisará sobre as datas para a consulta pública, que pode ser feita de forma on-line ou presencial. Poderão participar da votação pais de alunos, funcionários das escolas e estudantes com mais de 16 anos.
Segundo a lei aprovada por Tarcísio, o modelo cívico-militar só será implementado caso a maioria dos integrantes da comunidade escolar participe da votação e aprove a mudança.
O governo diz que o programa tem como objetivo principal melhorar a qualidade de ensino, ainda que especialistas afirmem que nenhum estudo comprova que o modelo cívico-militar traga resultados melhores que os demais.
Para medir a eficácia do programa, a Secretaria da Educação prevê monitorar resultados de provas de avaliação, como o Saresp e o Saeb, de nível estadual e nacional, além de observar a frequência escolar dos alunos e os números de ocorrências registradas pelo Conviva.
Importante destacar que, o papel pedagógico do policial se concretiza pelo bom exemplo dado à população, propiciando que crianças e jovens se aproximem desse profissional e nele se espelhem. Da mesma forma, o papel pedagógico do oficial se concretiza pelo bom exemplo dado ao subordinado, fazendo que este atue dentro da legalidade e com respeito à dignidade humana.
Cabe aqui comentar que, atualmente, há uma preocupação com uma visão de conjunto de formação e pesquisa, contemplando nos currículos dos cursos de graduação, intrínsecos aos Projetos Políticos-Pedagógicos, a inserção do diálogo interdisciplinar, transdisciplinar e multidisciplinar. Porém, esse ideal é colocado em prática por poucas Instituições de Ensino Superior.
A universidade como centro de cultura, deve promover o ensino, a pesquisa e a extensão, articulando e integrando todas as áreas do conhecimento, contemplando a "inter", a "trans" e a "multidisciplinaridade" nos currículos, tornando-os inovadores, capazes de seguir as exigências da sociedade através dos tempos. Assim desenvolverá o espírito crítico em seus alunos.
Para tanto, há necessidade de ensinar e aprender para a construção do saber globalizado, contextualizado, a fim de contribuir com atitudes críticas e inovadoras em meio a uma sociedade em constantes transformações como é a sociedade, considerada hoje, "sociedade do conhecimento" - em busca da democracia e da descentralização.
"As escolas cívico-militares são uma opção adicional no roteiro do ensino público para criar um ambiente com mais segurança, onde os pais vão ter um conforto e a gente possa desenvolver o civismo, cantar o Hino Nacional e fazer com que a disciplina ajude a ser um vetor da melhoria da qualidade de ensino" (Tarcísio de Freitas).
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BRASIL. Projeto de Lei Complementar 9/2024. Institui o Programa Escola CívicoMilitar no Estado de São Paulo e dá providências correlatas. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000544513 Acesso em: 23 jul. 2024.
______. Lei Complementar n° 1.398, de 28 de maio de 2024. Institui o Programa
Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 2024. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/norma/209494 Acesso em: 23 jul. 2024.
METRÓPOLIS. Escola cívico-militar de Tarcísio terá PM ensinando sobre Três Poderes. Disponível em: https://www.metropoles.com/sao-paulo/escola-civicomilitar-tarcisio-pm-tres-poderes Acesso em: 23 jul. 2024.