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Impactos da alteração da lei de improbidade administrativa: Alguns desafios da prática processual

Alterações na lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92) enfrentam desafios judiciais quanto à aplicação retroativa, especialmente em casos de condenação sem provas de ato doloso, destacando-se a necessidade de revisão das petições iniciais para garantir direitos de defesa.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Atualizado às 07:52

Há quase 3 anos, a lei de improbidade administrativa foi sensivelmente impactada por alterações advindas da lei 14.230/21, sendo possível notar que, apesar de duramente criticadas, com algumas delas com vigência suspensa pelo STF, algumas questões de ordem material e processual vêm sendo ignoradas pelos juízos em que as ações de improbidade tramitam.

Ao julgar o Tema 1.199, de repercussão geral, o STF decidiu pela irretroatividade geral das novas disposições, ressalvadas as hipóteses de ações que veiculam imputação de ato de improbidade culposo, praticado na vigência da redação anterior da lei 8.429/92, e desde que não haja condenação transitada em julgado.

Neste ponto, ainda que a ação esteja em fase recursal perante as instâncias superiores, as alterações da lei devem ter seus efeitos estendidos, especialmente para corrigir as ações em que haja condenação sem a comprovação efetiva do ato doloso por parte do agente público ou privado. Essa revisão fica mais fácil quando a ação de improbidade foi fundamentada no antigo - e agora revogado - inciso I do art. 11 da lei 8.429/92.

No entanto, ainda assim, há situações em que a demanda está embasada cumulativamente com outros dispositivos, mas sem a devida indicação e correlação dos tipos com as condutas denunciadas, tal como prevê o art. 17, §10-D da lei de improbidade administrativa. Em casos como este, mostra-se necessária a revisão da petição inicial da ação de improbidade, para adequá-la às novas disposições da LIA e permitir, aos réus, o exercício pleno do contraditório e ampla defesa.

Outro ponto que tem gerado bastante discussão e controvérsia diz respeito à medida de indisponibilidade de bens. Até a alteração legislativa de 2021, o entendimento pacificado pelo STJ era o de que o requisito do perigo na demora que fundamentava a decretação de indisponibilidade de bens era presumido, isto é, independia de prova concreta e da indicação de dilapidação do patrimônio do réu. Com isso, a propositura de ações de improbidade administrativa, em sua maioria, era acompanhada da decretação de indisponibilidade de bens, em valor relativo não só ao dano ao erário apontado como também, de imediato, ao valor de uma suposta e incerta futura multa que pudesse ser aplicada, quando da sentença, sem que houvesse um exercício comprobatório mais profundo e concreto, que indicasse a necessidade de tomada de uma medida tão extrema logo no nascimento de uma ação de improbidade - que costumeiramente tramita por anos até que haja o julgamento, pelo menos, em primeira instância -, sendo mais adequada a tramitação da demanda e a formação do contraditório, para melhor convencimento do juiz sobre a necessidade e oportunidade de providências necessárias para a garantia do resultado de uma eventual e futura condenação.

Nesse ponto, foi salutar a alteração trazida pela lei 14.230/21, em que se dispõe a necessidade de demonstração, no caso concreto, de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução (art. 16, §3º), sendo que o valor a ser indisponibilizado não possa ser superior ao montante indicado como dano ao erário ou enriquecimento ilícito (art. 16, §5º), não podendo-se somar a quantia de uma eventual multa civil (art. 16, §10), como era anteriormente.

Essas alterações legislativas se mostram necessárias e bastante adequadas, na medida em que a indisponibilidade de bens incide comumente no início da ação de improbidade, de modo que a multa civil só pode ser aferível quando da efetiva condenação, ao final da ação, quando já ultrapassada a fase de instrução e de provas, ponderadas todas as hipóteses de atenuação e agravamento das sanções, não se mostrando justa a sua atribuição em uma fase tão preliminar e inicial do processo, como sempre ocorreu.

A controvérsia surgiu a partir do entendimento de que, nas ações originárias na vigência da antiga redação da lei 8.429/92, em que já tivesse ocorrido a decretação de indisponibilidade de bens, não haveria possibilidade de revisão do ato praticado a partir da nova lei, sob a justificativa de irretroatividade da norma processual.

Essa discussão foi levada ao STJ, sob o Tema 1.257, em que se discute se a nova lei pode regular a tutela provisória de indisponibilidade de bens, incluindo a possibilidade de incluir o valor de eventual multa civil. Os processos que envolvem essa matéria estão suspensos até que haja definição, pelo STJ, do entendimento a ser aplicado de forma geral.

Além da revisão do elemento subjetivo do dolo, que deve estar presente na imputação feita nas ações de improbidade, e da controversa discussão acerca da indisponibilidade de bens dos réus, tem sido comum a inobservância, por parte do Poder Judiciário, da aplicação do art. 17, §10-C da LIA, que dispõe expressamente pela necessidade de, após apresentadas as contestações e réplicas, o juiz proferir decisão indicando com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, com a vedação de modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo Ministério Público para, daí então, as partes especificarem as provas que pretendem produzir.

Não apenas em ações de improbidade administrativa, mas nas ações do rito de procedimento ordinário, não é incomum que atos ordinatórios e despachos sejam proferidos para atribuir às partes a tarefa de indicar os pontos controvertidos sobre os quais as provas devam recair e os ônus que incumbem a cada litigante do processo.

Apesar de o CPC/15 ter trazido uma relação de cooperação entre as partes, retirando o juiz da figura de destinatário final da prova, é o magistrado que preside e conduz o processo, cabendo-lhe exercer a função de, após a fase de instrução, resolver as questões processuais pendentes e delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, e não às partes.

Quando se trata de uma ação de improbidade administrativa, cujas sanções e efeitos de uma condenação afetam seriamente a esfera de direitos dos agentes públicos e particulares, o compromisso estatal deve ser ainda mais relevante e imprescindível, evitando-se a continuidade de demandas nitidamente improcedentes e incabíveis, que possam macular a reputação de inocentes.

Em conclusão, as alterações trazidas pela lei 14.230/21 representam um passo significativo na busca pela efetividade e justiça nas ações de improbidade administrativa, estabelecendo requisitos mais rigorosos para a indisponibilidade de bens e exigindo a demonstração do dolo nas imputações feitas aos réus, de modo que a nova redação da LIA visa garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa, fundamentais em um Estado democrático de direito. Contudo, a aplicação correta dessas disposições legais enseja o enfrentamento de desafios, exigindo uma revisão cuidadosa das ações em andamento para que as mudanças se concretizem efetivamente. Somente assim será possível proteger a integridade do sistema judiciário, assegurando que sanções severas sejam aplicadas de maneira justa e fundamentada, privilegiando a segurança jurídica e a efetividade da justiça e do direito.

Camillo Giamundo

Camillo Giamundo

Doutorando e mestre em Direito Administrado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio fundador do escritório Giamundo Neto Advogados.

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