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O comum acordo para a solução de conflito coletivo

TST analisa recurso sobre recusa em negociar coletivamente, crucial para interpretação do art. 114 da Constituição e direitos trabalhistas.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Atualizado às 08:01

O site do TST, no último dia 24/6, noticiou que foi submetido à sistemática de recursos repetitivos decisão a respeito da recusa deliberada de uma das partes a negociar, isto é, participar do processo de negociação coletiva e que presumiria violação ao princípio da boa-fé.

A questão não é simples e se apresenta com extrema relevância porquanto se trata da aplicação do art. 114, parágrafo 2º, da Constituição, cuja discussão em torno de sua constitucionalidade já foi objeto de apreciação pelo STF, que fixou tese no Tema 841 no seguinte sentido:

"Constitucionalidade do art. 114, §2º, da Constituição Federal, alterado pela EC 45/04, que prevê a necessidade de comum acordo entre as partes como requisito para o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica"

Veja-se, portanto, que o tema desafiará o TST a contornar o Tema 841 e não poderá excluir o comum acordo do requisito para o ajuizamento de dissídio coletivo. De outro lado, exporá a corte superior trabalhista a enfrentar, entre outras questões, exemplificativamente, o conceito de negociação coletiva como direito fundamental dos trabalhadores; o exercício do direito de greve; arbitragem judicial e qual a natureza jurídica da decisão a ser proferida.

Em relação ao comum acordo das partes, há entendimentos de que a simples presença na audiência designada pelo tribunal implica aceitação tácita de que o Judiciário trabalhista aprecie o conflito, dirimindo a controvérsia. O problema surge quando há manifestação expressa contrária ao comum acordo em que uma das partes busca a intervenção do Judiciário para a solução.

O resultado natural seria, salvo melhor juízo, dada a condição de comum acordo não atendida por uma das partes, a extinção e arquivamento a fim de que as partes prosseguissem as negociações que deveriam ser levadas à exaustão, inclusive com possibilidade de greve pelos trabalhadores a fim de negociar as pretensões.

Aliás, neste aspecto, parece que esta foi a sinalização da redação do §2º, do art. 114, da CF, isto é, estimular a negociação coletiva de forma autônoma, permitindo a busca voluntária das partes do judiciário trabalhista, como mediador ou árbitro e não órgão julgador.

Diga-se, portanto, que no tema do comum acordo, o caminho a percorrer pelo TST não admitiria flexibilidade quanto à condição fundamental do comum acordo.

Mutatis mutantis, em caso de greve, também deveria ser limitada a intervenção do judiciário trabalhista, com exceção dos serviços essenciais, quando o empregador se socorre da Justiça do Trabalho contra a vontade dos empregados grevistas, desejosos de solucionar o conflito por meio de negociação. Em geral a decisão do judiciário resolve o processo e não o conflito.

A lei 7.783/89 estimula a autocomposição coletiva do conflito, assim como em outros diplomas legais como a lei 10.101/00, lei do PLR. Por aqui, no caso de greve, já se questionaria se a tese jurídica da violação da boa-fé objetiva também se aplicaria contra o exercício do direito de greve e da liberdade sindical?

Convém observar, ainda, que a negociação coletiva não encontra regra clara e objetiva entre nós, que assegure o direito dos trabalhadores à negociação coletiva. O citado inciso XXVI, do art. 7º da Constituição, está a fazer referência de que, quando o empregado for abrangido por acordo ou convenção coletiva, o empregador deverá reconhecer o direito e aplicar as cláusulas na relação individual de trabalho.

Em geral, as interpretações que pretendem justificar esse direito partem da Convenção 154 da "OIT sobre a promoção da negociação coletiva", que diz respeito ao conceito de negociação coletiva e seus objetivos de definir condições de trabalho e termos de emprego; regular relações entre empregadores e trabalhadores e regular as relações entre empregadores ou suas organizações e uma organização de trabalhadores ou organizações de trabalhadores.

A competência da Justiça do Trabalho em matéria de direito coletivo, isto é, o exercício do poder normativo, já fora objeto de diversos questionamentos anteriores à Emenda 45/04, acentuando-se ainda, após a emenda citada que, para alguns, excluiu de forma definitiva o exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho.

Os fundamentos da crítica eram no sentido de que a intervenção do judiciário desestimulava as negociações e a solução direta entre as partes, tendo gerado sindicatos pouco representativos e que se beneficiavam exclusivamente das benesses do judiciário.

Portanto, a negociação coletiva é conflito de interesses que deve ser enfrentado pelas partes a fim de adequação no âmbito das relações coletivas de trabalho. A negociação coletiva representa, pelo conteúdo que encerra, um instrumento relevante de paz social, e o pressuposto de que seja fruto de autocomposição transfere para as partes a responsabilidade pelo quanto negociado, validando sua aplicação durante sua vigência.

Paulo Sergio João

Paulo Sergio João

Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Relações Coletivas do Trabalho e sócio fundador do escritório Paulo Sergio João Advogados. Professor dos cursos de Pós-Graduação da PUCSP

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