Bloqueio das bets em razão de ação judicial da LOTERJ
As investidas da Loterj impactam não só as casas de apostas, como, também, acabam por trazer uma insegurança ao mercado, investidores e ao público em geral quanto à legalidade das bets no Brasil, insegurança esta que estava sendo paulatinamente sanada a partir da Lei das Casas de Apostas e das regulamentações que vem sendo emitidas pelo governo federal.
sexta-feira, 19 de julho de 2024
Atualizado às 14:35
Em dezembro de 2023, foi promulgada a Lei das Casas de Apostas pelo governo federal (Lei 14.790/23), para regulamentar este mercado que movimenta mais de R$120 bilhões por ano (BNL Data).
Nos termos dos artigos 4 e 5 da Lei, foi estabelecida a competência do Ministério da Fazenda expedir a autorização de exploração das casas de apostas. Vale ressaltar que essa competência já havia sido de alguma forma prevista na Medida Provisória (MP) 1.182/23, de julho 2023.
A despeito de tal fato, em novembro de 2023, ou seja, entre a vigência da MP e a promulgação da Lei, o governo do Estado do Rio de Janeiro editou o decreto 48.806/23, para estabelecer as "condições a serem atendidas pelos interessados na exploração das modalidades lotéricas previstas e autorizadas nas legislações vigentes".
Com base nesse decreto, a Loterj vem adotando uma série de medidas para regulamentar e fiscalizar - ela mesma - a operação e o funcionamento de centenas de casas de apostas.
Entre essas, destaca-se a propositura de uma tutela antecipada requerida em caráter antecedente em face da Agência Nacional de Telecomunicações ("Anatel")1, a fim de que esta oficie provedores de conexão para que bloqueiem ou suspendam o funcionamento das centenas de bets indicadas pela Loterj na ação.
A Loterj teve seu pedido liminar indeferido em primeiro grau, o qual foi reformado parcialmente em sede de decisão de antecipação dos efeitos de tutela recursal em agravo de instrumento2, para o fim de "autorizar a ANATEL a promover a verificação da legitimidade operacional das empresas arroladas na inicial (...), frente à LOTERJ e, em caso negativo, tomar as providências cabíveis, nos limites do Estado do Rio de Janeiro, para determinar a suspensão das atividades de loteria de apostas de quota fixa que estejam em desacordo com a legislação aplicada à espécie."
Importante consignar que a Advocacia Geral da União ("AGU") já interpôs recurso de agravo interno em face dessa decisão - assim como também fizeram diversas casas de apostas e associações, na figura de amici curiae.
Em linhas gerais, e como adiantado no início, tem-se que é competência privativa da União "legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios", à luz do art. 22, XX da Constituição Federal, além de ser competência do Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Prêmios e Apostas, "autorizar, normatizar, fiscalizar e sancionar os operadores de loteria de apostas de quota fixa no território nacional".
Ademais, à vista das normas expedidas pelo governo federal, as empresas sem autorização parar explorar esta atividade somente poderão sofrer sanções a partir de 01.01.2025. Afinal, as bets tem até o dia 31.12.2024 para se adequar as regras impostas pelo governo federal, de modo que se tornaria impossível aplicar qualquer penalidade até esta data.
Assim, o pedido da Loterj parece encontrar os óbices acima, razão pela qual é possível que a decisão liminar seja revista pelo colegiado da 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Ainda, não bastasse a referida ação judicial, a Loterj vem encaminhando uma série de ofícios às bets, provedores de conexão e sistemas de pagamentos, para que, no prazo de 48 horas, cessem/interrompam as atividades daquelas bets que não requereram a autorização de exploração da atividade nos termos do Decreto carioca. Ao menos, duas ações já foram propostas pelas Loterj em razão do não atendimento de determinados ofícios.
Diante desse cenário, pode-se dizer que as investidas da Loterj impactam não só as casas de apostas, como, também, acabam por trazer uma insegurança ao mercado, investidores e ao público em geral quanto à legalidade das bets no Brasil, insegurança esta que estava sendo paulatinamente sanada a partir da Lei das Casas de Apostas e das regulamentações que vem sendo emitidas pelo governo federal.
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1 Autos nº 1024381-35.2024.4.01.3400, ora em trâmite perante a 13ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal.
2 Autos nº 1015703-46.2024.4.01.0000, ora em trâmite perante a 11ª Turma da 3ª Seção do Eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sob relatoria do Exmo. Dr. Federal Pablo Zuniga Dourado.
Fernanda de Gouvea Leão
Sócia da área de Resolução de Disputas do Demarest Advogados.
Francisco Martini D'Alessandro
Advogado da área de resolução de disputas do Demarest.