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Regulamentação das atividades de acondicionamento e transporte de GNL a Granel: processo e efeitos

Nova resolução da ANP facilita distribuição de GNL em áreas sem dutos, incorporando tecnologias como biometano e promovendo investimentos no setor de gás natural no Brasil.

sábado, 20 de julho de 2024

Atualizado em 19 de julho de 2024 10:33

Introdução

GNL - Gás Natural Liquefeito é uma forma de gás natural que passa por um processo de liquefação, sendo resfriado a cerca de -162°C para se transformar em líquido. Esse processo reduz o volume do gás em aproximadamente 600 vezes, o que facilita muito o armazenamento e o seu transporte. A utilização do GNL é particularmente vantajosa em cenários onde a infraestrutura de gasodutos é inexistente, inadequada ou onde há riscos elevados de desabastecimento, proporcionando uma alternativa logística eficiente e flexível para a distribuição de gás natural.

A diversificação das fontes de fornecimento tornou-se essencial para mitigar esses riscos, tornando o GNL uma solução crucial. Este método é especialmente relevante em situações de incerteza na entrega de gás, malhas de transporte inadequadas ou inexistentes, dutos operando em capacidade máxima e necessidade de suprir a demanda com múltiplas fontes exportadoras.

Nesse contexto, a produção de GNL é justificável quando as quantidades ou distâncias tornam o transporte por dutos inviável, abrangendo desde a exploração e liquefação até a distribuição ao consumidor final. Embora historicamente os custos tenham sido elevados, o GNL começou a se tornar viável e fundamental para a economia do Brasil, modificando contratos e preços. A Petrobras, por exemplo, implementou o Plangás - Plano de Antecipação da Produção de Gás Natural. Também no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, o projeto "Corredor Azul" ilustra outra vantagem do GNL: a substituição do diesel por gás natural ou biometano em veículos rodoviários, resultando na redução de emissões de gases de efeito estufa.

Este cenário inédito no Brasil exige que a ANP se capacite para gerenciar as operações técnicas e econômicas do GNL, além de aprimorar a regulamentação para acompanhar o aumento da participação do gás natural na matriz energética nacional.

Assim, foi editada em 27/6/24 a resolução 971 pela ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que moderniza a regulamentação das atividades de acondicionamento e movimentação de GNL - gás natural liquefeito a granel, utilizando modais alternativos ao dutoviário, como o rodoviário. Esta medida substitui a antiga Portaria ANP 118/00, incorporando novas tecnologias e oferecendo alternativas mais flexíveis para projetos de GNL de pequena escala.

Objetivos e modernizações da nova resolução

A nova resolução se alinha ao novo marco regulatório da indústria do gás natural, representado pela lei 14.704/21, conhecida como nova lei de gás. Entre os principais objetivos estão:

  • Capilaridade do GNL: Facilitar a distribuição de gás natural em regiões sem infraestrutura de dutos.
  • Inovações tecnológicas: Incorporação de estações compactas de liquefação e ISO contêineres, permitindo o uso de diferentes meios de transporte e armazenamento.
  • Novos modelos de negócio: Inclusão do GNL produzido a partir do biometano, garantindo tratamento regulatório semelhante ao do gás natural.

Essa modernização pode impulsionar o setor de biometano no Brasil, reduzindo incertezas regulatórias e estimulando novos investimentos.

Processo regulatório e participação social

O processo regulatório 48610.200592/2021-49, relatado pela diretora Patrícia Baran, surgiu para suprir uma falha mercadológica brasileira. A antiga Portaria ANP 118/00 não contemplava novos modelos de negócio que integram modais de transporte distintos, regulando inadequadamente a distribuição de GNL a granel para mercados sem infraestrutura dutoviária.

A OCDE recomendou revisões sistemáticas do estoque regulatório para promover atualizações técnicas, simplificação administrativa, e redução de cargas administrativas. A identificação de regulações ineficazes e com impactos econômicos significativos foi central na metodologia de análise estruturada utilizada pela ANP, com contribuições de documentos técnicos, literatura científica, e workshops.

A distribuição de GNL a granel é vista como essencial para o mercado brasileiro, podendo estimular o consumo de gás natural em pequena escala em locais sem infraestrutura dutoviária. A lei 14.134, ou nova lei do gás, é considerada fundamental para a formação de um mercado de gás natural competitivo, promovendo a redução de preços e a retomada econômica do país. A nova resolução corrige falhas de mercado, aumenta a segurança jurídica e reduz riscos de investimento.

Estrutura da nova resolução

Dividida em cinco capítulos, a nova resolução visa estabelecer requisitos claros e atualizados para a autorização e operação dessas atividades no Brasil. Este documento sistematizado oferece uma visão detalhada das principais alterações introduzidas pela Resolução ANP 971, facilitando a compreensão e a adaptação às novas normas:  

1. Disposições preliminares (arts. 1º ao 3º)

  • Artigo 1º: Define os requisitos e procedimentos para a autorização das atividades de acondicionamento e movimentação de GNL a granel por modais alternativos ao dutoviário.
  • Artigo 2º: Exclui do escopo da resolução os serviços locais de gás natural canalizado, operação de pontos de abastecimento, instalações em campos de produção, e outras especificações.
  • Artigo 3º: Estabelece definições importantes, como acondicionamento de GNL, biogás, biometano, distribuição de GNL a granel, e outras terminologias relevantes.

2. Disposições gerais (arts. 4º ao 8º)

  • Artigo 4º: O transporte de produtos perigosos deve seguir as regras de licenciamento ambiental pertinentes.
  • Artigo 5º: O transporte aquaviário de GNL deve observar a legislação vigente.
  • Artigo 6º: Define operações de apoio marítimo para o transvasamento de GNL.
  • Artigo 7º: Trata o biometano de forma análoga ao gás natural.
  • Artigo 8º: Estabelece que as atividades devem seguir as melhores práticas da indústria e normas técnicas aplicáveis.

3. Autorização (arts. 9º ao 26º)

  • Artigos 9º e 10: Regulam a autorização para comercialização e operação de instalações de acondicionamento de GNL.
  • Artigo 11: Define que as atividades só podem ser exercidas por sociedades empresárias brasileiras mediante autorização prévia da ANP.
  • Artigos 12º a 26º: Detalham o processo de requerimento, análise, e critérios para obtenção de autorizações para distribuição, projetos estruturantes, uso próprio, e operação de instalações de acondicionamento de GNL, além de procedimentos para alterações, transferência de titularidade, e desativação de instalações.

4. Obrigações (arts. 27º e 28º)

  • Artigo 27º: Estabelece obrigações para agentes autorizados na movimentação de GNL a granel, incluindo inspeções periódicas, manutenção de dispositivos de segurança, e comunicação de alterações.
  • Artigo 28º: Define obrigações para operadores de instalações de acondicionamento de GNL, como inspeções e manutenções periódicas, atualização de planos de capacitação e segurança, e registro de incidentes.

5. Disposições transitórias e finais (arts. 29º ao 32º)

  • Artigo 29º: Agentes autorizados previamente não precisarão de nova autorização, salvo mudanças específicas.
  • Artigo 30º: Altera a Resolução ANP 52, de 29/9/11.
  • Artigo 31º: Revoga a Portaria ANP 118, de 11/7/00.
  • Artigo 32º: Estabelece a data de entrada em vigor da resolução.

Com uma estrutura clara e abrangente, a resolução não apenas define os requisitos para a autorização e operação das atividades de acondicionamento e movimentação de GNL, mas também estabelece normas rigorosas para garantir a segurança e a eficiência dessas operações.

Desafios e repercussões

A resolução enfrentou desafios, principalmente relacionados à delimitação de competências entreesferas federal e estadual. Distribuidoras de gás canalizado, representadas pela Abegás, defendem a competência estadual em alguns aspectos da regulação, enquanto produtores e consumidores apoiam a competência regulatória da ANP conforme a nova lei do gás.

Por outro lado,  com o apoio de produtores, a ANP sustenta que a regulamentação da distribuição de GNL é independente das regras estaduais sobre gás canalizado. A agência acredita que a nova resolução permitirá o desenvolvimento de GNL em pequena escala sem conflitos federativos, impulsionando o mercado de gás natural no Brasil.

Em seu voto, a relatora destacou que "Há que se considerar que toda a sociedade foi convidada ao processo de participação social, e que as manifestações recebidas foram devidamente avaliadas" e que ""A minuta não impede que as concessionárias locais de gás canalizado recebam autorização para o exercício de tais atividades, se houver interesse (.) desde que cumpram os requisitos estabelecidos pela ANP".

Os demais diretores presentes Fernando Moura, Rodolfo Saboia e Symone Araújo acompanharam o voto da relatora. A última destacou que a decisão "certamente vai abrir um caminho importante".

Conclusão

A aprovação da nova resolução pela ANP representa um avanço significativo para o setor de gás natural no Brasil. Modernizando a regulamentação e integrando novas tecnologias e modelos de negócios, a ANP busca corrigir falhas de mercado, aumentar a segurança jurídica e promover um mercado mais dinâmico e competitivo. A resolução tem o potencial de impulsionar o desenvolvimento econômico, reduzir preços e atrair novos investimentos, contribuindo para a expansão contínua do setor de gás natural no país.

João Paulo da Silveira Ribeiro

João Paulo da Silveira Ribeiro

Sócio do Silveira Ribeiro Advogados.

Bruna Ammon Lisboa

Bruna Ammon Lisboa

Mestre em Direito Público. Advogada do Silveira Ribeiro Advogados.

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