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CDC e os contratos bancários firmados com pessoas jurídicas - O caminho das vulnerabilidades

No âmbito das relações bancárias, as pessoas jurídicas vulneráveis merecem tratamento específico, especialmente para fins de aplicação do CDC. O aperfeiçoamento do regime de vulnerabilidades pode ser uma solução.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Atualizado às 14:41

Nas trincheiras dos diversos Tribunais do país segue o debate acerca da aplicação do CDC às relações de crédito estabelecidas entre pessoas jurídicas e instituições financeiras.

A técnica vinculada ao isolamento do conceito de destinatário final (art. 2º do CDC) ainda se encontra vigente na prática e segue versando como fundamento para diversas decisões, que concluem pelo afastamento da aplicação do CDC. É simples e fácil de aderir: servindo o crédito para fins de "incremento da atividade empresarial", não existe relação de consumo e, como consequência, não se aplica o Código (apenas como exemplo: Apelação 1127138-55.2022.8.26.0100, TJ/SP).

O ponto é que esta técnica é baseada em uma caricatura de destinatário final, que objetiva impedir o exame detalhado das suas implicações. Isto porque a própria natureza do crédito bancário induz à utilização do recurso captado para alguma finalidade típica de "incremento da atividade empresarial". Não se contrai empréstimo para guardar o dinheiro, salvo situações excepcionalíssimas e cuja análise é dispensável para a finalidade deste texto.

Portanto, a aludida desconexão entre o conceito de destinatário final e a pessoa jurídica contraente de crédito bancário traz ares de conformidade, soando mesmo coerente - já que consagra a denominada Teoria Finalista.

Ocorre que esta técnica afasta uma importante ótica pela qual a questão poderia ser abordada, qual seja, aquela realizada considerando a aplicação integrada dos conceitos de consumidor e fornecedor (arts. 2º e 3º do CDC).

Veja-se que o § 2º do art. 3º do CDC inclui como serviço a "atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

Não se pode deixar de rememorar que o STF deu interpretação conforme à Constituição ao referido dispositivo, especificamente no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591, proposta pela CONSIF - Confederação Nacional do Sistema Financeiro. Em tal julgamento o STF afastou os argumentos da referida Confederação e assentou o entendimento no sentido de que "as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo CDC".

Em regra, destarte, o consumo de crédito e serviços financeiros estão tutelados pelo CDC.

Ora, como dito, para o contraente o crédito não é um fim, mas um meio para atingir suas metas existenciais (aquisição de bens, planejamento financeiro, pagamento de despesas diversas, etc.), por isso mesmo, a rigor, praticamente nenhum consumo de crédito seria consumo final ou, ainda, praticamente nenhum contraente de crédito seria destinatário final (seja o contraente pessoa jurídica ou não). Logo, pelo lógica do isolamento do conceito multicitado, dá-se o adeus do CDC para todas as relações de crédito.

É necessário observar que o destaque destas finalidades para as quais o crédito foi contraído muitas vezes gera labirintos interpretativos e probatórios. O crédito serve para incremento? O que significa "incrementar"? Serviu para compra de insumos? E o capital de giro? E quanto à parte que ficou em caixa?

Daí a necessidade de interpretação integrada, já que a técnica de isolamento do conceito de destinatário final, levada às suas últimas consequências, contraria a necessidade de tutela do Código nas situações em que costumeiramente o consumidor, ainda que pessoa jurídica, encontra-se vulnerável.

Vulnerabilidade

Neste contexto, é preciso lembrar que, no que se refere à pessoa física, a vulnerabilidade na relação de consumo é presumida (absoluta). No entanto, quanto à pessoa jurídica, como dito, o debate permanece.

Com efeito, o STJ sustentou em seus julgados o que se convencionou denominar Teoria Finalista Mitigada. Para a C. Corte, tratando-se de pessoa jurídica vulnerável é possível a aplicação do CDC (vide como exemplo o AgInt no REsp 1805350 - DF).

Apesar do franco esforço da Corte Superior para ajustar o quadro, a realidade é que a introdução destes ingredientes acentuou o labirinto interpretativo e probatório no âmbito dos Tribunais.

Sinceramente, a Teoria Finalista, sem a mitigação, é de aplicabilidade muito mais tentadora no dia-a-dia dos juízos do país. A mitigação, por outro lado, é exigente e complexa, considerando inclusive o espectro das vulnerabilidades existentes (técnica, jurídica, socioeconômica e informacional), a necessidade de prova (REsp 2.020.811.) e mesmo a diversidade dos contratos bancários.

Um caminho possível para o caso das pessoas jurídicas contraentes de crédito bancário - que integre a previsão do art. 3º, § 2º à destinação final prevista no art. 2º do CDC -, é consolidar ostensivamente a presunção ao menos para as pessoas jurídicas que estão tipicamente associadas à vulnerabilidade em outros quadrantes das suas atividades ou mesmo com regimes que já contam com presunções de vulnerabilidades diversas.

Assim ocorre com os empresários individuais, sociedades unipessoais, microempresas e empresas de pequeno porte, por exemplo.

Veja-se que a exposição de um MEI, em diversos casos, é claramente próxima da exposição de uma pessoa física quanto ao consumo de crédito. Para os Tribunais, contudo, ainda que por obséquio se aplique a teoria finalista mitigada, ele terá o ônus de provar a sua vulnerabilidade e não terá à sua disposição critérios objetivos que facilitem esta obra - já que os mesmos ainda não estão totalmente delineados pelo C. STJ.

Não por acaso, até mesmo no âmbito do acesso à justiça, a LC 123/06, nos seus arts. 74 e 74-A, dispõe sobre o "tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte". Há, sem dúvidas, uma atmosfera jurídica de vulnerabilidade em relação a certas pessoas jurídicas. Assim não pode ser no âmbito das relações de crédito bancário?

Postas estas considerações, para fins de afastar este emaranhado interpretativo e probatório que está se assentando nos Tribunais do país, sugere-se um ajuste fino, efetivando a presunção para as pessoas jurídicas tipicamente associadas à vulnerabilidade. Quanto às demais pessoas jurídicas, faz-se importante maturar a definição de critérios para aferição da vulnerabilidade, sendo este tema para outra conversa.

Bruno Amaral

VIP Bruno Amaral

Sócio da firma ADVOCACIA AMARAL, MACHADO & PRAZERES.

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