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Estado transfronteiriço inconstitucional de coisas: Migração e narco-desmatamento

Secretário-adjunto da Casa Civil de Roraima discute impacto da migração venezuelana e a responsabilidade do governo federal na crise humanitária.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Atualizado às 09:41

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No dia 9/11/17, enquanto secretário-adjunto da Casa Civil do Estado de Roraima, participei da Audiência Pública sobre a migração venezuelana no Estado de Roraima. Naquele período estávamos no ápice do fluxo migratório e com diversas responsabilidades constitucionais a resolver.

Os apontamentos realizados sinalizavam a grande dificuldade do estado em suportar, sozinho, o impacto da migração, isso porque todos os serviços públicos e atendimentos essenciais - segurança, educação e saúde - são prestados pelos entes subnacionais (estado e municípios).

Em 2018, a institucionalização da Operação Acolhida pelo Governo Federal tenta realizar uma resposta humanitária, cujo principal objetivo era garantir o atendimento aos refugiados e migrantes venezuelanos e realocá-los em outras cidades do país. Buscava-se, portanto, desafogar os serviços públicos locais. 

Os últimos informes do Subcomitê Federal para acolhimento e interiorização (abril/18 - janeiro/24) , evidenciam que mais de 125 mil migrantes foram beneficiados. O número é assustador e alarmante, considerando que o número de migrantes que chegam no país é muito maior. 

O problema disso tudo é que ao estado e aos municípios cabe muito pouco, tendo em vista que a resolução do problema demanda medidas estruturais e diplomáticas pelo Governo Federal, dado que cabe à União legislar sobre migração, executar serviços de fronteira e manter relações com Estados estrangeiros (Art. 21, I e XXII e Art. 22, XV).

De lá pra cá pouco se viu sobre medidas relacionadas a migração e ao tratamento diplomático com a Venezuela sobre os problemas de nossas fronteiras.  Daí que a sistematização da omissão da União nesse assunto tem, por certo, resultado num estado de coisas inconstitucional, gerando uma violação regular de preceitos fundamentais da república. 

O Estado de Coisas Inconstitucional, portanto, gera uma problemática estrutural, ou seja, existe um número amplo de pessoas que são atingidas pelas violações de direitos. As omissões da União abalam todas as necessidades de execução de políticas públicas no caso da migração, fiscalização nas fronteiras e alocação de recursos. Pode-se dizer, ainda, que esse "estado de coisas" é binacional, considerando que as consequências ultrapassam as fronteiras.

Transição e evolução de cenários

Antes já se sinalizava uma imputação à União sobre esse fenômeno, no entanto, com o caos da migração e da sua respectiva origem - um sistema autoritário venezuelano - cabe-nos enfatizar que a conjuntura socioeconômica ocasionada é de responsabilidade internacional, com grave violação de direitos humanos.

Além de todos os riscos sociais ocasionados desde 2017, que me parece ter sido internalizado e normalizado no âmbito local, o narcotráfico tem se utilizado muito bem desse cenário, inclusive de se deixar o destino de nossas florestas e recursos naturais nas mãos de grupos rebeldes ligados às drogas e à mineração ilegal. 

Nessa nova perspectiva, o contexto diário prova que as terras indígenas, por exemplo, tem sido um campo fértil ao engendramento do estado de coisas internacional, cuja a fronteira tem sido desconsiderada e favorável ao narco-desmatamento. Não fosse o bastante as adversidades que se evidenciam no espaço urbano e pouco incômoda ao poder público, agora nossas florestas e recursos naturais, sem qualquer cerimônia, são destruídos e surrupiados em razão da fragilidade de nossas fronteiras. 

É claro que devemos, por dever ético, compreender e acolher os migrantes refugiados, isso é um dever humanitário. O ponto aqui debatido, é sobre aspectos que mostram como a migração escancarou as deficiências e impotências de estados e municípios em áreas de fronteira, qualificado pela omissão sistemática da União no cumprimento de suas promessas constitucionais. 

Essa apatia, demais das vezes codelinquente, repercutiu internacionalmente, porque o resultado do fluxo migratório, incontrolável, transcendeu o espaço urbano, e, quanto à criminalidade, deslocou-se inicialmente da Venezuela, chegando ao entorno da capital, e, num fluxo contínuo, deslocou-se às florestas e áreas "rurais", para de lá potencializarem, ainda mais, violações aos direitos fundamentais e direitos humanos. 

Tais considerações deixam claro que  atividades ilícitas passam facilmente pela vasta, escassamente povoada e pouco policiada região fronteiriça, onde barcos e aviões transitam sem limites. É notório que as rotas das atividades ilegais na floresta amazônica - drogas e mineração ilegal - afetam as taxas de desmatamento, estando diretamente relacionada aos danos à biodiversidade e aos fatores étnicos-socais das comunidades originárias. 

Conclusão 

Todos os fatos públicos e notórios ocorridos no estado de Roraima resultam num Estado Transfronteiriço de Coisas Inconstitucional, considerando a) a vulneração massiva e generalizada de vários direitos fundamentais, a afetar um número significativo de pessoas; b) a prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações para garantir direitos; c) a falta de adoção de medidas legislativas, administrativas ou orçamentárias necessárias para evitar a vulneração dos direitos; d) a existência de um problema social de cuja solução depende da intervenção de várias entidades; e e) a perpetuação ou o agravamento dessa situação em área de fronteira.

Após tanto tempo de pressão transfronteiriça, é passada a hora do Governo Brasileiro tomar a frente das políticas nacionais e internacionais, em inadiável debate, a superar a violação sistemática de direitos humanos em áreas de fronteira, que noticiam, a toda evidência, a fragilidade permanente a favorecer o narco-desmatamento por meio das ilicitudes ocorridas no extremo norte do país, região ainda pouco atendida pela distribuição de poder político e carente de atuação diplomática. 

Herick Feijó

VIP Herick Feijó

Advogado, mestre em Cidadania e Direitos Humanos, especialista em Direito Público e ex-membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais (CFOAB).

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