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Avaliação pericial das repercussões psíquicas da cetamina

Cetamina: criada como anestésico, usada em humanos para depressão resistente. Uso recreativo é perigoso e ilegal em muitos casos.

terça-feira, 16 de julho de 2024

Atualizado em 18 de julho de 2024 09:46

A cetamina, de nome científico, CI-581 ou hidrocloridrato de cetamina, foi criada na década de 1960 para uso como anestésico, porém após as constatações de seus efeitos adversos, como como alucinações e sonhos vívidos, passou a ser usada como anestésico de animais1.

Posteriormente, com o avanço científico, foram identificados usos terapêuticos para humanos, sendo o mais estabelecido para a Depressão resistente a outros tratamentos.

Pelos seus efeitos, é utilizada de maneira inadequada e perigosa de forma recreativa. Neste contexto é conhecida como K, special K, entre outros. Pode ser encontrada nas apresentações em pó, tabletas e líquida.

No Brasil, a compra ilegal muitas vezes se dá mediante apresentação de receita prescrita por veterinário. Alguns nomes comerciais são Dopalen® ou Cetamim®2.

1.1. Cetamina e seus efeitos psíquicos

Os efeitos da cetamina são intensos e de curta duração. Variam de indivíduo para indivíduo, podendo ser os seguintes:

Quadro: Efeitos psíquicos da cetamina

Fonte: Cordeiro e Diehl (2019)3.

De acordo com a bula do Cloridrato de Cetamina, deve-se ter cuidado em sua administração, inclusive em contexto terapêutico, por seus efeitos psíquicos. Estes podem variar desde estados oníricos agradáveis, imagens vívidas, alucinações até o delirium. Estas alterações mentais podem ser acompanhado de estados desagradáveis, como de confusão, excitabilidade e conduta irracional4.

Vale ressaltar que em doses acima de 150 mg, a cetamina pode induzir dissociações graves, com experiências de sensações de distanciamento da realidade e outras percepções alteradas e sintomas psicóticos, como o que ocorre na esquizofrenia5.

Em indivíduos saudáveis, mesmo uma dose de cetamina induz sintomas transitórios positivos e negativos de esquizofrenia6. Usuários diários apresentam mais e mais graves episódios de delírios, dissociação e esquizotipía em comparação com usuários infrequentes. Não obstante, mesmo estes usuários semanais e mensais apresentam mais estes sintomas que usuários de outras substâncias ou população em geral7.

Esta substância também tem sido associada a episódios de suicídio, maior risco de traumas, acidentes e até mesmo morte, pela dissociação e efeitos anestésicos8.

Quadros depressivos são comuns e estão especialmente presente na síndrome de abstinência, agravando o quadro9.

Também são comuns quadros de disforia, ansiedade, insônia e desorientação e relatos de flashbacks10.

O uso frequente e diário de cetamina também está associado ao comprometimento neurocognitivo e, mais fortemente, aos déficits na memória operacional e episódica11.

A cetamina é uma substância psicotrópica, que causa dependência, sendo inclusive alertado em bula.

Quanto aos sintomas de síndrome de abstinência, apesar de não haver um quadro estabelecido, costuma ser caracterizado por fissura, ansiedade, tremores, sudorese e palpitações12.

Importante pontuar que misturar o consumo de cetamina com psicoestimulantes e/ou alucinógenos pode causar uma reação imprevisível e muito perigosa13.

Desse modo, em casos jurídicos envolvendo usuários de cetamina, é fundamental analisar os impactos destas repercussões psíquicas da cetamina para a vida do indivíduo, assim como sua relação com o crime pelo qual é acusado.

Peritos e assistentes técnicos em psiquiatria forense e psicologia jurídica deverão verificar como era a manifestação dos efeitos psíquicos agudos e crônicos no avaliado, assim como outros quadros de uso de substâncias e de saúde mental associados, o que é comum na dependência química, como de depressão, ansiedade e transtornos psicóticos.

Também deve-se investigar se o crime foi praticado quando o indivíduo estava intoxicado, em síndrome de abstinência, ou mesmo em um período que estava sem consumir, pois isso determinará a influência da substância sobre seu comportamento criminoso.

Uma vez estabelecida o diagnóstico de transtorno relacionado a cetamina, o perito e o assistente técnico analisarão se este quadro teve nexo de causalidade com o ato em pauta, ou seja, uma relação de causa e efeito, em que a ação ou omissão delituosa foi consequência ou expressão sintomatológica do transtorno. No caso da cetamina, o nexo poderia estar, por exemplo, no conteúdo da alucinação e/ou delírio produzido, ou no caso de um acidente, na má condução do veículo pelos efeitos psicoativos.

Em seguida, o perito ou o assistente técnico psiquiatra forense e psicólogo jurídico irão verificar se o transtorno relacionado a cetamina prejudicou parcial ou totalmente a capacidade do examinado de entendimento, de entender o caráter ilícito da ação ou omissão. Esta capacidade está comprometida, por exemplo, quando a cetamina causa alucinações, delírios, delirium, confusão mental, desorientação, entre outros efeitos.

Os profissionais também terão que identificar se o consumo de substâncias afetou a capacidade de determinação, a abolição ou redução do autogoverno. No caso da cetamina, esta capacidade está impactada quando o indivíduo vive os efeitos de dissociação grave, comportamento desorganizado, conduta irracional, sensação de perda do controle, entre outros efeitos.

Ao identificar os aspectos citados, e elaboração do laudo e parecer técnico, o perito e o assistente técnico, respectivamente, fornecerão aos operadores do direito informações pertinentes para a decisão sobre a imputabilidade ou inimputabilidade do indivíduo usuário de cetamina que cometeu ato delituoso.

Quando este estava com suas capacidades de entendimento e/ou de determinação comprometidas pelo seu consumo de cetamina, e este uso de substância é caracterizado como causa do crime, considera-se que este apresenta elementos correspondentes a inimputabilidade penal, com necessidade de tratamento e não de pena, sendo em geral determinada a medida de segurança.

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1 Cordeiro DC. Alucinógenos. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeiraa  R. Dependência química : prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

2 Cordeiro DC e Diehl A. Inalantes e outras drogas. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeiraa  R. Dependência química : prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

3 Cordeiro DC e Diehl A. Inalantes e outras drogas. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeiraa  R. Dependência química : prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

4 Consulta remárdios. Cloridrato de Cetamina. https://consultaremedios.com.br/cloridrato-de-cetamina/bula

5 Cordeiro DC e Diehl A. Inalantes e outras drogas. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeiraa  R. Dependência química : prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

6 Beck K, Hindley G, Borgan F, et al. Association of Ketamine With Psychiatric Symptoms and Implications for Its Therapeutic Use and for Understanding Schizophrenia: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Netw Open. 2020;3(5):e204693.

7 Celia J. A. Morgan; H. Valerie Curran; the Independent Scientific Committee on Drugs (ISCD) (2012). Ketamine use: a review. , 107(1), 27-38.

8 Celia J. A. Morgan; H. Valerie Curran; the Independent Scientific Committee on Drugs (ISCD) (2012). Ketamine use: a review. , 107(1), 27-38.

9 Chen, Lian-Yu; Chen, Chih-Ken; Chen, Chun-Hsin; Chang, Hu-Ming; Huang, Ming-Chyi; Xu, Ke (2019). Association of Craving and Depressive Symptoms in Ketamine-Dependent Patients Undergoing Withdrawal Treatment. The American Journal on Addictions, (), ajad.12978-.

10 Consulta remárdios. Cloridrato de Cetamina. https://consultaremedios.com.br/cloridrato-de-cetamina/bula

11 Celia J. A. Morgan; H. Valerie Curran; the Independent Scientific Committee on Drugs (ISCD) (2012). Ketamine use: a review. , 107(1), 27-38.

12 Celia J. A. Morgan; H. Valerie Curran; the Independent Scientific Committee on Drugs (ISCD) (2012). Ketamine use: a review. , 107(1), 27-38.

13 Gobierno de España. Cetamina. Disponível em: https://pnsd.sanidad.gob.es/ciudadanos/informacion/sustanciasPsicoactivas/otrasDrogas/ketamina.htm

Ana Carolina Schmidt de Oliveira

Ana Carolina Schmidt de Oliveira

Psicóloga (PUC Campinas e UNIR Espanha), especialista em dependência química (UNIFESP), máster em psicologia lega e forense (UNED Espanha).

Hewdy Lobo

Hewdy Lobo

Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

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