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Responsabilidade civil e penal dos descendentes e o abandono afetivo

Trata o presente artigo da responsabilidade civil e penal dos que devem e podem prover assistência aos ascendentes hipossuficientes, evitando abandono afetivo.

terça-feira, 16 de julho de 2024

Atualizado às 14:01

A Constituição Cidadã de 1988 determina, em seu art. 229, que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Nas últimas décadas a longevidade do ser humano aumentou para um patamar médio, próximo dos 80 anos. Constatação científica que arrasta consigo conflitos econômico-sociais crescentes. No Brasil, mormente, decorrência das graves desigualdades sociais, o problema assume dimensões alarmantes. Surpreendentemente, a instituição Família, tenta eximir-se da responsabilidade do cuidado para com os ascendentes, principalmente os idosos hipossuficientes.

Em socorro à crescente desídia, a lei 10.741/03, o Estatuto do Idoso, já em seu art. 3º, prevê a obrigação da família assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade: a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.  

O direito à habitação, do idoso, é amparado pelo art. 37 da emblemática lei, que determina: "A pessoa idosa tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhada de seus familiares, quando assim o desejar, ou ainda, em instituição pública ou privada".

O Estatuto do Idoso é rigoroso,  quanto às punições previstas para os infratores de um efetivo e frágil tema. Tanto assim que,  seu art. 98 prevê detenção de 6(seis) meses a 3(três) anos e multa, no caso de abandono de pessoa idosa, em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou na hipótese  de não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado.

O art. 97 cuida, mormente, da punição por omissão de socorro à pessoa idosa, cujo texto impõe pena de 6 meses a 1 ano e multa para quem deixar de prestar assistência à pessoa idosa, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir nesses casos, o socorro de autoridade pública, aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta de morte.

Por seu turno, na esfera criminal, o Código Penal prevê, em seu art. 244, detenção de 1 a 4 anos e multa, de 1 a dez 10 vezes o maior salário  mínimo vigente no país para quem: " Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo". Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada".     

Vale registrar que, além da legislação vigente, tramita no Senado Federal o PL 4.229/19, cuja redação prevê a responsabilização civil subjetiva dos filhos por abandono afetivo, no caso do descumprimento do dever de cuidado, amparo e proteção do idoso, pelo dano gerado a ele (sentimento de isolamento, de solidão, quadros depressivos, entre outros).

O tempo é inexorável, sem percebermos, nos tornaremos estatística de complexos enredos  familiares, com desfechos imprevisíveis. A equação básica de crescimento mostra um exponencial aumento do número de idosos. Prevê-se, a curto prazo, verdadeira explosão de uma demanda social, envolvendo cidadãos da terceira idade, exigindo especial atenção dos familiares e do Estado.

Emerge sombria dúvida, considerando-se o crescente desinteresse familiar em cuidar de seus idosos, estará o Estado preparado para atender exponencial demanda? A função precípua do Poder Judiciário é a de guardar a Constituição e aplicar a lei ao fato concreto, que o faça com a maior celeridade e isenção possíveis, particularmente, a fim de impedir a aplicação da máxima lembrada por Rui Barbosa: "Justiça tardia é injustiça institucionalizada".

Antonio Riccitelli

VIP Antonio Riccitelli

Advogado, Administrador, Consultor Jurídico, Árbitro e Mediador. Membro do Conselho Jurídico da INVESTBRASIL e do Grupo de Pesquisas Direitos humanos na Sociedade da Informação, do Programa de Mestrado da FMU. Coordenador de Direitos Humanos da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SP.

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