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Honorários advocatícios não se submetem aos efeitos da recuperação judicial

STJ entende que a sucumbência constituída após o pedido de recuperação judicial não se submete aos seus efeitos.

terça-feira, 16 de julho de 2024

Atualizado às 13:58

A recuperação judicial é um instituto jurídico de extrema importância no ordenamento brasileiro, sendo um mecanismo que visa a preservação da empresa em crise, garantindo a manutenção da atividade econômica e dos empregos. Contudo, um tema que gera frequentes discussões nos tribunais diz respeito à sujeição dos honorários advocatícios aos efeitos da recuperação judicial.

O STJ consolidou o entendimento de que os honorários advocatícios constituídos após o pedido de recuperação não se submetem aos seus efeitos. Vamos analisar os fundamentos e implicações dessa decisão.

Os honorários advocatícios, conforme o art. 22 da lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), possuem natureza alimentar, equiparando-se aos salários dos trabalhadores. Essa equiparação se justifica pela função social do advogado, indispensável à administração da justiça, conforme preconiza o art. 133 da Constituição Federal. Dessa forma, os honorários advocatícios gozam de uma proteção especial, sendo, inclusive, impenhoráveis nos termos do art. 833, IV, do CPC.

Instituída pela lei 11.101/05 (lei de recuperação judicial e falências), a recuperação judicial tem como objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira da empresa, possibilitando a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Para isso, a empresa em recuperação apresenta um plano de recuperação, que deve ser aprovado pelos credores em assembleia. Uma vez aprovado, os créditos constituídos até a data do pedido de recuperação judicial ficam sujeitos aos seus efeitos, sendo a sua execução suspensa.

A questão central analisada pelo STJ diz respeito aos honorários advocatícios constituídos após o pedido de recuperação judicial. No julgamento do REsp 1.698.774/SP, a 2ª seção do STJ firmou o entendimento de que tais honorários não se submetem aos efeitos da recuperação judicial. Conforme o relator do caso, ministro Raul Araújo, os honorários advocatícios constituídos após o pedido de recuperação judicial são considerados créditos extraconcursais, ou seja, não estão sujeitos ao plano de recuperação.

Esse entendimento foi fundamentado na interpretação teleológica da Lei de Recuperação Judicial e Falências. Segundo o ministro Raul Araújo, incluir os honorários advocatícios constituídos após o pedido de recuperação judicial no plano de recuperação contraria a própria finalidade do instituto, que é assegurar a continuidade da atividade empresarial. Isso porque, sem a devida remuneração, a prestação de serviços advocatícios ficaria comprometida, prejudicando a defesa dos interesses da empresa em recuperação.

O julgamento foi assim ementado:

DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA POSTERIOR AO PEDIDO RECUPERACIONAL. NATUREZA EXTRACONCURSAL. NÃO SUJEIÇÃO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO E A SEUS EFEITOS.
1. Os créditos constituídos depois de ter o devedor ingressado com o pedido de recuperação judicial estão excluídos do plano e de seus efeitos (art. 49, caput, da lei 11.101/05).
2. A Corte Especial do STJ, no julgamento do EAREsp 1.255.986/PR, decidiu que a sentença (ou o ato jurisdicional equivalente, na competência originária dos tribunais) é o ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios sucumbenciais.
3. Em exegese lógica e sistemática, se a sentença que arbitrou os honorários sucumbenciais se deu posteriormente ao pedido de recuperação judicial, o crédito que dali emana, necessariamente, nascerá com natureza extraconcursal, já que, nos termos do art. 49, caput da lei 11.101/05, sujeitam-se ao plano de soerguimento os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos, e não os posteriores. Por outro lado, se a sentença que arbitrou os honorários advocatícios for anterior ao pedido recuperacional, o crédito dali decorrente deverá ser tido como concursal, devendo ser habilitado e pago nos termos do plano de recuperação judicial.
4. Na hipótese, a sentença que fixou os honorários advocatícios foi prolatada após o pedido de recuperação judicial e, por conseguinte, em se tratando de crédito constituído posteriormente ao pleito recuperacional, tal verba não deverá se submeter aos seus efeitos, ressalvando-se o controle dos atos expropriatórios pelo juízo universal.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1.841.960/SP, rel. ministra NANCY ANDRIGHI, rel. p/ acórdão ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/2/20, DJe 13/4/20)

Se a sentença que arbitrou os honorários for proferida depois do pedido de recuperação, o crédito terá necessariamente natureza extraconcursal, por força do art. 49, caput, da lei 11.101/05:  sujeitam-se aos efeitos da recuperação judicial os  créditos existentes na data do pedido de recuperação.

"Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos."

A decisão do STJ traz importantes implicações para o cenário jurídico e empresarial. Primeiramente, reforça a posição de que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar e, como tal, devem ser protegidos, mesmo em contextos de crise empresarial. Além disso, ao assegurar que esses honorários não se submetem aos efeitos da recuperação judicial, o tribunal garante que os advogados continuem a prestar seus serviços de forma eficaz, sem o risco de inadimplência por parte das empresas em recuperação.

Para os advogados, essa decisão representa uma importante garantia de recebimento de seus honorários, incentivando-os a continuar atuando em casos de recuperação judicial. Para as empresas, por outro lado, a decisão pode representar um aumento nos custos durante o período de recuperação, uma vez que terão que arcar com os honorários advocatícios de forma integral e prioritária.

A recuperação judicial é um instrumento vital para a preservação de empresas em dificuldades financeiras, mas sua aplicação deve ser equilibrada, de forma a garantir também os direitos daqueles que prestam serviços essenciais à sua implementação, como é o caso dos advogados. A decisão do STJ de excluir os honorários advocatícios constituídos após o pedido de recuperação dos efeitos do plano de recuperação judicial é uma medida que protege tanto a função social do advogado, em equilíbrio ao instituto da recuperação judicial.

Otavio Coelho

VIP Otavio Coelho

Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.

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