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Doenças comuns, alegação de dispensa discriminatória e reintegração

O enfrentamento de doenças comuns não pode servir como fundamento para a aplicação de disposição legal que não se refere a doença grave que suscite estigma ou preconceito.

domingo, 14 de julho de 2024

Atualizado em 12 de julho de 2024 12:10

Multiplicam-se as demandas na esfera trabalhista em que se postula o reconhecimento de doenças alegadamente profissionais que, não raro, não guardam qualquer relação com as atividades funcionais, mas que, a despeito disto, de forma temerária, se pretende imputar as consequências ao empregador, o que se faz quase sempre mediante a invocação de disposições contidas na lei 9.029/95 onde se proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros.

O exame da lei 9.029/95 indica ter ela por escopo fundamental obstar situações em que se venha a promover a dispensa do trabalhador quando acometido de doença grave que, conforme registra-se, possa suscitar estigma ou preconceito, o que implica, caso isto se venha a constatar, na invalidação do desligamento com a consequente reintegração do empregado e a concessão das verbas que tenha deixado de auferir entre a data da dispensa e o momento de retorno às suas atividades funcionais, a exemplo da situação enfocada no v. aresto a seguir transcrito:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO E PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DO PERÍODO DEVIDOS. Constatada a dispensa discriminatória, impõe-se a reintegração da trabalhadora e o pagamento dos salários do período, nos termos do art. 4º, I, da lei 9.029/95. Recurso da reclamante ao qual se dá provimento, no particular. (TRT-2 10003532320215020255 SP, relator: SERGIO ROBERTO RODRIGUES, 11ª turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 25/04/2022). (Grifou-se).

Cuidando especificamente da hipótese de dispensa discriminatória, a jurisprudência firmada pelo Colendo TST por intermédio da súmula 443 põe em relevo que:

"DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego." (Destaques nossos).

Em pesquisa jurisprudencial voltada a ilustrar, exemplificativamente, o que se tem admitido nas decisões judiciais acolhendo e reconhecendo a dispensa discriminatória, são identificados casos como aqueles que a seguir vão relacionados: Câncer - TST - RR 0010925-49.2020.5.15.0119 - TRT-2 RO 1000060-48.2019.5.02.0441 - TRT-2 - ROT 1001013-23.2021.5.02.0447; AIDS, câncer e hanseníase - (TRT-23 - ROT 0000160-83.2022.5.23.0003 - TRT-9 - ROT: 0000611-43.2022.5.09.0668); transtorno bipolar e depressão (TST - RRAg: 1001135-14.2017.5.02.0241 - TRT-3 - RO: 0010762-32.2019.5.03.0186); Portador de transtorno psiquiátrico/depressão - TRT-4 - RO 0000755-24.2011.5.04.0221; Doença psiquiátrica - (TRT-4 - ROT: 0020653-21.2021.5.04.0561); limitação física do empregado vítima de acidente de trabalho - (TRT-16 0017045-18.2018.5.16.0001); dependente químico  (TRT-1 - RO 0100197-79.2019.5.01.0054 - TRT-1 - ROT 0101052-03.2019.5.01.0040); dispensa da empregada gestante - (TRT-15 - ROT 0011426-35.2018.5.15.0034); dispensa de empregados com mais de 60 anos - (TRT-9 - ROT: 0000643-25.2020.5.09.0084  -  TRT-9 - ROT 0000676-88.2021.5.09.0016 - TRT-1 - RO: 0100694-27.2018.5.01.0055; Cardiopatia grave - (TST - Ag-ED-E-ED-RR: 0010294-11.2019.5.15.0097); Identidade de gênero - (TRT-1 - RO: 0100846-58.2019.5.01.0017); Neoplasia maligna de mama - (TRT-2 - ROT: 1000691-45.2020.5.02.0606  -  TST - Ag-AIRR 0020763-56.2018.5.04.0001 - TST - RR: 0000666-11.2021.5.09.0124); Esclerose múltipla e mielite - (TRT-2 - ROT: 100052249.2020.5.02.0027).

Ressumbra inequívoco, assim, que se terá a incidência da norma em comento quando se tiver a identificação de doença que, acometendo o empregado, for caracterizada como doença grave que suscite estigma ou preconceito, ensejando conclusão no sentido de que discriminatória terá sido a dispensa com os efeitos disso decorrentes em favor do trabalhador.

Mas não raro constata-se a veiculação de pretensões ajuizadas perante a Justiça do Trabalho invocando as disposições referidas na lei 9.029/95 e buscando a incidência do que se acha estabelecido nessa norma para, então, ampliar o rol de situações que se prestariam, em tese, a incluir doenças comuns como hábeis à caracterização de males que poderiam suscitar "estigma ou preconceito" e, em consequência, emprestando descabido fundamento para pleitos de reintegração, além de reparações material e moral.

Apenas para ilustrar o que ora é enfocado, calha citar caso em que o trabalhador promoveu contra o seu empregador demanda em que argumentou que tendo contraído Chinkungunya, Influenza e Dengue, ter-se-ia que reconhecer que a sua dispensa, quando do retorno ao trabalho, deveria ser reconhecida como discriminatória e, por consequência, ensejaria ou a sua reintegração, ou a aplicação dos efeitos previstos na lei 9.029/95, mesmo se tendo a concessão de benefícios previdenciários deferidos e enquadrados pelo INSS na espécie B31 (sem relação com as atividades funcionais) e não B91 (acidente do trabalho/doença profissional).

A eventual propositura de demanda em tais condições, presta-se apenas a evidenciar uma posição temerária e ofensiva ao sistema normativo vigorante, além de desprestigiar a credibilidade que se deve ter sempre no sistema judiciário, porquanto acredita-se, falaciosamente, que este sistema poderá, no caso de doenças reconhecidamente comuns, permitir a construção de tese temerária que permitiria, de algum modo, imputar ao empregador a responsabilidade pelos afastamentos deferidos ao empregado sem qualquer relação com as atribuições funcionais e sem que se possa enquadrar o mal sofrido nas hipóteses referidas na lei 9.029/95.

Tal sustentação, ao ser veiculada e admitida, presta-se a afetar gravemente a esperada segurança jurídica agredindo e atropelando todo um sistema de proteção que deve prevalecer de lado a lado. Mas não só isto. Restaria evidenciada a construção e a aceitação de uma tese temerária, apta a caracterizar indiscutível litigância de má-fé, conforme previsão inscrita nos arts. 793-B, da CLT, e art. 80 do CPC.

Na situação anteriormente citada e referida como exemplo, ao se dar o desligamento do obreiro atendeu-se atentamente às rotinas e os procedimentos previstos e nada se poderia afirmar no sentido de que tenha a empregadora incorrido em conduta irregular ao dispensá-lo após avaliação médica que, confirmando o que já havia sido afirmado pelo INSS, indicou estar ele APTO ao desempenho de suas atividades funcionais, nada se indicando que pudesse obstar a dispensa.

Forçoso reconhecer que a empregadora, no legítimo exercício de direito potestativo e discricionário em lei previsto, jamais poderia ter incorrido na prática de qualquer ato irregular, os quais estariam alegadamente previstos no bojo da lei 9.029/95, porquanto o desligamento do trabalhador teria ocorrido de modo regular e sem qualquer conteúdo discriminatório.

Atestando-se estar o trabalhador hábil ao desempenho de suas atividades funcionais e tendo ele sido afastado por doenças sem qualquer relação com o trabalho, nada obstaria o seu desligamento e não se poderia impingir ao empregador uma responsabilidade sem qualquer base legal e que se referiria à demonstração dos fundamentos do desligamento.

Confira-se, a respeito, orientação jurisprudencial que se colhe em casos onde se tem a indicação de haver o afastamento ocorrido em face de ter sido o trabalhador acometido de doenças comuns e onde externa-se conclusão no sentido de que não restando caracterizada a dispensa discriminatória e, ainda, não tendo produzido o trabalhador provas no sentido da prática irregular, não se teria como sustentar os pleitos veiculados com o escopo de alcançar a sua reintegração ou mesmo de eventuais reparações. Confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Segundo o quadro fático trazido pelo Regional, as provas existentes nos autos não indicam que a dispensa do reclamante tenha ocorrido em virtude do seu quadro de saúde. Desse modo, concluiu a Corte a quo que a dispensa não foi discriminatória. A decisão recorrida está fundamentada no exame da prova produzida, cuja reapreciação é obstada nesta instância extraordinária, e pela qual não foi constatada a dispensa discriminatória. Incidência da súmula 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST - AIRR: 101918120165030084, relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 07/11/2018, 8ª turma, Data de Publicação: DEJT 9/11/18).

DANO MORAL - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO - Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação. (TRT-1 - RO: 01010964620175010281 RJ, relator: CESAR MARQUES CARVALHO, Data de Julgamento: 24/7/18, 4ª turma, Data de Publicação: 31/7/18)

DANO MORAL - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO - Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação. (TRT-1 - RO: 01010964620175010281 RJ, relator: CESAR MARQUES CARVALHO, Data de Julgamento: 24/07/2018, 4ª turma, Data de Publicação: 31/7/18)

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO . Caso em que não se verifica abuso do direito potestativo do empregador de rescindir sem justa causa o contrato de trabalho, na medida em que a parte reclamante foi acometida de moléstia que não se caracteriza como "doença grave que suscite estigma ou preconceito" (súmula 443 do TST), o que afasta a presunção relativa de despedida discriminatória. (TRT-4 - ROT: 00201190720235040012, relator: SIMONE MARIA NUNES, Data de Julgamento: 20/7/23, 6ª turma)

EMENTA: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CARACTERIZADA. Não há qualquer indício nos autos comprovando que a dispensa do reclamante ocorreu por motivo de doença grave e de forma discriminatória, o que afasta, portanto, a indenização prevista no art. 4º, da lei 9.029/95, bem como na súmula 443, do C. TST. Recurso ordinário do reclamante a que se nega provimento. (TRT-2 10010906320205020060 SP, relator: SONIA MARIA FORSTER DO AMARAL, 2ª turma - Cadeira 3, Data de Publicação: 1/12/21)

DANOS MORAIS POR DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. Sobre a dispensa discriminatória, é preciso que haja ato claro do empregador que indique que a rescisão se deu por um motivo não razoável, em decorrência de uma evidente distinção injustificável pela condição pessoal permanente ou temporária do trabalhador. No caso, a doença do autor não atuou como um motivo de discriminação no ambiente da empresa, não configurando dispensa discriminatória. Ademais, ainda que a prova oral tenha indicado que o autor informou à empresa sobre sua patologia e a necessidade de cirurgia, os depoimentos, por si só, não demonstram que, na época da dispensa, a empregadora tivesse ciência de que o procedimento cirúrgico estava, efetivamente, agendado e que ocorreria em alguns dias. Sentença confirmada, no aspecto. (TRT-2 10008971020215020611 SP, relator: MOISES DOS SANTOS HEITOR, 1ª turma - Cadeira 3, Data de Publicação: 24/11/21)

DANO MORAL - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO - Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação. (TRT-1 - RO: 01010964620175010281 RJ, relator: CESAR MARQUES CARVALHO, Data de Julgamento: 24/07/2018, 4ª turma, Data de Publicação: 31/7/18)

(Destaques nossos).

Em suma, cumpre enfatizar que firma-se acertadamente a jurisprudência no sentido de não entender como discriminatória a dispensa que, sem justa causa, é praticada pelo empregador no exercício do direito potestativo que lhe é assegurado quando não são demonstradas as hipóteses referidas na Lei n.º 9.029/95, mas quando se tem a clara indicação de que os afastamentos do trabalhador decorreram de ter ele sido acometido por doenças comuns, sem relação, portanto, com suas atividades funcionais.

Ademais, ressalta evidente que a conduta que se reputa discriminatória deve ser provada pelo empregado e não pelo empregador, descabendo falar-se em presunção em favor do trabalhador, mesmo porque se assim não fosse, estar-se-ia construindo tese que implicaria na clara e indesejável subversão da ordem jurídica.

Não é demais, para finalizar o presente trabalho, fazer-se referência a fundamentos bem expostos em v. acórdão proferido pelo Colendo TRT da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins) e onde se tem conclusões bem lançadas no sentido de que afastado o trabalhador em face de problemas de saúde que não se encaixam na diretriz jurisprudencial contida na Súmula nº 443/TST, descabido pretender-se que isto se transforme em eterna inviabilidade ao exercício pleno do poder diretivo do empregador (Proc. n.º 0000262-10.2023.5.10.0011 - ACÓRDÃO 1ª Turma).

Airton R. Nóbrega

VIP Airton R. Nóbrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT.

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