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Linguagem simples é tendência, mas sofre resistências

Debate sobre simplificação da linguagem jurídica divide opiniões entre facilitar acesso à justiça e manter precisão técnica.

domingo, 14 de julho de 2024

Atualizado em 12 de julho de 2024 11:48

Textos jurídicos em geral são marcados por frases longas, orações intercaladas, palavras em latim, jargões jurídicos e uso da ordem indireta na voz passiva. Recentemente, o portal Migalhas perguntou a juristas quais palavras em "juridiquês" deveriam ser banidas. A iniciativa está inserida no contexto da "linguagem simples" que tem encontrado no Ministro Barroso um importante porta-voz no ambiente jurídico.

A publicação gerou opiniões divididas: alguns profissionais dão suporte a esse movimento, preocupados com a necessidade de garantir acesso à justiça e aos direitos em todas as suas formas, inclusive pela linguagem. Outros comentários afirmaram que há necessidade de se observar a técnica jurídica de escrita, que é papel de operadores do Direito "traduzir" os aspectos jurídicos para seus clientes.

Diversos são os exemplos que estão em curso no Brasil para produção de textos legais e peças jurídicas mais concisas, claras e mais acessíveis para os cidadãos. Porém, os comentários ao vídeo publicado pelo Portal Migalhas no Instagram demonstraram que há resistência à proposta de linguagem simples. Para aprofundar na compreensão dessa resistência é importante que façamos algumas perguntas sobre por que juristas usam o juridiquês. Isso seria necessário pois a técnica jurídica assim exige? Será que é para cobrar honorários mais altos? Para parecermos conhecedores de assuntos que leigos não sabem? Ou seria para termos uma identidade de grupo, gerando um status diferenciado das demais pessoas?

Essas e outras hipóteses foram analisadas por um estudo de pesquisadores do MIT que chegaram a uma conclusão curiosa: juristas usam o juridiquês porque é assim que aprendem nas faculdades, porque é assim que os livros da área são escritos e é desta forma que as decisões judiciais são publicadas. É uma questão cultural, não técnica. O estudo submeteu versões reescritas de textos típicos jurídicos para análise de juízes, bancas de advocacia e advogados autônomos. O resultado é que houve preferência pelas versões que utilizam a técnica da linguagem simples. Ou seja, nem advogados gostam do juridiquês.

A adoção de uma linguagem simples no Direito é crucial para democratizar o acesso à Justiça e reduzir as assimetrias. Por isso, é preciso que compreendamos que:

  1. O movimento da linguagem simples é uma tendência internacional. É preciso que a gente conheça as diferentes experiências e busque acessar outros bons referenciais além do que já trazemos nas nossas bagagens de atuação jurídica;
  2. Linguagem simples não é linguagem simplória ou informal. Há técnicas e estudos para isso. A ISO 24495-1:2023 é um exemplo e estabeleceu em junho/23 as diretrizes gerais para uma comunicação clara e objetiva. Está em curso a criação da parte 2 desta ISO, focada em aspectos jurídicos.
  3. A adoção da linguagem simples é boa para todas as pessoas:  não apenas para quem é leigo no Direito. Esse movimento e técnica de linguagem apoia a compreensão de textos até para juízes, advogados e juristas em geral, gerando eficiência.

Com base na experiência junto a clientes, alunos e órgãos públicos, tenho percebido que há perfis que estão mais abertos a esse movimento e outros que ainda buscam justificativas para manutenção do atual cenário. Acredito que para apoiar a mudança cultural de adoção de uma linguagem jurídica de mais fácil compreensão é importante que a gente domine as diferentes técnicas e busque a construção de uma comunicação que seja clara e eficaz junto aos nossos diferentes interlocutores.

Aline Gonçalves de Souza

Aline Gonçalves de Souza

Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Doutoranda em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas.

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