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A fama e os influenciadores digitais: Desafios e responsabilidades jurídicas

A pressão por engajamento e seguidores afeta a saúde mental dos influenciadores digitais, além de trazer desafios jurídicos e emocionais.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Atualizado às 07:34

Curtidas, curtidas, curtidas! A busca incessante por aprovação e a necessidade constante de aumentar a base de seguidores são características marcantes do mundo dos influenciadores digitais. No entanto, por trás do aparente glamour, há uma série de desafios que afetam diretamente a saúde mental desses criadores de conteúdo, bem como devem ser bem analisadas, inclusive por seus reflexos jurídicos.

A busca incessante por engajamento, a necessidade de se adaptar aos algoritmos em constante mudança, lidar com as demandas dos seguidores e enfrentar ataques de haters requerem uma disposição considerável e, muitas vezes, doses elevadas de coragem.

Este cenário já fez do marketing de influência o emprego dos sonhos de muitos jovens. Segundo um levantamento da INFLR, uma startup que conecta marcas a personalidades populares nas redes, 75% dos jovens se interessam em ingressar no mundo da influência, sendo que 63% são motivados pelo retorno financeiro1.

O que muitos não percebem é que, nos bastidores, mostrar o dia a dia, criar tendências e influenciar decisões de compra é um trabalho árduo e de grande responsabilidade. A pressão constante para manter o carisma perante a audiência e gerar resultados para as marcas pode gerar uma ansiedade constante. Nesse contexto, é essencial ter um preparo psicológico para lidar com altos níveis de exposição e a possível queda abrupta de popularidade, além de bem medir a exposição para que outros problemas, inclusive jurídicos, não advenham da atividade.

A realidade é que a fama no universo das redes sociais, como no Instagram ou TikTok, não é eterna. Assim como artistas consagrados podem cair no esquecimento, os influenciadores digitais também estão sujeitos a isso. Portanto, é fundamental conhecer os próprios limites e contar com uma rede de apoio para evitar os danos à saúde mental e ao bolso, com pedidos de indenizações e processos judiciais.

Casos trágicos, como o de PC Siqueira e Rodrigo Amendoim, ilustram a gravidade da situação. PC Siqueira, um dos pioneiros da produção de conteúdo no Brasil, tirou a própria vida aos 37 anos, após desenvolver um quadro de depressão, possivelmente devido à queda de popularidade2. Rodrigo Amendoim, influenciador e humorista baiano de 24 anos, também sucumbiu à pressão dos ataques de ódio, principalmente de cunho racista, deixando um filho3.

Além das questões de saúde mental, os influenciadores devem estar cientes das responsabilidades jurídicas que acompanham sua influência. A responsabilidade civil e penal dos influenciadores é uma realidade que não pode ser ignorada. Influenciadores podem ser responsabilizados por danos causados por suas ações ou omissões, especialmente quando essas ações resultam em consequências negativas para seus seguidores.

O Código Penal Brasileiro prevê punições para aqueles que incitam comportamentos perigosos que resultem em lesões ou morte. O Marco Civil da Internet e o CDC também estabelecem normas que podem ser aplicadas para responsabilizar influenciadores por práticas enganosas ou abusivas.

Portanto, é crucial que os influenciadores compreendam a extensão de sua responsabilidade e ajam com cuidado e ética. Manter a saúde mental em dia é essencial não apenas para o bem-estar pessoal, mas também para evitar consequências negativas para os seguidores. A negligência nesse aspecto pode levar a sérias penalidades jurídicas, além de causar danos irreparáveis aos seguidores e a si próprio.

Para aqueles que desejam entrar nesse universo, não desanimem! Com equilíbrio entre trabalho, vida pessoal e emocional, é possível aproveitar os benefícios da fama e do sucesso financeiro. No entanto, é fundamental entender os riscos e as responsabilidades envolvidas para garantir uma carreira sustentável e saudável no mundo das redes sociais.

Mas quais são os principais desafios na carreira dos influenciadores digitais?

Falta de privacidade:

A questão da privacidade online é um tema recorrente, tanto em debates sobre legislação quanto sobre individualidade. Mostrar continuamente o que se faz, do momento que se acorda até a hora de dormir, não é saudável. Isso afeta a privacidade e gera expectativas tanto para o público quanto para os influenciadores, que se sentem obrigados a revelar detalhes pessoais para manter a base de fãs engajada. Embora sejam figuras públicas, os influenciadores não devem compartilhar tudo, pois isso pode levar à exaustão no simples afã de agradar uma audiência.

Excessiva pressão:

A relevância e a pressão por criar conteúdos inventivos é um problema comum para 81% dos influenciadores digitais, conforme pesquisa da Criadores iD. O público exigente está sempre pronto para criticar conteúdos de qualidade inferior, e os algoritmos das plataformas sociais punem a falta de periodicidade nas postagens, reduzindo o alcance. Isso cria um ciclo de autocobrança perigoso, levando facilmente à exaustão mental.

Busca constante por engajamento:

Curtidas, comentários e reações são métricas cruciais para influenciadores, sendo indicadores de um público fiel e interessado. No entanto, a concorrência é feroz: o Brasil já conta com mais de 10 milhões de nanoinfluenciadores, o que corresponde a 79% dos influenciadores do Instagram4. Manter altas métricas de engajamento exige criatividade, disposição e muito trabalho, gerando ansiedade na busca constante por números relevantes.

Adaptação aos algoritmos:

Os algoritmos das redes sociais, que determinam a relevância e o alcance dos conteúdos, mudam frequentemente. Isso força os influenciadores a se adaptarem constantemente, um processo estressante que nem sempre traz os resultados esperados.

É certo que os fundamentos dos algoritmos não mudam com a mesma frequência, mas as plataformas ajustam suas políticas e inteligências artificiais para melhorar a experiência do usuário.

O Instagram, por exemplo, recalibra seu feed de recomendação para equilibrar diferentes tipos de conteúdo, como Reels, carrosséis e fotos, o que exige mais consistência e diversificação na criação de conteúdos não só informativos pelos influenciadores, mas também úteis e divertidos dentro do nicho e público escolhidos, até porque o conteúdo recomendado é aquele que tem maior probabilidade de manter os usuários engajados.

Pressão do público:

Os influenciadores frequentemente se sentem pressionados pelas demandas do público, que podem parecer inofensivas, mas geram uma sensação de obrigação constante. As cobranças excessivas podem ultrapassar limites saudáveis, especialmente quando seguidores se sentem livres para comentar de forma hostil sobre o corpo, hábitos e comportamentos dos influenciadores.

Em entrevista pessoal, a micro influenciadora Sheila Paula dos Santos Mello, diz como se sentiu ao receber críticas sobre seu corpo e sua idade em um de seus reels: "Sobre os haters sempre vão existir. Felizmente sou uma pessoa que não se abala muito com os comentários. Me impressiona como uma pessoa que não me conhece pode me julgar por uma simples foto ou um vídeo. Na maioria da vezes, o hater não conhece nada da vida da pessoa que está julgando. Critica por inveja ou pelo simples ato de criticar".

Complementa Sheila, que até mesmo pessoas esclarecidas, que em tese possuem discernimento, inclusive do ponto de vista legal, comentam seus posts de forma misógina, machista ou pejorativa.

O que dizem os especialistas:

A psicóloga Paola Cecília Duarte César5, ressalta que a ansiedade é um desafio comum enfrentado por influenciadores digitais devido à constante pressão para criar conteúdo, manter a relevância e lidar com o feedback do público.

Existem, no entanto, algumas estratégias segundo ela que podem ajudar a lidar com a dinâmica das redes. Algumas ações preventivas são importantes:

  • Estabelecimento de limites de tempo é fundamental. Definir um período diário específico para o uso das plataformas (ainda que faça parte do trabalho) pode contribuir para a manutenção de um equilíbrio saudável com outras atividades. Aplicativos que monitoram e limitam o tempo de uso podem ser úteis nesse sentido. Fazer pausas quando necessário, até mesmo destinar um dia por semana de completo afastamento das plataformas;
  • Investimento em autocuidado: exercícios físicos, meditação e alimentação saudável;
  • Planejamento de conteúdo: ter um cronograma de postagem bem definido pode reduzir a pressão de criar constantemente. A antecipação e organização das publicações permitem que o influenciador tenha momentos de descanso;
  • Construção de uma Rede de Apoio: manter relações próximas com familiares, amigos e outros influenciadores pode proporcionar suporte emocional e ambiente para compartilhar experiências e;
  • Identificação de sinais de alerta do corpo (insônia, fome excessiva ou falta de apetite, humor deprimido, entre outros) e buscar apoio psicológico quando necessário.

A negligência com a saúde emocional pode levar a consequências graves, casos como o acima  narrado pela blogueira Sheila Paula se repetem diariamente e devido ao cansaço e distúrbios emocionais, demonstram que momentos de descanso são mais que necessários.

Ainda, vários são os casos de influenciadores famosos, como Luva de Pedreiro, Kéfera Buchmann e Thaynara OG, que diante de situações de tamanha exigência fizeram pausas para preservar sua saúde mental.

E sob o ponto de vista jurídico? Quais cuidados devem tomar os influenciadores?

A interpretação jurídica é mais uma forma de comportamento. Aliás, "os maiores problemas enfrentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se melhorarmos nossa compreensão sobre o comportamento humano"6 e os influenciadores digitais possuem um poder sem precedentes para moldar as normas sociais e influenciar o comportamento de seus seguidores, especialmente os mais jovens.

Neste sentido, é essencial que os próprios influencers adotem padrões éticos elevados em suas atividades, colocando os interesses dos seguidores em primeiro lugar e ajam com integridade em todas as suas interações, especialmente ao divulgar, recomendar ou vender produtos ou serviços.

Uma das principais razões pelas quais os influencers têm tanto poder é a relação de confiança estabelecida com seus seguidores. Essa confiança é construída ao longo do tempo, através de interações constantes, autenticidade e transparência. Os seguidores veem os influencers como pessoas comuns, cujas opiniões e recomendações são valorizadas e consideradas confiáveis.

Essa relação de confiança é um aspecto fundamental que deve ser levado em conta quando se trata da responsabilidade dos influencers, devendo estes assumir a responsabilidade de promover apenas produtos ou serviços que realmente acreditam e que atendam às expectativas que estão sendo divulgadas, pois isso ajudará a delimitar o seu campo de responsabilidade.

E se algumas orientações pudessem ser dadas aos influencers, ao endossar um produto ou serviço, tendo em vista sua clara responsabilidade, seriam no sentido de estear suas ações no mínimo em três pilares:

  • Transparência e veracidade nas recomendações: Deve evitar promover produtos ou serviços apenas por razões financeiras, mas sim basear suas recomendações em experiências reais e genuínas;
  • A proteção dos interesses dos consumidores: Devem realizar uma análise criteriosa dos produtos ou serviços que pretendem promover, levando em consideração sua qualidade, segurança e impacto ambiental. Os influencers também devem alertar seus seguidores sobre possíveis efeitos colaterais ou desvantagens associadas aos produtos ou serviços recomendados;
  • A ética e a responsabilidade social decorrentes de seu poder de influenciar: Devem ser éticos e responsáveis socialmente em suas ações. Não devem promover produtos prejudiciais à saúde ou que violem direitos humanos, bem como engajar-se em causas sociais relevantes. Os influencers possuem uma plataforma poderosa para promover mudanças positivas na sociedade e devem usar esse poder com responsabilidade, orientando inclusive o consumidor a ser consciente em suas escolhas.

Ao basear suas ações nos pilares mencionados, os influenciadores promovem uma relação mais saudável, transparente e confiável na era digital. Além da perspectiva do consumo, é importante lembrar que, apesar da fama, influenciadores digitais são pessoas comuns e, como todos os cidadãos, estão sujeitos às implicações legais dos crimes contra a honra, previstos nos artigos 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria) do Código Penal.

Também é fundamental lembrar que a produção e disseminação de notícias falsas e boatos é crime no Brasil, com penas que podem chegar a quase 3 anos. Esses crimes são previstos e tipificados tanto pelo Código Penal quanto pelo Código Eleitoral Brasileiro.

Portanto, é crucial que os influenciadores analisem cuidadosamente qualquer proposta de parceria de divulgação antes de aceitá-la. Dependendo do caso, o influenciador pode ser responsabilizado criminalmente por delitos cometidos pela empresa parceira, além de expor seus seguidores a riscos, consumindo conteúdos que podem ter uma ilicitude oculta.

Contar com uma assessoria jurídica para tanto é de extrema importância para minimizar eventuais riscos ou ao menos conhecê-los, para que as medidas corretas neste caso sejam tomadas.

Conclusão

A carreira de influenciador digital, embora glamourosa, envolve grandes desafios que afetam a saúde mental, para além das repercussões jurídicas envolvidas. É fundamental que os influenciadores cuidem de sua saúde emocional e estejam cientes das responsabilidades jurídicas que acompanham sua influência. Com equilíbrio e apoio adequado, é possível manter uma carreira saudável e sustentável no mundo das redes sociais, fazendo de fato a diferença na vida de milhares de pessoas.

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1 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/07/para-que-estudar-os-jovens-que-sonham-em-virar-influencers.shtml

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/12/morre-pc-siqueira-que-fez-sucesso-no-youtube-e-foi-apresentador-da-mtv-aos-37.shtml

Disponível em: https://www.estadao.com.br/emais/gente/morre-rodrigo-amendoim-influenciador-de-24-anos-saiba-quem-era/

Disponível em: https://visaodemercado.com.br/marketing-digital/nano-influenciadores-eles-pode-ajudar-o-seu-negocio/#:~:text=Um%20nano%20influenciador%20pode%20te,1mil%20a%2010%20mil%20seguidores.

5 CRP 16346/11 - DF.

6 (SKINNER, Burrhus Frederic. Sobre o behaviorismo. Tradução de Maria da Penha Villalobos. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 11).

Rhuana Rodrigues César

Rhuana Rodrigues César

Especialista em Direito Público, Digital e Compliance, sócia do CHENUT.

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