ESG, Constituição Federal e o terceiro setor: A implementação do transporte como um direito social fundamental
A Emenda Constitucional 90/15 tornou o transporte um direito social no Brasil, alinhando-se aos objetivos globais de desenvolvimento sustentável e à responsabilidade ESG.
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Atualizado às 13:39
A inclusão do transporte como direito social na Constituição Federal do Brasil, por meio da Emenda Constitucional 90/15, representou uma inovação legislativa que reflete a evolução do País em direção ao desenvolvimento sustentável e à responsabilidade ESG (ambiental, social e de governança, na tradução do acrônimo inglês).
Essa Emenda não apenas ampliou os direitos fundamentais dos cidadãos, mas também impôs um novo paradigma para as políticas públicas de mobilidade, exigindo uma abordagem integrada e sustentável que contemple todos os modais e veículos de transporte e promova arranjos institucionais efetivos entre os três setores da sociedade, como foco na eficaz implementação.
Tais avanços conjunturais ocorreram paralelamente no Brasil e no mundo. Em 2015, na medida que o País inseria o transporte como direito social em sua Carta Magna, atualizando a redação do artigo sexto da Constituição Federal; a Organização das Nações Unidas, numa convergência uníssona de 193 Estados, consolidava a Agenda 2030 com olhar de continuidade à missão compartilhada globalmente com os ODM - Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, mas em especial holística a novas vertentes de desafios, aperfeiçoando as metas e indicadores na formatação dos ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Nesse contexto, a efetivação do transporte como direito social se demonstra intrinsecamente ligada e compatível aos ODS, especialmente no que tange à promoção de cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11) e às parcerias interinstitucionais como meios de implementação (ODS 17), numa dinâmica transversal a toda Agenda 2030 e às particularidades locais e regionais de cada País.
Um sistema de transporte eficiente e acessível é essencial para reduzir as desigualdades sociais, promover a inclusão econômica e social, e minimizar os impactos ambientais. Na dianteira dessa articulação multissetorial, os princípios ESG orientam a necessidade de um planejamento de transporte que considere não apenas a eficiência econômica, mas também a equidade social e a sustentabilidade ambiental.
Em outras palavras, isso implica em desenvolver políticas que promovam o uso de veículos com baixa emissão de carbono, como elétricos e híbridos, e incentivar o transporte coletivo intermodal, cicloviário e pedestre, além de ativar equipamentos e veículos proporcionalmente ociosos e plenamente passíveis de integração na estratégia logística, a exemplo da inserção social das aeronaves particulares no contexto do plano macro de regionalização da malha aérea.
A integração de tecnologias verdes e soluções inovadoras, como ITS - sistemas inteligentes de transporte e mecanismos de otimização e facilitação de ofertas e demandas nos diversos modais, são iniciativas cruciais para o desenvolvimento de uma infraestrutura de mobilidade que seja moderna, resiliente e sustentável, atentas às múltiplas necessidades existentes no mercado e apta à democratização do acesso a veículos que, ainda que num primeiro olhar possam gerar resistências por eventual conceito prévio do seu caráter não tradicional, se apresentam como instrumentos de necessário engajamento para o desenvolvimento regional.
Ora, a sistemática social está, como sempre esteve e estará, em plena evolução prática e conceitual. O que antes o próprio veículo automotor, ou seja, o carro, poderia ser visto como item de luxo ou pouco acessível, hoje se performa como uma necessidade básica e sua utilização tão natural como uma regra de convívio. É assim que, numa simples comparação, podemos compreender a inserção das aeronaves privadas no contexto da democratização do transporte como direito social. Essa discussão é latente e de extrema valia.
O que, de forma incoerente, pode ser hoje interpretado como veículos aderentes apenas a altos executivos ou direcionados a públicos de elevada condição social, afastando do senso comum de pertencimento, a bem da verdade, deve ser compreendido como uma peça-chave de conectividade modal e de exercício da cidadania, com possibilidades concretas de facilitação de acesso e uso efetivo no dia a dia das atividades e na promoção do desenvolvimento econômico do País. É, sim, possível e viável que milhares de aeronaves - ociosas em boa parte do seu tempo e disponíveis nos hangares Brasil à fora - possam cumprir sua função social e colaborem com as políticas públicas e o plano estratégico de desenvolvimento nacional.
É inconteste que a implementação do transporte como direito social deve abranger todos os modais, garantindo acessibilidade e eficiência para diferentes necessidades e contextos. Isso inclui o transporte terrestre, que deve incentivar o uso de ônibus, metrôs, trens e bicicletas, promovendo a integração entre esses modais para facilitar o deslocamento urbano e rural. A expansão de ciclovias e a melhoria da infraestrutura para pedestres são fundamentais para reduzir a dependência de veículos motorizados.
Da mesma forma, inclui também o transporte aquaviário que, por sua vez, é essencial - de forma exemplificativa - para regiões ribeirinhas e costeiras, onde a logística por rios e mares é uma alternativa viável e sustentável. A revitalização de portos e o incentivo ao uso de embarcações menos poluentes são medidas necessárias.
E inclui, ainda, a mobilidade aérea, na estreita esteira das abordagens constantes dos parágrafos anteriores, na medi que desempenha um papel decisivo, especialmente em um país de dimensões continentais como o Brasil. O PAN - Plano Aeroviário Nacional e o novo PAC - Programa de Aceleração do Crescimento são exemplos notórios de políticas públicas brasileiras prioritárias que buscam modernizar a infraestrutura aeroportuária, expandir a malha aérea e promover a aviação regional. Como visto, desafios passíveis de alcance num arranjo público-privado com o engajamento do terceiro setor. Assim, investimentos em aeroportos regionais e a criação de rotas que conectem áreas remotas são estratégias para melhorar a conectividade e impulsionar o desenvolvimento econômico local.
Indiscutivelmente, a Emenda Constitucional 90/15 exigiu uma reestruturação das políticas públicas de transporte, alinhando-as com os princípios de sustentabilidade e responsabilidade ESG. O novo PAC e o PAN são iniciativas fundamentais nesse contexto, pois prevêem como respostas investimentos significativos em infraestrutura de transporte, com foco na modernização e expansão das redes de mobilidade urbana e regional.
A política de transporte, no entanto, deve ser inclusiva, contemplando as necessidades de todos os cidadãos, incluindo pessoas com deficiência, idosos e populações de baixa renda. A acessibilidade universal é, em amplo prisma, um princípio norteador das ações governamentais relacionadas à logística, garantindo que todos tenham o direito de se deslocar com dignidade e segurança.
A inclusão do transporte como direito social na Constituição Federal é, portanto, apesar de pouco refletido sob esse prisma no contexto público e privado, um marco legislativo e institucional que reflete o compromisso do Brasil com o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade ESG. Agora, para que esse direito se torne uma realidade concreta, é necessário um esforço coordenado entre os diversos níveis de governo, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada, com clareza e responsabilidade.
A partir de um arranjo consciente entre os primeiro, segundo e terceiro setores, com segurança jurídica, legal, normativa, regulatória e jurisprudencial, é plenamente possível viabilizar investimentos para o desenvolvimento de uma infraestrutura de transporte moderna, acessível e sustentável e para a consolidação de iniciativas concretas voltadas à promoção da justiça social, com foco na redução das desigualdades e na impulsão do crescimento econômico de forma responsável e eficaz.
A transformação da mobilidade urbana e rural em um vetor de desenvolvimento econômico é um desafio que exige inovação, planejamento estratégico e uma visão de longo prazo. O Brasil tem a oportunidade de liderar pelo exemplo, implementando políticas avançadas de transporte e logística intermodais que contemplem as melhores práticas internacionais, se tornem referência para outros países e contribuam para um futuro mais justo e sustentável.
Alexandre Arnone
Advogado especialista em Direito Empresarial e Tributário, atuou como Presidente da Câmara de Comércio Mercosul, Chairman de um Grupo de Institutos nas áreas de mobilidade aérea, social e ambiental.
Loami Bonifácio Júnior
Fundador e Presidente do Instituto Minetoo. Com dupla graduação acadêmica, em Administração de Empresas e em Ciências Humanas, Sociologia e Antropologia, além de MBA em Estratégias Empresariais e especialidades em sustentabilidade e governança corporativa. É também fundador do Instituto S Company e do Instituto de Desenvolvimento Humanitário - Idehm.