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A limitação imposta pela resolução 285/23 do Banco Central do Brasil para compra de cotas de grupos de consórcio por um único consorciado e seu cônjuge

Leandro Coelho Rodrigues e Nathália Carvalho

A Resolução 285/23 do BCB limita aquisição de cotas por consorciado e cônjuge, visando reduzir riscos e controle excessivo nos grupos de consórcio, embora traga desafios operacionais.

terça-feira, 9 de julho de 2024

Atualizado às 07:39

Em linhas gerais, a Resolução 285/23 do BCB1 atualizou conceitos, procedimentos e exigências relativas à constituição e ao funcionamento de grupos de consórcio no país. Além disso, estabeleceu novas condições, agora limitadoras sobre a aquisição de cotas de grupos de consórcio por um único consorciado e seu cônjuge.

E é sobre isso que pretendemos tratar: a resolução impõe um novo critério estabelecido para limitar a aquisição de cotas por um único consorciado e seu cônjuge em um mesmo grupo de consórcio. Parece-nos que a questão não pode ser tratada com simplicidade e merece uma reflexão mais profunda.

Anteriormente, a Circular 3.432/09, em seu art. 7º, parágrafo 4º, estabelecia que o percentual de cotas de um mesmo consorciado em um grupo não poderia ultrapassar 10% (dez por cento) do total de cotas ativas do grupo. Contudo, a Resolução 285/23 modificou esse artigo, incorporando a necessidade de verificar o percentual máximo com base nas cotas ativas do grupo "na data da venda da cota".

Essa adição de um novo critério para medir a quantidade máxima de cotas que um consorciado pode adquirir em um grupo em particular foi feita com a intenção de mitigar os riscos de continuidade do grupo em caso de inadimplência de um consorciado com um grande número de cotas, bem como de evitar o controle indevido das decisões do grupo por parte desse consorciado. Pois bem, a nobre intenção protecionista do BCB pode ter trazido uma dificuldade operacional relevante.

Embora inicialmente possa parecer que essa mudança não terá grandes impactos às administradoras de consórcio e aos grupos em si, uma análise mais aprofundada revela que o Banco Central pode enfrentar desafios decorrentes dos paradoxos criados por essa nova regulamentação.

Para facilitar a compreensão das alterações feitas,é importante compararmos os aspectos pragmáticos da regra anterior e da nova norma. Anteriormente, com base na Circular 3.432/09, a administradora calculava o limite de cotas que poderiam ser vendidas a um único consorciado utilizando um critério estático em relação ao número máximo de cotas ativas do grupo. Por exemplo, na velha regra,  em um grupo de 1.000 cotas, a administradora poderia vender até 100 cotas para um único consorciado.

Com a Resolução 285/23, apesar de manter o critério de 10%, a análise do percentual máximo permitido para aquisição de cotas por um único consorciado e seu cônjuge mudou de estática para dinâmica. Agora, a quantia máxima que pode ser adquirida deve ser calculada com base na quantidade de cotas já vendidas até a data da compra por esse consorciado, e não mais no total de cotas ativas do grupo, trazendo assim uma mudança de referencial.

De maneira bem objetiva, em um grupo com 1.000 cotas ativas, para determinar o limite de cotas que um único consorciado e seu cônjuge podem adquirir, a administradora precisa considerar o número de cotas vendidas até a data da compra, o que resultará no valor máximo de cotas que ele pode adquirir.

A alteração pode passar despercebida ao leitor menos atento, todavia, a alteração traz uma limitação prática importante. O critério dinâmico introduzido pela normativa em questão traz consigo diversas questões que, inicialmente, parecem insolúveis e que exigirão a rápida intervenção do Banco Central do Brasil para resolução.

Levado ao extremo, sob o critério dinâmico, a administradora ficaria impossibilitada de vender a primeira cota no grupo, uma vez que o consorciado, na data da compra, deteria 100% das cotas do grupo, o que contraria o estabelecido na norma.

Essa reflexão é pertinente, visto que o art. 9º está localizado no Capítulo III, tratando assim da constituição do grupo de consórcio. A redação atual não faz distinção na verificação do percentual máximo a ser vendido ao consorciado em um grupo em formação ou em andamento.

Sob a perspectiva da nova regra, Imaginemos que um consorciado adquira 100 cotas em um grupo em formação de 1.000 cotas, ou seja, 10% das cotas ativas determinadas na viabilidade econômico-financeira do grupo realizada pela administradora, conforme estipulado no art. 16 da lei 11.795/09. Entretanto, se a administradora não tiver comercializado todas as cotas do grupo para cumprir com o regulamento, qual seria a ação a ser tomada? Cancelar as cotas que excedem os 10% das cotas ativas na inauguração?

É evidente o paradoxo presente, pois parece não haver uma solução clara.

Qualquer interpretação desse artigo precisa ser realizada através de uma interpretação sistemática e extensiva da norma, pois ela estabelece claramente que o ponto de análise é a data da venda.

Embora pareça que o critério dinâmico seria mais apropriado para grupos em funcionamento, ele também não atende ao propósito do legislador em termos de segurança do grupo.Isso porque ainda que consideremos um cenário ideal -e utópico -em que o grupo é inaugurado com todas as cotas vendidas, aA cada cota cancelada após a inauguração, se não for substituída pela administradora, aumentaria os riscos decorrentes da concentração de cotas por um único consorciado.

Vamos refletir ainda sob mesmo exemplo fantasioso do grupo de 1000 cotas em que um único consorciado adquiriu legitimamente 100 cotas e as outras 900 foram devidamente comercializadas pela administradora de consórcios, se ao longo dos meses seguintes 200 cotas de outros consorciados fossem canceladas, deveria o então único adquirente ser obrigado a liquidar as cotas existentes? A Resolução 285/23 nos parece apontar que sim.  Essa situação que embora fantasiosa é corriqueira no dia a dia de um grupo de consórcio pode colocar as administradoras em posição de descumprimento da norma sem, contudo, ter qualquer gerência sobre isso.

Da mesma forma, em grupos em andamento, parece incoerente estabelecer um critério dinâmico, uma vez que a entrada de novos participantes aumenta a possibilidade de o consorciado e seu cônjuge adquirirem novas cotas, até atingir os 10% estabelecidos na normativa anterior. Em caso de cancelamento sem substituição de novos participantes, como dito, haveria novamente uma alta concentração de cotas em posse desse consorciado, com todos os riscos que preocupam o Banco Central, ou seja, pela própria característica volátil do grupo de consórcio tendo em vista a flexibilidade de ingresso e saída de consorciados seria difícil garantir a proteção esperada pelo BCB.

Parece que da maneira como a norma está formulada, não será alcançada a redução dos riscos relacionados à continuidade do grupo em caso de inadimplência e à possibilidade de controle das decisões da assembleia do grupo por alguns participantes.

O paradoxo do critério dinâmico apenas adicionou mais um ponto de preocupação para as administradoras, que agora enfrentam a incerteza quanto à forma de agir nessas situações.

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A Resolução BCB nº 362, de 14 de dezembro de 2023, alterou a entrada em vigor da Resolução BCB nº 285, de 19 de janeiro de 2023, que dispõe sobre a constituição e o funcionamento de grupos de consórcio. Assim, passam a entrar em vigor em 1º de julho de 2024, e não mais em 1º de janeiro.

Leandro Coelho Rodrigues

Leandro Coelho Rodrigues

Doutorando e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/ SP. Administrador da Kasinski Administradora de Consórcios.

Nathália Carvalho

Nathália Carvalho

Doutoranda e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP. Advogada e Sócia no GM Carvalho & Fraia Advogados.

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