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PLC 108 e a ilegalidade do lançamento de ofício pelo Fisco para fixar base de cálculo do ITBI

Com a possibilidade de os planejamentos patrimoniais e sucessórios ficarem mais caros nos próximos anos, é altamente recomendável que aqueles que ainda não fizeram seus planejamentos o façam imediatamente.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Atualizado às 11:33

A definição da base de cálculo do ITBI - Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis é um tema que gera muita controvérsia tanto na doutrina quanto na jurisprudência. A legislação atual é considerada insuficiente, o que resulta em frequentes disputas judiciais. Este artigo visa explorar a evolução histórica e jurídica do ITBI, bem como os desafios e soluções propostas para a definição de sua base de cálculo, destacando decisões judiciais relevantes e analisando o impacto de novos projetos de lei. Além disso, discutiremos como as mudanças legislativas previstas podem encarecer os planejamentos patrimoniais e sucessórios nos próximos anos.

História e evolução do ITBI

O ITBI é um tributo com raízes profundas na história brasileira, remontando ao período imperial. Instituído em 3 de junho de 1809, sob a denominação de Siza, o tributo incidia sobre a compra e venda de imóveis e a comercialização de escravos. Com a Proclamação da República em 1891, a competência para instituir o ITBI foi atribuída aos estados, abrangendo transmissões por morte, doação ou negócios jurídicos entre vivos.

A separação dos critérios materiais para a transmissão de bens foi inicialmente promovida pela Emenda Constitucional 5/61, mas foi o CTN/66 que consolidou a competência dos estados sobre o ITBI. A grande mudança ocorreu com a Constituição de 1988, que elevou os municípios à condição de Entes Federados, dividindo a competência tributária do ITBI entre estados e municípios. Essa mudança foi crucial para a autonomia fiscal dos municípios, permitindo-lhes arrecadar e gerir seus próprios tributos.

A controvérsia da base de cálculo

Apesar da conquista municipal na competência de instituir, cobrar e fiscalizar o ITBI, a falta de clareza legislativa sobre a base de cálculo gerou inúmeras disputas judiciais. Os municípios tendem a utilizar o valor venal do IPTU, o valor de mercado ou o valor da negociação, optando pelo maior valor para aumentar a arrecadação. Isso levou a uma prática comum de lançamento de ofício pelo Fisco, gerando insatisfação e litígios com os contribuintes.

Para os contribuintes, a base de cálculo do ITBI deve ser o valor da transação acordado entre as partes, refletindo o real valor de mercado do imóvel. No entanto, a prática adotada por muitos municípios é a de utilizar o valor venal do IPTU ou mesmo um valor arbitrado pelo próprio município, geralmente superior ao valor da transação, gerando questionamentos e demandas judiciais. Essa prática fere o princípio da capacidade contributiva e gera insegurança jurídica, pois os contribuintes não têm previsibilidade sobre o valor do tributo devido.

Decisões judiciais e impactos

Uma decisão crucial ocorreu em 24/2/22, quando o STJ editou o Tema 1.113. Nesse julgamento, o STJ estabeleceu que a base de cálculo do ITBI deve ser o valor do imóvel em condições normais de mercado, desvinculando-se da base de cálculo do IPTU. Além disso, o valor declarado pelo contribuinte é presumido como correto, podendo ser contestado pelo Fisco apenas mediante processo administrativo específico, conforme o art. 148 do CTN.

Essa decisão do STJ trouxe maior clareza e segurança jurídica aos contribuintes, mas também revelou a necessidade de uma legislação mais precisa que evite interpretações divergentes. Os municípios, por sua vez, precisam se adequar a essa nova realidade e rever suas práticas de arbitramento de valores para o cálculo do ITBI, evitando assim a judicialização excessiva e proporcionando maior transparência nas transações imobiliárias.

Implicações práticas e desafios

Na prática, os contribuintes frequentemente pagam o tributo para depois discutir o valor indevido, buscando o registro imediato do imóvel. Os notários, que exigem a comprovação do pagamento integral do ITBI, atuam como sujeitos passivos na obrigação tributária.

Essa situação coloca os contribuintes em uma posição delicada, pois muitos acabam pagando um valor maior do que o devido para evitar atrasos na concretização da transação imobiliária. Além disso, a obrigatoriedade de discutir judicialmente o valor do tributo pago indevidamente gera custos adicionais e incertezas, impactando negativamente o planejamento patrimonial e sucessório dos indivíduos e empresas. O aumento dos custos e a incerteza jurídica tornam mais desafiador o planejamento eficiente e seguro dos patrimônios familiares.

Novos rumos legislativos

O PLC 108/24, atualmente em trâmite no Congresso Nacional, propõe a criação do CG-IBS - Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços. O art. 35 deste projeto visa corrigir a antinomia entre o art. 35 do CTN e o art. 156 da CF/88, consolidando a competência tributária do ITBI para os municípios e o Distrito Federal.

O projeto também apresenta novas técnicas para apuração do valor venal do ITBI, considerando o maior valor entre o valor de referência e o valor de transmissão. O valor de referência deverá ser atualizado anualmente com base em diversos critérios, como valor de mercado, informações dos notários, localização e características do imóvel. Caso o contribuinte discorde, cabe a ele provar o valor de mercado do bem.

No entanto, essa nova proposta legislativa pode encarecer significativamente os planejamentos patrimoniais e sucessórios nos próximos anos. A possibilidade de o Fisco definir unilateralmente a base de cálculo com base em valores de referência pode aumentar os custos das transmissões imobiliárias e gerar maior incerteza jurídica. Além disso, a transferência do ônus da prova para o contribuinte dificulta a defesa de seus direitos e pode resultar em um aumento dos litígios tributários.

Exemplos práticos e análise de impacto

Para ilustrar os desafios enfrentados pelos contribuintes, consideremos um exemplo prático. Imagine um imóvel avaliado em R$ 1.000.000,00 pelo valor de mercado, mas com valor venal de R$ 700.000,00 segundo o IPTU. Em uma transação, o valor acordado entre as partes foi de R$ 850.000,00. Segundo a prática comum de muitos municípios, o ITBI seria calculado sobre o maior valor, resultando em uma base de cálculo de R$ 150.000,00. Essa diferença de R$ 150.000,00 pode parecer razoável, mas representa um aumento significativo na carga tributária para o contribuinte, especialmente em trabalhos de planejamento patrimonial, onde normalmente a "transação", ou integralização do patrimônio é realizada pelo valor declarado no imposto de renda.

A decisão do STJ no Tema 1.113 visa justamente evitar essas disparidades, assegurando que o valor da transação declarado seja considerado correto, a menos que o Fisco comprove o contrário por meio de um processo administrativo específico. No entanto, a implementação dessa decisão ainda enfrenta resistência e desafios práticos nos municípios, que muitas vezes relutam em ajustar suas práticas tributárias.

Impacto econômico e social

As mudanças na legislação do ITBI e as práticas de lançamento de ofício têm um impacto direto não apenas na arrecadação municipal, mas também na economia local e na vida dos contribuintes. Um aumento na base de cálculo do ITBI pode desestimular transações imobiliárias, impactando negativamente o mercado imobiliário e a economia como um todo. Além disso, o aumento nos custos de transmissão de imóveis pode tornar o acesso à propriedade mais difícil para muitas famílias, especialmente em um contexto de alta inflação e crise econômica.

Empreendedores e investidores, em particular, precisam estar atentos a essas mudanças. A aquisição de imóveis é uma parte crucial do planejamento estratégico de muitos negócios, e um aumento nos custos tributários pode afetar a viabilidade de projetos de expansão e investimento. Portanto, é essencial que esses agentes econômicos estejam bem informados e preparados para lidar com as mudanças na legislação do ITBI.

Conclusão

Embora o PLC 108/24 busque corrigir a competência tributária do ITBI, sua vagueza e a ampla discricionariedade concedida ao Fisco na definição da base de cálculo podem continuar a gerar conflitos. A necessidade de um critério claro e determinado para a base de cálculo é essencial para garantir a legalidade tributária e evitar surpresas aos contribuintes. A transferência do ônus da prova para o contribuinte também representa um desafio significativo, potencialmente invertendo os valores fundamentais do sistema tributário e constitucional brasileiro.

Chamado à ação

É crucial que empreendedores e investidores estejam atentos às mudanças legislativas e jurisprudenciais relacionadas ao ITBI. A compreensão das nuances desse tributo pode evitar litígios desnecessários e garantir uma gestão fiscal eficiente. Com a possibilidade de os planejamentos patrimoniais e sucessórios ficarem mais caros nos próximos anos, é altamente recomendável que aqueles que ainda não fizeram seus planejamentos o façam imediatamente. Antecipar-se às mudanças pode resultar em economia significativa e evitar complicações futuras. Acompanhar as evoluções no campo tributário permitirá que os agentes econômicos se preparem melhor para as exigências fiscais, assegurando o cumprimento das obrigações legais e a proteção de seus ativos.

Lucas Parreira

VIP Lucas Parreira

Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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