A adoção da gestão por competências na operacionalização das contratações públicas
O artigo explora resumidamente a gestão por competências no âmbito das contratações públicas, abordando conceitos, desafios e oportunidades para o atendimento dos objetivos da lei 14.133/21.
quarta-feira, 3 de julho de 2024
Atualizado às 10:14
Introdução
Bastante disseminado no campo dos recursos humanos, especialmente no setor privado, o tema gestão por competências ganhou relevante destaque a partir da promulgação da lei 14.133/21, norma geral que rege as licitações e contratos administrativos no âmbito das Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Essa abordagem, que consiste em identificar, desenvolver e utilizar as competências dos profissionais de maneira estratégica, é de suma importância para o cumprimento dos objetivos do processo licitatório e consequentemente para contribuir na evolução das contratações públicas do país, promovendo a eficiência, a efetividade e a eficácia da Administração Pública.
O objetivo do presente trabalho é introduzir sinteticamente o tema, a partir de conceitos clássicos da administração e a aplicabilidade da gestão por competências no campo das contratações públicas, expressando os desafios e oportunidades na implementação do sistema em prol do interesse público.
Conceitos
Segundo Dolz (2004 apud ARAÚJO 2005, p.62), o termo "competência" começou a ser utilizado na Idade Média, especificamente no final do século XV. Inicialmente, o termo era restrito ao contexto jurídico, designando a legitimidade e a autoridade que as instituições possuíam para tratar determinados assuntos. Em outras palavras, era o poder conferido ao tribunal para julgar questões específicas.
Ainda conforme o autor, a partir do século XVIII, o significado da palavra "competência" foi ampliado. Passou a não se referir apenas à legitimidade, mas também a qualquer pessoa capaz de se pronunciar sobre determinados temas. Esse novo sentido estava relacionado ao nível individual, destacando a capacidade adquirida através do conhecimento e da experiência.
Baseando-se no conceito da visão ampliada, Idalberto Chiavenato define gestão por competências como "um programa sistematizado e desenvolvido no sentido de definir perfis profissionais que proporcionem maior produtividade e adequação ao negócio, identificando os pontos de excelência e os pontos de carência, suprimindo lacunas e agregando conhecimento, tendo por base certos critérios objetivamente mensuráveis".
Leme define esse modelo de gestão da seguinte forma: "saber os conhecimentos, as habilidades, as atitudes ou os comportamentos que a empresa precisa ter em seus colaboradores para que todos, de forma orientada e organizada, possam alcançar os objetivos traçados". (LEME, 2005, p.10)
Assim, nota-se que a gestão por competências oferece uma nova forma de organizar os recursos humanos, visando alinhar as habilidades dos colaboradores com os objetivos estratégicos da organização.
Na esfera pública, a gestão por competências pode ser vista como uma opção para aprimorar a qualidade e a eficiência dos serviços públicos. O modelo possibilita nortear a orientação profissional, a avaliação de desempenho, o planejamento de carreira e o desenvolvimento de competências dos servidores públicos de forma a proporcionar melhorias na qualidade dos serviços prestados à sociedade.
Nesse sentido, a lei 14.133/21 se destaca por promover o instrumento no ambiente das contratações públicas, a cargo da alta administração do órgão ou entidade, em laços estreitos com a governança pública e das contratações, visto que diz respeito à capacidade efetiva de atuação do servidor e, por lógica, da Administração Pública, quanto à promoção de um ambiente íntegro e confiável, eficaz, eficiente e efetivo, e com plena segurança jurídica para os envolvidos.
A lei 14.133/21 como relevante marco da gestão por competências nas contratações públicas.
A nova lei de licitações e contratos, no seu art. 7º, ao tratar sobre os agentes públicos essenciais à execução da norma, indica a promoção da gestão por competências à autoridade máxima do órgão ou entidade, incluindo requisitos extras para a designação desses agentes:
Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:
- sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública;
- tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e
- não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.
§ 1º A autoridade referida no caput deste artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.
§ 2º O disposto no caput e no § 1º deste artigo, inclusive os requisitos estabelecidos, também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração.
Nota-se que o legislador, ao discorrer sobre os requisitos previstos nos incisos, utiliza o dispositivo em referência para conectar a gestão por competências a elementos de governança e integridade. Primeiramente, define os atores preferenciais para desempenhar as funções da lei, sendo eles os servidores e empregados públicos dos quadros permanentes da Administração. Em segundo lugar, reforça a designação de pessoas por meio da gestão por competências, isto é, a escolha de agentes que tenham atribuições relacionadas à atividade que será desenvolvida na seara de licitações e contratos, cabendo ainda formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo. Por fim, define requisitos éticos e morais ao vedar práticas de nepotismo e similares nas contratações públicas, além de reforçar a observação ao princípio da segregação de funções, no parágrafo primeiro.
Reforçando a conexão entre gestão por competências e governança, a Portaria Seges/ME 8.678/21, ao dispor sobre a governança das contratações públicas no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional elege a gestão por competências como um dos seus instrumentos:
Art. 6º São instrumentos de governança nas contratações públicas, dentre outros:
- Plano Diretor de Logística Sustentável - PLS;
- Plano de Contratações Anual;
- Política de gestão de estoques;
- Política de compras compartilhadas;
- Gestão por competências;
- Política de interação com o mercado;
- Gestão de riscos e controle preventivo;
- Diretrizes para a gestão dos contratos; e
- Definição de estrutura da área de contratações públicas.
- Parágrafo único. Os instrumentos de governança de que trata este artigo devem estar alinhados entre si.
Por sua vez, o art. 14 da Portaria expõe que compete ao órgão ou entidade:
- Assegurar a aderência às normas, regulamentações e padrões estabelecidos pelo órgão central do Sistema de Serviços Gerais - Sisg, quanto às competências para os agentes públicos que desempenham papéis ligados à governança, à gestão e a fiscalização das contratações;
- Garantir que a escolha dos ocupantes de funções-chave, funções de confiança ou cargos de comissão, na área de contratações, seja fundamentada nos perfis de competências definidos conforme o inciso I, observando os princípios da transparência, da eficiência e do interesse público, bem como os requisitos definidos no art. 7º da lei 14.133/21; e
- Elencar, no PDP - Plano de Desenvolvimento de Pessoas, nos termos do decreto 9.991, de 28/8/19, ações de desenvolvimento dos dirigentes e demais agentes que atuam no processo de contratação, contemplando aspectos técnicos, gerenciais e comportamentais desejáveis ao bom desempenho de suas funções.
Assim, é possível compreender que a gestão por competências está intimamente vinculada, de maneira não taxativa, aos seguintes elementos: perfil ético dos agentes públicos; a meritocracia na seleção de funções de confiança e a plena capacitação dos agentes envolvidos.
Dos desafios, soluções e oportunidades
A implementação da gestão por competências na operacionalização e decisão das contratações públicas, conforme estabelecido pela Lei nº 14.133/2021, enfrenta uma série de desafios. No entanto, apresenta, também, diversas oportunidades que podem resultar em melhorias significativas para a Administração Pública.
Entre muitos desafios, podem ser citados:
- Eventual fragilidade na estrutura e governança de órgãos e entidades da Administração Pública, especialmente nos pequenos municípios;
- Dificuldade no mapeamento de competências, no diagnóstico de lacunas e na capacitação e desenvolvimento de competências;
- Falta de profissionais concursados para o desempenho das atividades relacionadas às contratações públicas, sob risco de não observância ao princípio da segregação de funções e de prejuízos para a boa gestão e fiscalização dos contratos, em virtude do alto acúmulo de designações;
- Baixo interesse dos servidores na atuação de posições decisórias devido aos riscos de responsabilização, aliado a inexistência de incentivo remuneratório;
- Falta de recursos para capacitação de qualidade e contínua dos servidores, inclusive quanto aos aspectos técnicos, comportamentais e gerenciais;
Entre as soluções e oportunidades, citam-se as seguintes:
- Criação, utilização e aperfeiçoamento de escolas de governo para a capacitação dos servidores e oferecimento de certificações, a exemplo da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) do poder executivo federal;
- Aperfeiçoamento dos concursos públicos, de modo a favorecer a concorrência de candidatos que possuem prévia aptidão para o desempenho de atividades específicas relacionadas às contratações públicas;
- Valorização remuneratória dos servidores a partir da obtenção de certificações e acionamento de metas na atuação em licitações e contratos;
- Uso da tecnologia, Inteligência Artificial e afins, no intuito de otimizar os processos, analisar dados, automatizar a rotina operacional etc.
- Descobrimento e desenvolvimento de talentos nas organizações públicas.
Conclusão
Como se observa, embora rodeada de desafios, a implementação da gestão por competências acarretará em transformações significativas no campo das contratações públicas, alinhando os recursos humanos às atividades necessárias ao bom desempenho nas licitações e contratos. Essa mudança promete não apenas um aprimoramento na seleção e capacitação dos profissionais envolvidos, mas principalmente uma gestão mais estratégica e eficiente dos processos administrativos, garantindo que cada etapa das contratações públicas seja conduzida por servidores qualificados e bem preparados.
Espera-se que, com a gestão por competências, as contratações públicas se tornem mais transparentes, eficazes e eficientes, decorrendo de planejamento adequado, seleção do fornecedor justa e vantajosa para a Administração, além de fiscalização contratual capaz de garantir o cumprimento do objeto do contrato, evitando, inclusive, eventuais danos ao erário. Tais ações refletirão diretamente na capacidade de resposta da Administração Pública às demandas da sociedade.